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Governo pode usar navios para tratar infectados com coronavírus

Moradores de favelas e regiões sem saneamento seriam população alvo, onde isolamento domiciliar pode ser problemático

Coronavirus: cerca de 1,5 milhão de pessoas vivem no Rio espalhadas em mais de 700 comunidades (Ricardo Moraes/Reuters)
EC

Estadão Conteúdo

Publicado em 18 de março de 2020 às 10h42.

Última atualização em 18 de março de 2020 às 10h43.

Para combater o avanço do novo coronavírus, o governo federal avalia que a "melhor solução" hoje é utilizar navios para isolar e tratar pessoas de baixa renda infectadas pela doença. A ideia das autoridades brasileiras é atender nas embarcações casos leves, que não exigem leitos de UTI, de pessoas que moram em regiões litorâneas. Em outros locais, afastados do mar, está sendo estudado desde o uso de quarto de hotéis, até unidades habitacionais ainda não entregues para socorrer a população.

Segundo o último Censo do IBGE, em 2010, 10 milhões de brasileiros viviam em assentamentos, favelas e invasões.

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O governo já identificou com empresas de cruzeiros que há aproximadamente 20 navios disponíveis. "Temos de tratar da alimentação dessas pessoas, do monitoramento, da terapia, medicamentos que serão disponibilizados. E caso os pacientes tenham agravamento, teremos condições para que possam ser rapidamente atendidos, mesmo dentro do navio", disse o secretário executivo do Ministério da Saúde, João Gabbardo.

Outra preocupação, segundo ele, é com o "tratamento dos resíduos que vão ocorrer dessas pessoas (no navio) que potencialmente estarão com a presença do vírus".

O Ministério da Saúde considera promissora a aplicação da ideia no Rio, o segundo Estado com o maior número de infectados. Cerca de 1,5 milhão de pessoas vivem no Rio espalhadas em mais de 700 comunidades. Em São Paulo, a população das favelas era de 1,2 milhão de pessoas. O governo espera que navios sejam cedidos sem custos.

O jornal O Estado de S. Paulo apurou que a preocupação com as pessoas de baixa renda, especialmente do Rio, foi discutida anteontem em reunião reservada do ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, com integrantes do Supremo Tribunal Federal (STF). Um dos pontos levantados é que elas não possuem sequer saneamento básico e, muitas vezes, compartilham com parentes casas com apenas um ou dois cômodos.

"Tem várias alternativas. Mas confesso que nenhuma das que estávamos vendo é melhor do que essa, de usar navios no Rio", disse Gabbardo. "É uma preocupação. Como colocar em isolamento o cidadão que mora em comunidades no Rio, com a quantidade enorme de pessoas na mesma residência, que muitas vezes tem só um ou dois quartos", disse. O protocolo da Saúde prevê ao menos 14 dias de afastamento.

A iniciativa com os barcos já foi adotada na Itália, um dos países mais afetados no mundo pela pandemia. Os italianos transformaram um navio em hospital para atender cerca de mil pessoas. Segundo a CLIA Brasil (Associação Brasileira de Cruzeiros Marítimos), a proposta de ceder cruzeiros foi apresentada em uma reunião com o Ministério da Saúde.

Saneamento

As preocupações com a população fluminense não se restringem aos locais para acomodar casos que precisem de acompanhamento. Como muitos centros urbanos, o Rio sofre com a precariedade do saneamento básico. Neste ambiente, hábitos de prevenção - como lavar as mãos, usar álcool gel e permanecer em isolamento social - tornam-se inviáveis para boa parte da população.

Na comunidade do Alemão, no Rio, a comunicadora Tiê Vasconcelos, de 25 anos, conta que água é item raro. Na casa dela, só chega de madrugada, quando é hora de fazer estocagem em baldes para o restante do dia.

O relato de Tiê pode ser visto no Twitter. Ela e outras dezenas de pessoas participam da hashtag #COVID19NasFavelas, criada nas redes sociais para mostrar a realidade das comunidades do Brasil. "Não tem água na favela para lavar a mão? Compra! Eu não posso comprar água nem pra beber. Vou comprar pra lavar a mão? Ter água na favela pra lavar a mão está sendo luxo. Não fazem ideia da nossa realidade", publicou.

A proposta em estudo pelo governo é vista com ressalvas. O governo, diz ela, precisaria oferecer uma "grande estrutura" para que a pessoa possa "parar a sua vida". Além de não ter acesso a itens básicos, a maior parte deles não pode se manter em isolamento e segue trabalhando para sobreviver. Além disso, em caso de uma eventual contaminação, muitos relatam que não teriam locais adequados em suas casas para se afastar dos demais.

"As três dicas para evitar exposição e proliferação não nos cabem. Lavar sempre as mãos? (falta água direto). Usar álcool gel (não tem dinheiro para). Quarentena/isolamento (Com casas de dois ou três cômodos e 6 pessoas?). Como na favela?", questiona no Twitter o ativista Raull Santiago, que também vive no Alemão.

Como alternativa, os moradores da comunidade tentam se ajudar como podem. Nas redes sociais, a ativista Renata Trajano organiza uma campanha para reunir itens para contenção do coronavírus. Quando chega água na casa da ativista, ela divulga para que outros moradores possam buscar. "Na favela funciona assim, se eu tenho e você não, vou dividir o meu com você", disse.

Medidas

Pesquisador na área de Direitos Humanos, Dennis de Oliveira, da Universidade de São Paulo (USP), afirma que apenas medidas de isolamento não resolvem a questão. Para ele, essas pessoas precisam continuar a trabalhar para sobreviver e não podem ser isoladas sem medidas para garantir algum tipo de renda.

Ele citou como exemplo a moratória de dívidas e impostos tomada em países como a Itália. "O governo está pensando em ampliar Bolsa Família. Precisa de um mix que garanta renda para aqueles que terão dificuldade de se isolar", disse

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