No governo Bolsonaro, prefeitos da oposição recebem menos verbas
A verba liberada pelo governo Bolsonaro a prefeitos de centro ou direita até julho deste ano foi 56% maior do que aquela enviada às legendas de oposição
Agência O Globo
Publicado em 17 de agosto de 2020 às 09h27.
No governo Jair Bolsonaro , as prefeituras comandadas pela oposição foram prejudicadas na distribuição de dinheiro. A média de verba por habitante liberada para prefeitos de partidos de centro ou direita até julho deste ano foi 56% maior do que aquela enviada a municípios comandados por legendas de oposição, principalmente devido à influência de parlamentares no Executivo.
Levantamento do GLOBO mostra que, entre as 10 prefeituras que mais receberam dinheiro do governo para investimentos, nenhuma é de oposição. Os partidos mais beneficiados são PROS, Solidariedade, Republicanos, PSD, PP, MDB, Avante, PL, PV, DEM, PSC e PTB, nessa ordem. Em 13° lugar, vem o PDT e, depois, o PT.
Apesar de não ter loteado ministérios entre partidos, a articulação política de Bolsonaro criou um sistema para direcionar verba para municípios de acordo com o alinhamento das legendas. Em negociações sensíveis no Congresso, como a reforma da Previdência, o governo colheu indicações de deputados, repassadas pela Secretaria de Governo aos ministérios.
O total de valores empenhados (reservados para pagamentos futuros) para investimentos em municípios sobre os quais o governo teve controle desde a posse de Bolsonaro é R$ 858 milhões. Dos 5.570 municípios brasileiros, só 763 tiveram empenhos desse tipo, sem considerar emendas parlamentares. Desse total, 134 são de prefeitos de oposição e 629, de partidos de centro ou de direita, estejam ou não na base aliada formal do governo no Congresso.
Nathan Macena Souza, prefeito de Careiro (AM), lembra que, quando assumiu seu município em 2017, não havia hospital, médicos especialistas e ambulância. Hoje, há na cidade 20 médicos. Todos pagos com verba federal.
— Só com o recurso do FPM (Fundo de Participação de Municípios, transferência obrigatória da União que paga as contas das cidades pequenas), não consigo fazer nada.
A verba empenhada em 2019 para a prefeitura, R$ 6,6 milhões, se somou ao que parlamentares aliados conseguiram liberar em emendas. Ele frisa que parece muito, mas é pouco para uma cidade com cerca de 50 mil habitantes. Eleito pelo PROS, diz que mudou para o Republicanos especialmente devido à ajuda que recebeu do deputado Silas Câmara (Republicanos-AM).
— Eles (parlamentares) vão até o ministro, tem aqueles negócios da base do governo. Não sei te dizer como funciona, mas eles têm o jeito de liberar o recurso. O senador Eduardo Braga (MDB-AM) e o Silas Câmara ajudam muito.
Já o município de Xapuri (AC), com 20 mil habitantes e comandando por Bira Vasconcelos (PT), está em uma situação distinta. Não recebeu nenhum investimento liberado diretamente pelos ministérios no ano passado. Na cidade, não há esgoto tratado nem aterro sanitário, relata o prefeito.
— Não temos parlamentar de esquerda no Acre, exceto a Perpétua Almeida (PCdoB). Então, encaro (a falta de investimento) com naturalidade, mas com preocupação, já que deveríamos ter o mesmo tratamento republicano.
O presidente da Confederação Nacional de Municípios (CNM), Glademir Aroldi, diz que o ideal é que as cidades tivessem uma participação adequada no bolo tributário para não terem que recorrer a verbas extraordinárias.
O levantamento do GLOBO, feito com base em dados do Sistema Integrado de Administração Financeira (SIAFI), exclui emendas parlamentares e outros gastos obrigatórios. Leva em conta apenas gastos sobre os quais os ministros têm total controle. A Secretaria de Governo argumenta que gerencia apenas as emendas e, portanto, não pode responder sobre os gastos discricionários dos ministros.
Nas emendas, a Segov afirma seguir o critério sob o qual “considera-se equitativa a execução das programações de caráter obrigatório que observe critérios objetivos e imparciais e que atenda de forma igualitária e impessoal às emendas apresentadas, independentemente da autoria”.
Sistema milenar
Deputados defendem o sistema de indicações sob o argumento de que conhecem melhor do que o governo federal os problemas dos municípios.
— Isso é milenar — diz José Nelto (PODE-GO). — Quando o deputado apoia os projetos do governo, ele tem um tratamento diferenciado, que é normal. Faz parte do processo político. Na época do PT, do FHC, foi do mesmo jeito. O deputado não coloca o dinheiro no bolso. Ele manda para atender as bases.
O cientista político Fernando Meireles, da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais), pontua que, em governos anteriores, as indicações costumavam ocorrer por meio de um ministério dominado por um partido — hoje, para ele, o sistema de distribuição está menos transparente.
— Esses dados mostram que prefeitos ainda estão conseguindo ser atendidos por meio de seus partidos. Nisso, não há diferença alguma em relação a governos anteriores.
Deputados argumentam também que, apesar do que mostram as estatísticas, não mandam dinheiro apenas para prefeitos alinhados a eles. O deputado Toninho Wandscheer (PROS-PR), por exemplo, diz que a cidade que mais ajudou em 2019 é São João do Triunfo, comandada pelo PT:
— Escolho pelo caráter de quem está na prefeitura.
Da mesma maneira, o prefeito Adinan Ortolan (MDB), de Cordeirópolis, nega que seu município tenha sido o mais agraciado com verbas em São Paulo devido ao trânsito de seu partido no governo federal.
— Temos um núcleo de ação estratégica, para cadastrar projetos. Não é por uma vinculação pessoal, até porque minha vice é do PT.