Filha de cacique assassinado critica demora em demarcação
“[A demora] está contribuindo para a morte de crianças na beira de estrada, diarreia, fome e destruição", disse a indígena, que é professora
Da Redação
Publicado em 26 de setembro de 2012 às 13h54.
São Paulo - A demora do governo federal em concluir o processo de demarcação de terras reivindicadas por índios da etnia guarani-kaiowá, em Mato Grosso do Sul, está contribuindo para a "matança de indígenas" no estado. A avaliação é da professora Valdelice Veron, filha do cacique Marcos Veron, assassinado em janeiro de 2003. Valdelice é, hoje, uma das principais lideranças guarani da região.
“[A demora] está contribuindo para a morte de crianças na beira de estrada, diarreia, fome e destruição. Também está contribuindo com a morte prematura e com abortos espontâneos. Estamos morrendo silenciosamente. Estão acabando silenciosamente com nosso modo de ser. Queremos nossa terra de volta para reconstrui-la”, disse Valdelice.
Por sua luta contra a violência que atinge os povos indígenas, ela recebeu do Conselho Federal de Psicologia, na semana passada, o 2º Prêmio Paulo Freire de Psicologia.
Dados do relatório Violência contra os Povos Indígenas, do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), indicam que 32 índios foram assassinados em Mato Grosso do Sul no ano passado. O número representa 62,7% dos 51 assassinatos registrados no período em todo o país. Do total de mortos, 27 eram da etnia guarani-kaiowá. O estado também abrigou o maior número de casos de tentativas de assassinatos (85) e de suicídios (13) registrados pelo Cimi.
Segundo Valdelice, o processo de demarcação da terra guarani-kaiowá precisa ser concluído urgentemente, pois a situação do grupo está "muito difícil".
“Queremos a demarcação [de nossa terra], que já está identificada. Basta o ministro da Justiça [José Eduardo Cardozo] e a [presidente da República] Dilma [Rousseff] assinarem para nós. É isso o que a gente quer para parar o genocídio, o massacre que está acontecendo hoje em Mato Grosso do Sul", declarou Valdelice. "Está uma situação muito difícil, principalmente para as mulheres, crianças, grávidas e os idosos. Para quem vamos pedir socorro? O Ministério Público Federal, quando esteve lá, teve que correr porque eles [fazendeiros] atiraram por cima. E quando pedimos [ajuda] para a Polícia Federal, ela está em greve”, disse.
O cacique Marcos Veron foi morto a coronhadas por seguranças contratados para desocupar a Fazenda Brasília do Sul, em Juti (MS), em fevereiro de 2003. Os acusados Carlos Roberto dos Santos, Jorge Cristaldo Insabralde e Estevão Romero foram inocentados pela morte do cacique, mas condenados por sequestros, tortura, lesão corporal e formação de quadrilha.
Procurada desde a última sexta-feira (21) para comentar as declarações de Valdelice, a Fundação Nacional do Índio (Funai), órgão ligado ao Ministério da Justiça e responsável pela demarcação de terras indígenas, ainda não se manifestou.