Brasil

Favelas no Rio têm mortes por covid-19 fora de boletim oficial

Dados coletados por moradores indicam que número de mortes por covid-19 pode ser 41% maior

Rio de Janeiro: conta não oficial chegou ontem à noite a 129 óbitos por covid-19 (Anadolu Agency/Getty Images)

Rio de Janeiro: conta não oficial chegou ontem à noite a 129 óbitos por covid-19 (Anadolu Agency/Getty Images)

AO

Agência O Globo

Publicado em 14 de maio de 2020 às 06h14.

Última atualização em 14 de maio de 2020 às 12h48.

Dados coletados por moradores indicam que, em 14 comunidades do Rio, o número de mortes provocadas pela covid-19 é 41% maior que o divulgado pela prefeitura. A conta não oficial chegou ontem à noite a 129 óbitos, enquanto o boletim do município divulgado duas horas antes contabilizava 91 nessas regiões. Para organizadores do levantamento independente, a discrepância se deve principalmente a uma suposta falha no sistema do município: vítimas de algumas comunidades estariam sendo registradas como residentes de bairros vizinhos. Assim, a estatística não retrataria a realidade de áreas mais carentes da cidade.

O painel #CoronaNasFavelas, organizado pelo coletivo Frente Maré, seria um exemplo dessa possibilidade de erro. O levantamento inclui duas comunidades que não constam do boletim oficial — os morros Pavão-Pavãozinho, situados em Copacabana e Ipanema, e da Providência, na Gamboa. Considerando ambas, o total chegaria a 148 óbitos em 16 favelas.

Um painel criado pelo “Voz das Comunidades”, jornal comunitário fundado por René Silva, morador do Complexo do Alemão, acompanha dados de 13 favelas. Assim como o trabalho da Frente Maré, a iniciativa independente consolida não só as notificações da prefeitura e do governo estadual, mas registros de Clínicas da Família. Na região, o município não contabilizou mortes por Covid-19, porém o levantamento popular somou 12.

Mortes em casa

Moradores destacam que o número real de óbitos é maior porque várias pessoas morreram em casa, ou seja, não teriam entrado na estatística do poder público, feita a partir de registros em unidades de saúde. Também haveria diferença entre estatísticas oficiais e independentes relacionadas aos casos de infecção, e, por isso, a equipe médica da Clínica da Família Zilda Arns, no Complexo do Alemão, decidiu lançar um portal com atualizações diárias das notificações.

"A gente acha que a discrepância para a estatística oficial ocorre porque muitos pacientes estão vinculados a outros lugares e isso mascara a realidade do Complexo do Alemão, que se estende por seis bairros. Nosso objetivo é justamente mostrar que, na verdade, as favelas têm muito mais casos que o divulgado pelas autoridades", disse um médico da clínica, que pediu para não ser identificado. "Temos muitos relatos de pessoas falecendo em casa, principalmente na comunidade Nova Brasília".

O “Voz das Comunidades” também compila números da Rocinha, em parceria com o jornal comunitário “Fala Roça”. Os dados são levantados por meio de análises da Vigilância Sanitária municipal, pesquisas no sistema de verificação de exames de laboratórios e registros de atendimento no Centro Municipal de Saúde Albert Sabin e nas Clínicas da Família Maria do Socorro Silva e Silva e Rinaldo de Lamare.

Segundo Wallace Pereira, presidente da Associação Pró-Melhoramentos dos Moradores da Rocinha, o painel dos médicos reúne apenas casos com indicação de internação hospitalar. Ficam de fora os doentes com sintomas leves, que são a maioria. Em entrevista ao “Fala Roça”, um profissional de saúde disse que o levantamento não oficial é mais realista e reforça, para a comunidade, a importância do isolamento social.

Uma comunidade que não aparece nos dados oficiais nem nos levantamentos paralelos é Rio das Pedras, em Jacarepaguá. Andreia Ferreira, integrante da Comissão de Moradores, afirmou que a maioria dos residentes infectados é atendida no Hospital Municipal Lourenço Jorge, na Barra, e frisou que já ocorreram dez mortes na favela.

"Como Rio das Pedras não aparece nas estatísticas?", questionou Andreia.

O número de casos de Covid-19 chegou a 18.728 ontem no Estado do Rio. Já são 2.050 mortes provocadas pela doença, de acordo com a Secretaria estadual de Saúde. Em 24 horas, foram registrados mais 122 óbitos. Na capital, que concentra o maior número de infectados (11.026), 1.363 pessoas morreram.

Defensoria lamenta

Coordenadora do Núcleo de Terras e Habitação da Defensoria Pública do Rio, Adriana Bevilaqua disse que relatos de moradores corroboram a impressão de subnotificação em favelas.

"A situação é agravada pela dificuldade de o isolamento ser uma possibilidade para as camadas mais pobres", disse Adriana.

A Secretaria municipal de Saúde afirmou que as notificações de Covid-19 levam em conta os bairros declarados nas fichas dos pacientes. Além disso, a pasta alegou que, como Rio das Pedras, Pavão-Pavãozinho e outras favelas não são bairros oficiais, seus moradores têm que ser registrados com outros locais de origem.

Acompanhe tudo sobre:CoronavírusFavelasRio de Janeiro

Mais de Brasil

Avião cai em avenida principal de Gramado, na Serra Gaúcha

São Paulo tem 88 mil imóveis que estão sem luz desde ontem; novo temporal causa alagamentos

Planejamento, 'núcleo duro' do MDB e espaço para o PL: o que muda no novo secretariado de Nunes

Lula lamenta acidente que deixou ao menos 38 mortos em Minas Gerais: 'Governo federal à disposição'