Expulsos da Cracolândia, dependentes permanecem no centro de SP
Uma semana após a grande operação policial feita na Cracolândia, especialistas dizem que a questão está longe de ser resolvida
Agência Brasil
Publicado em 28 de maio de 2017 às 18h14.
Uma semana após da grande operação policial feita na região da Cracolândia , no centro da capital paulista, os usuários de drogas se espalham por diversos pontos da região central da cidade.
Nos últimos dias, houve demolições, fechamento do comércio local e autorização da Justiça para avaliação médica contra a vontade do usuário, que acabou suspensa neste domingo (28). Fontes ouvidas ao longo da semana pela Agência Brasil disseram que o problema da região ainda não acabou.
As pessoas, que antes se aglomeravam na Alameda Dino Bueno, estão agora na Praça Princesa Isabel, a cerca de 500 metros do local onde ocorreu a ação da polícia. No entanto, mapeamento da Guarda Civil Metropolitana (GCM) identificou 22 pontos de concentração de usuários de crack nas proximidades.
Na última quinta-feira (25), o secretário estadual de Desenvolvimento Social, Floriano Pesaro, disse que a GCM localizou cerca de 340 pessoas espalhadas pela área próxima ao local anterior da Cracolândia e em pontos mais distantes, como na Santa Cecília e Santa Ifigênia.
A operação de domingo passado contou com cerca de 900 policiais civis e militares para, segundo ao governo estadual, combater o tráfico no local. Na ocasião, o prefeito João Doria visitou a região e afirmou que não houve violência nem vítimas na operação.
Representante do movimento Craco Resiste, Rafael Escobar disse que a operação na Cracolândia teve início com forte presença de policiais e que a PM chegou jogando bombas.
"De repente, tinha 300 ou 400 policiais do GOE [Grupo de Operações Especiais da Polícia Civil], jogando bomba e dizendo que era para acabar com o tráfico, mas aqui tem é um monte de aviãozinho [um intermediário, uma pessoa que busca e entrega droga ao cliente]. Não tem tráfico nenhum aqui. De repente, não tem mais ninguém na Cracolândia [alameda Dino Bueno]", disse, na ocasião.
Para o promotor de Justiça do Ministério Público de São Paulo (MP) Arthur Pinto Filho, "os usuários apenas mudaram de lugar".
"A Cracolândia poderia acabar em um processo a médio prazo, com trabalho muito consistente de todos ali, de Saúde, da Smads [Secretaria Municipal de Assistência e Desenvolvimento Social]. Ela poderia ir minguando até acabar. Hoje a Cracolândia não acabou coisíssima nenhuma, ela muda de lugar", disse o promotor à Agência Brasil.
Na avaliação do promotor, a operação não acabou com o tráfico e foi gerada ainda uma situação de caos naquela região. "A ação não resolveu o problema básico da Cracolândia, que é a dependência. Enquanto não se resolver isso, não se resolve a questão, a droga vai continuar chegando, tanto lá como em qualquer lugar do Brasil".
Secretaria de Segurança
No dia seguinte à operação (22), o secretário de Segurança Pública do estado, Mágino Alves, concedeu entrevista coletiva e disse que a área estava livre do tráfico de drogas, mas admitiu que o problema social existente na região não foi resolvido e precisa da atuação das esferas municipal e estadual.
Segundo a polícia, o tráfico na região estava sob o comando da facção criminosa Primeiro Comando da Capital (PCC) desde 2013, organizado com uso de seguranças armados, grupos específicos para distribuição de drogas, e utilizava inclusive máquinas para a venda com cartão de crédito.
Na operação, a polícia prendeu 50 pessoas, 48 delas por tráfico de drogas. Também foram apreendidos três adolescentes. Foram recolhidos 12,3 quilos de crack, 6,5 quilos de maconha, 655 gramas de cocaína, 6 gramas de haxixe, 18 gramas de ectasy, 2 micropontos de LSD, dois litros de lança-perfume, e R$ 49.611,00.
A polícia mantém na região, segundo a SSP, um efetivo 120 homens do policiamento territorial com o reforço de mais 80 policiais militares, totalizando 200 agentes. Na segunda-feira (22), a polícia voltou a dispersar usuários de drogas que vagavam em grupos na área da Cracolândia.
Apesar dos resultados anunciados pelo governo, o antropólogo e pesquisador no Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap) Maurício Fiore, também ouvido pela Agência Brasil nesta semana, acredita que a ação teve pouco impacto no combate ao tráfico de drogas. "Se ela não for de inteligência, para pegar o fornecedor, você vai ficar só enxugando gelo". Ele afimou ainda que "operação policial dessa forma, sem planejamento articulado, é por um outro objetivo, não desmontar as redes do tráfico de drogas", disse.
De acordo com o antropólogo, a operação somente retirou os usuários para permitir a valorização do bairro, em um processo conhecido como "gentrificação", que tende a expulsar também as pessoas com renda mais baixa. "Mais uma operação puramente policial, basicamente para mostrar serviço publicamente", disse.
Demolições
A prefeitura chegou a lacrar quase todos os imóveis residenciais e comerciais de dois quarteirões onde ficava o fluxo - concentração de usuários de drogas. Também foram feitas algumas demolições. Na terça-feira (23), três pessoas ficam feridas pela queda de uma parede durante a derrubada de um dos imóveis.
A prefeitura divulgou comunicado, dizendo que "nunca foi intenção da administração municipal fazer intervenções em edificações ocupadas sem que houvesse arrolamento prévio de seus habitantes".
O caso foi citado em uma liminar emitida no dia seguinte (24) pela 3ª Vara de Fazenda Pública do Tribunal de Justiça de São Paulo que proibiu o município de continuar as remoções e demolições antes de cadastrar os moradores e garantir atendimento de saúde e habitação.
Condução compulsória
O desembargador Reinaldo Miluzzi, do Tribunal de Justiça de São Paulo, derrubou hoje (28), a pedido do Ministério Público de São Paulo (MP) e da Defensoria Pública, a decisão que autorizava a prefeitura de São Paulo a conduzir compulsoriamente - contra a vontade da pessoa - usuários de drogas da região da Cracolândia a uma avaliação médica. Também foi retirado o segredo de Justiça do processo.
Na sexta-feira (26), a prefeitura havia conseguido autorização judicial para abordar usuários de drogas nas ruas da região central e levá-los compulsoriamente para uma avaliação médica. A decisão foi do juiz da 7ª Vara da Fazenda Pública, Emílio Migliano Neto.
"O pedido da prefeitura, que busca autorização para a 'busca e apreensão de pessoas em situação de drogadição com a finalidade de avaliação (...) e internação compulsória', é extremamente vago, amplo e perigoso, pois daria ao município carta branca para eleger quem são as pessoas nesse estado, sem que houvesse qualquer possibilidade de defesa a elas", afirmou a defensoria.