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É enganoso vídeo que fala sobre “recado final” de militares ao STF

Não há comprovação de que o alto comando das Forças Armadas esteja pressionando a corte em nome do ministro da Justiça, Sergio Moro

Moro e Toffoli: o vídeo é favorável a Moro. Diz que ninguém “mexe” com ele por causa de sua “autoridade, respeito, caráter e popularidade” (Agência Câmara/Agência Brasil/Montagem/Exame)
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Clara Cerioni

Publicado em 16 de agosto de 2019 às 10h09.

É enganoso um vídeo publicado no YouTube sobre um suposto clima de suspense no Supremo Tribunal Federal (STF) atribuído a um “duro recado” que o alto comando do Exército teria mandado aos ministros.

Segundo o rumor, os militares teriam alertado os integrantes da corte para que não “mexessem” com o atual ministro da Justiça e Segurança Pública, Sergio Moro .

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O vídeo em questão é composto por uma sequência de fotos dos ministros do Supremo, de integrantes do governo, do presidente Jair Bolsonaro (PSL) e de militares fardados.

As imagens são acompanhadas por um áudio no qual a narradora mistura fatos verídicos e falsos para construir a tese do “recado”.

O vídeo é favorável a Moro. Diz que ninguém “mexe” com ele por causa de sua “autoridade, respeito, caráter e popularidade” e que, se “mexerem com Moro”, a briga será “grande e feia”.

Esta verificação do Comprova investigou os dados do vídeo publicado no canal BR Notícias no YouTube.

Como verificamos

Para fazer esta apuração o Comprova entrou em contato com as assessorias de organizações e pessoas citadas no vídeo. São elas: o Exército, o STF, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB), o vice-presidente Hamilton Mourão (PRTB), e com o canal que divulgou o vídeo no YouTube.

A equipe também conversou com o ex-candidato a governador do Distrito Federal, general Paulo Chagas (PRP), com um advogado criminalista e consultou reportagens feitas sobre as afirmações que constam no vídeo.

Você pode refazer o caminho da verificação usando os links para consultar as fontes originais ou visualizar a documentação que reunimos.

O “recado”

A narradora do vídeo afirma que o alto comando do Exército mandou um duro recado para o Supremo e, a partir daí, “um grande clima de suspense pairou no ar”.

De acordo com a narração, trata-se de uma notificação de um general para que “ninguém mexesse” com Moro na questão dos vazamentos das conversas entre ele e procuradores da força tarefa da Lava Jato.

Ao Comprova, o coronel Guerra, chefe da assessoria de imprensa do Exército, disse por telefone que o “duro recado” citado no vídeo “não ocorreu e é falso”. Por meio de sua assessoria, o Supremo também negou ter recebido qualquer “recado” de integrantes do Exército.

Mourão

Além do rumor de origem não identificada, o vídeo também especula sobre o “recado” ter sido dado ao Supremo pelo vice-presidente da República, Hamilton Mourão (PRTB).

A assessoria de imprensa do general da reserva nega que ele tenha dado qualquer “recado” à corte superior e afirma que os fatos descritos no vídeo são inverídicos.

É enganoso que Mourão tenha mandado qualquer recado aos ministros do STF caso eles interferissem a respeito das conversas atribuídas a Moro. A narrativa do vídeo mescla afirmações feitas pelo vice-presidente, como a defesa da operação Lava Jato, com o discurso falso que o militar teria ameaçado a Suprema Corte.

O vice-presidente não deu declarações sobre interferências a serem feitas no STF caso os ministros “mexessem com Moro”, mas defendeu a operação Lava Jato publicamente.

Mourão também disse que Moro é de “ilibada confiança” do presidente Bolsonaro e defendeu a privacidade das comunicações do ministro.

FHC

Outra figura pública citada no vídeo por ter defendido Moro foi o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB). A narradora diz que o tucano “saiu em defesa de Moro” e disse que o vazamento não passa de uma “tempestade em copo d’água”.

Ao Comprova, a assessoria do Instituto Fernando Henrique disse que o ex-presidente não saiu em defesa de Moro, o que ele fez foi comentar o caso ao ser questionado por um repórter.

Os processos julgados por Moro

O vídeo afirma que alguns ministros disseram “em off” para a reportagem que nada poderia anular os julgamentos da Lava Jato. A expressão “em off” é utilizada no jornalismo quando o repórter não revela quem foi a fonte que lhe passou a informação – isso é feito para preservar o informante.

De acordo com o vídeo, o pior que poderia acontecer seria Sergio Moro ser convidado à Suprema Corte para dar explicações ao “Conselho Superior de Censura”, já extinto.

Para verificar esta afirmação, o Comprova entrevistou João Paulo Boaventura –advogado criminalista, sócio do escritório Boaventura Turbay Advogados.

Boaventura disse que o Conselho foi extinto na Constituição de 1988. “Hoje ele é aquele setor do Ministério da Justiça que faz classificação etária de programas de televisão, filmes, etc.”.

Apesar de Moro não ter de dar explicações ao Supremo, como afirma o vídeo, o ministro foi convidado e compareceu a uma sessão no Senado Federal, em 19 de junho, e a outra na Câmara dos Deputados, em 2 de julho.

Lava Jato

O áudio do vídeo está correto quando afirma que o Ministério Público Federal (MPF) diz que a operação Lava Jato é o maior caso de lavagem de dinheiro já apurado no Brasil.

De acordo com o site do MPF, a investigação é realmente a maior deflagrada até hoje e mira um esquema de corrupção que já dura pelo menos 10 anos e envolveu grandes empresas como a Petrobras e a Odebrecht.

Repercussão nas redes

Até o dia 15 de agosto, o vídeo postado no canal BR Notícias, do YouTube, foi visualizado por mais de 327 mil pessoas. De acordo com o Crowdtangle, uma ferramenta de monitoramento de redes sociais, a gravação obteve mais de 22 mil interações no Facebook até a mesma data.

Contexto

Em 9 de junho de 2019, o portal The Intercept começou a divulgar conversas do aplicativo Telegram atribuídas ao ministro Sergio Moro.

Nas mensagens, o ex-juiz teria orientado os membros do Ministério Público sobre como agir com relação à operação. Esse tipo de comunicação é considerada ilegal pela Constituição brasileira e pelo Código de Processo Penal.

Depois do vazamento, houve especulações sobre o que aconteceria com os processos julgados por Moro enquanto era juiz federal da 13ª Vara Federal em Curitiba – antes de assumir o cargo no governo Bolsonaro.

O pedido de suspeição contra Moro na condenação do ex-presidente Luiz inácio Lula da Silva (PT), apresentado ao STF em dezembro de 2018, ganhou força após as reportagens. A defesa do petista alega que Moro foi parcial no julgamento de Lula.

O vídeo enganoso foi publicado em 10 de agosto, em meio a uma campanha contra o STF que convoca um ato de protesto para o próximo dia 25, cujos alvos são os ministros da corte.

Diversas postagens dessa campanha, detectadas no monitoramento do Comprova, pedem o fechamento do STF.

No fim do vídeo analisado, a narradora pede a “intervenção militar” e a imposição do artigo 142 da Constituição contra o STF.

A redação do artigo 142 é objeto de uma leitura enganosa por parte dos apoiadores de uma “intervenção militar”, segundo os quais as Forças Armadas poderiam fechar o Congresso ou Supremo e, ainda assim, estar dentro da lei. Ocorre, no entanto, que o artigo 142 da Constituição não permite tal ofensiva.

Uma ação desse tipo configuraria um golpe de Estado, pois, de acordo com a Constituição Federal, nenhum representante eleito pode ser destituído a não ser por deliberação da maioria absoluta do Poder Legislativo. Uma ação deste tipo configuraria um golpe de Estado, .

O artigo se restringe às diretrizes sobre o funcionamento das Forças Armadas. Esse artigo serve de base para a Lei Complementar 97, de 1999, e o Decreto 3897, de 2001, que regulam as chamadas missões de Garantia da Lei e da Ordem (GLO).

As GLOs são realizadas exclusivamente por ordem da Presidência da República e ocorrem nos casos em que há o esgotamento das forças tradicionais de segurança pública.

A intervenção federal, por sua vez, é um mecanismo previsto no artigo 34 da Constituição. Ela pode ser decretada pelo governo federal nos estados e no Distrito Federal e depende de autorização do Legislativo, ou seja, da Câmara dos Deputados e do Senado Federal. A medida, no entanto, não prevê o fechamento do Congresso.

No caso do Rio de Janeiro, que passou por uma intervenção militar recentemente, a prerrogativa colocou os órgãos de segurança pública do Estado sob o comando de um general do Exército.

Um outro vídeo, publicado em março de 2019, adotou estratégia semelhante à utilizada no vídeo investigado nesta verificação – fala em supostos avisos e ultimatos de militares ao Supremo.

Na ocasião, o “recado” não teria sido dado em defesa de Moro, mas sim para impedir a eventual soltura do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).

O vídeo falava em um “aviso final” que o general da reserva Paulo Chagas, que se candidatou ao governo do Distrito Federal, teria dado ao STF.

Tal aviso envolveria o julgamento de mérito sobre a prisão em segunda instância, que estava marcado para 10 de abril de 2019.

Uma mudança na jurisprudência (atualmente a favor do cumprimento da pena após sentença confirmada em segunda instância) poderia beneficiar Lula, até então condenado por Moro e o TRF-4. O ex-presidente só seria condenado em terceira instância no caso triplex em abril.

Ainda em abril, especificamente no dia 4, o ministro Dias Toffoli, presidente do STF, atendeu a pedido da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e tirou o julgamento da prisão em segunda instância da pauta da Corte, sem data fixada para retornar até o momento. O assunto, no entanto, pode voltar a ser examinado em alguma sessão sem pauta definida.

A base do vídeo para a argumentar que os militares tinham ameaçado o STF é um texto publicado em 30 de março de 2019 por Chagas.

Ao Comprova, o general disse que o post é uma adaptação de um texto originalmente publicado em 2017. O texto original é muito parecido com o replicado na corrente.

No entanto, Chagas diz que a parte do “aviso final” ao STF foi inserida pelo autor do post que viralizou.

* A checagem acima, investigada por Estadão e Poder360, foi publicada peloProjeto Comprova,u ma coalizão de 24 veículos de mídia, incluindoEXAME,formada com o objetivo de combater a desinformação sobre políticas públicas federais. Você pode sugerir checagens por meio do número de WhatsApp(11) 97795-0022.

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