Bolsonaro: planos ambiciosos de estimular o crescimento com a venda de estatais, reduzir a burocracia e cortar gastos energizaram investidores, mas, em grande parte, não se materializaram (Adriano Machado/Reuters)
Clara Cerioni
Publicado em 7 de março de 2020 às 08h30.
Última atualização em 7 de março de 2020 às 08h30.
Brasília — O presidente Jair Bolsonaro encerrou o primeiro ano de mandato sem conseguir cumprir as promessas de impulsionar o crescimento econômico. Com a piora do cenário global, a questão agora é se Bolsonaro perdeu a janela de oportunidade.
Não faltam desafios para Bolsonaro no segundo ano de governo: de problemas externos como a desaceleração da economia da China e o coronavírus a obstáculos domésticos, como a taxa de desemprego de dois dígitos e eleições municipais, que vão intensificar os esforços para aprovar mais reformas.
Na pesquisa Focus, as previsões para o crescimento em 2020 foram rebaixadas para cerca de 2,17%; Goldman Sachs e BNP Paribas dizem que o número parece otimista demais.
A expansão do PIB desacelerou para 1,1% no ano passado em relação aos 1,3% em 2018, segundo relatório do IBGE divulgado na quarta-feira. Os dados podem servir como uma espécie de acerto de contas para um político polêmico que chegou ao poder com a promessa de acabar com anos de má administração da economia e decepção e cuja popularidade ainda está em níveis relativamente altos.
Planos ambiciosos de estimular o crescimento com a venda de estatais, reduzir a burocracia e cortar gastos energizaram investidores, mas, em grande parte, não se materializaram.
“Não compramos esse otimismo do ano passado”, disse Gustavo Arruda, economista-chefe do BNP. “Agora o coronavirus veio para nos fazer ficar mais pessimistas.”
A assessoria de imprensa da presidência não respondeu imediatamente a um pedido de comentário.
A crise do coronavírus e outros desafios atingem pontos problemáticos do país: os preços das commodities estão em queda, o dólar em alta, investidores fogem do risco e a demanda de exportação está ameaçada.
O dólar atingiu uma máxima em relação ao real na terça-feira, e a moeda brasileira mostra o pior desempenho global este ano, o que ameaça alimentar a inflação. Na semana passada, um indicador de retornos das commodities caiu para o nível mais baixo desde 1987, um forte golpe para a economia brasileira que depende dos setores de agricultura, petróleo e mineração.
Enquanto isso, China e União Europeia, que estão entre os principais destinos de exportação do Brasil, enfrentam desaceleração da economia ou mesmo recessão. Além disso, o crescimento global deve registrar o desempenho mais fraco desde a crise financeira de 2008.
“Em comparação com outros países, não temos espaço para estímulo fiscal; o único estímulo que ainda tem espaço sem pressionar a inflação é no monetário, temos espaço para mais cortes de juros”, disse Arruda, do BNP, que vê a Selic em 3,50% até o fim do ano. “É o único estímulo que pode ser feito com responsabilidade.”
Com o lento crescimento após a recessão de dois anos que terminou em 2017, a economia brasileira já não está na melhor posição para enfrentar os desafios deste ano.
Embora Bolsonaro tenha conseguido algumas vitórias em seu primeiro ano, como a reforma da Previdência, que economizará cerca de R$ 800 bilhões em uma década, seu estilo de governo bélico provocou tensões com o Congresso que podem complicar as medidas para aprovar novas reformas.
“Parece não haver solução mágica para impulsionar o crescimento no Brasil”, disse Adriana Dupita, economista para América Latina da Bloomberg Economics. “Juros baixos não podem sustentar o crescimento por muito tempo e não há espaço para estímulos fiscais. Chegou a hora de o país enfrentar de uma vez por todas seus desafios estruturais.”
Com a colaboração de Aline Oyamada e Fabiana Batista