Pessoas removem óleo da praia de Suape, em Cabo de Santo Agostinho (Diego Nigro/Reuters)
Clara Cerioni
Publicado em 24 de outubro de 2019 às 13h28.
Última atualização em 24 de outubro de 2019 às 13h39.
São Paulo — Há dois meses, o litoral nordestino está tomado de manchas de petróleo que estão se espalhando pelos principais pontos turísticos da região, como as praias de Ponta Grossa, Redoma e Jericoacoara, no Ceará, Boa Viagem, Porto de Galinhas e Praia dos Carneiros, no Recife, e a Foz do Rio São Francisco, em Sergipe.
Ao todo, as manchas já atingiram mais de 2.250 quilômetros de costa, que compreendem os nove estados nordestinos. Segundo o Ibama, esse é o maior acidente ambiental da história do litoral brasileiro em termos de extensão.
Essa é a segunda vez, em mais de dez meses de mandato, que o governo de Jair Bolsonaro enfrenta acusação de omissão e cobrança de medidas para para conter mais uma tragédia ambiental. Assim como no caso das queimadas na Amazônia, em agosto, o vazamento de petróleo tem mobilizado voluntários, redes sociais, classe política, ativistas e personalidades.
Em protesto nesta quarta-feira (23), a ONG internacional Greenpeace despejou em frente ao Palácio do Planalto uma líquido simulando o petróleo e levantou cartazes com dizeres "Brasil manchado de óleo" e "pátria queimada Brasil".
O governo federal e o Ministério do Meio Ambiente, sob gestão de Ricardo Salles, foram omissos no combate ao vazamento, de acordo com de uma Ação Civil Pública (ACP) elaborada pelos Ministérios Público dos nove estados atingidos. Eles cobram "medidas necessárias para a contenção, o recolhimento e a adequada destinação do material" e acionamento do Plano Nacional de Contingência para Incidentes de Poluição por Óleo em Águas sob Jurisdição Nacional (PNC).
Em 78 páginas, os procuradores destacam que a falta de ação desconsidera o "impacto que será sentido por décadas, com danos incalculáveis à natureza e à economia regional". A ACP, ajuizada no último dia 18, foi acatada pela justiça federal que determinou "providências imediatas" para contenção e recolhimento do óleo.
Segundo a decisão, o governo deve usar como referência o Atlas de Sensibilidade Ambiental ao Óleo do Litoral de Pernambuco e o Mapeamento Ambiental para Resposta à Emergência no Mar (Marem). Também foi determinada a colocação de barreiras de proteção para os ecossistemas mais sensíveis.
Além da reação da justiça e do MPF na última semana, os moradores da região também entraram em campo para conter os estragos. Nas últimas semanas, fotos e vídeos de voluntários recolhendo com as próprias mãos o óleo viralizaram nas redes sociais.
Grande parte dos registros mostra que a população não estava usando proteções adequadas, como macacão de corpo inteiro, máscara e botas e luvas de borracha grossa, equipamentos indispensáveis para manuseio de petróleo. A exposição social, que pode acarretar em diversos problemas de saúde ao longo dos anos, intensificou as críticas de omissão do governo.
"Sergipe foi o primeiro estado que recebeu o óleo no mar, ainda no fim de agosto, mas desde então, ainda não recebemos orientação do governo federal ou do Ministério do Meio Ambiente. O que fizemos foi articular com o Ibama de Alagoas e a Marinha, que tem uma agência fluvial aqui na região, para nos auxiliar", diz Cláudio Sampaio, oceanógrafo e professor da Universidade Federal de Alagoas (Ufal).
O especialista, que está na linha de frente das mobilizações, afirma que os efeitos negativos podem ser minimizados pelo suporte de ONGs ambientais, que fazem por exemplo a limpeza de animais petrolizados:
"Vivemos na principal área de pesca de camarão do nordeste, além de movermos a economia local com turismo. Não podemos deixar para lá, sendo que já estamos próximos da alta-temporada".
Até o último balanço da Marinha do Brasil, do dia 22 de outubro, já foram recolhidos mil toneladas do petróleo. Os resíduos têm sido direcionados para diversas finalidades, como fabricação de carvão e asfalto.
Desde a aparição das primeiras manchas de óleo, o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, demorou 41 dias para acionar o Plano Nacional de Contingência do governo federal. O documento, elaborado em 2013 para lidar com vazamentos de petróleo em águas brasileiras, designava a Marinha como “coordenadora operacional” das ações, para prosseguimento no combate às manchas.
Na prática, o ofício tratou-se de um ato formal do governo, uma vez que a Marinha já vinha atuando nas operações. O que membros do governo e especialistas no setor de meio ambiente apontam, no entanto, é que se trata de mais uma evidência de que o próprio governo desconhecia que havia um plano de contingência para lidar com esse tipo específico de situação.
O Ministério do Meio Ambiente nega que tenha havido lentidão nas respostas à tragédia e que, desde o início, todos os órgãos já estariam em ação, independentemente de o plano ter sido ou não acionado logo de início.
“A primeira atuação seria disparar ferramentas imediatas de mitigação, como retirada de óleo por sucção da superfície, uso de barragens de contenção ou de dispersante de óleo. Nada disso foi feito”, diz o biólogo Ronaldo Francini Filho, professor da Universidade Federal da Paraíba.
Para Cláudio Sampaio, da Ufal, o governo levou muito dias tentando encontrar os culpados pelo vazamento, ao invés de "apagar o incêndio primeiro". "Estamos fazendo uma ação que não é adequada: esperando o óleo chegar na praia. Esse líquido deveria ser contido no mar, mas apesar da dificuldade a operação assim seria menos danosa para o meio ambiente e para a população do que esperar chegar nas praias".
No dia 17, o Ibama anunciou que o óleo é venezuelano, mas isso não significa necessariamente que a Venezuela seja a responsável pelo vazamento. A nacionalidade do líquido fez com que o próprio presidente Bolsonaro afirmasse que o derramamento foi criminoso. No entanto, ainda não há nenhuma informação sobre o que causou o desastre ambiental.
Após a repercussão negativa das ações do governo e a exposição da sociedade aos riscos do óleo, o presidente em exercício, Hamilton Mourão, disse no último dia 21 que o Exército reforçaria as operações de limpeza. Ele reconheceu "falha na comunicação" sobre as ações tomadas.
Nesta quarta-feira (23), a Secretaria Geral da Mesa da Câmara recebeu o pedido formal de criação de Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) com foco no vazamento de óleo cru. Foram 250 assinaturas solicitando investigação por parte do Congresso.
Atendendo a pedido de deputados nordestinos, a Câmara também anunciou uma comissão externa para acompanhar o caso in loco. O ministro do Meio Ambiente deve ser ouvido em ambas as sessões.
As consequências do vazamento ainda estão em avaliação, mas especialistas apontam para o desencadeamento de desafios econômicos, sociais, biológicos e de saúde pública. A referência é da experiência do acidente do Golfo do México, que aconteceu em 2010, quando quase 5 milhões de barris de petróleo foram derramados no mar.
Para conter os estragos, será preciso que as instituições responsáveis façam o acompanhamento da costa nordestina por décadas. No caso do Golfo do México, por exemplo, equipes especializadas monitoraram o índice de contaminação dos camarões da região por meses até autorizarem novamente a pesca.
"Nos principais acidentes com vazamento da história do mundo, pesquisadores, em sua maioria das universidades, acompanharam a população, os animais marinhos e os corais para atuar com rapidez e reduzir as consequências. No Brasil, a minha preocupação é que os voluntários não estão sendo cadastrados em um banco de dados, ou seja, não será possível acompanhar essas pessoas", diz Helena Ribeiro, geógrafa e professora do Departamento de Saúde Ambiental da USP.
A especialista aponta para consequências de curto prazo devido à exposição ao petróleo, como dor de cabeça, cansaço, náusea, febre e irritação na pele, assim como sintomas psicológicos, com ansiedade, insonia e enxaqueca.
Há, ainda, os efeitos de longo prazo, como câncer e efeitos colaterais sobretudo para mulheres, porque as toxinas atingem o sistema reprodutor e pode interferir na gravidez. Os problemas podem se amplificar pelo consumo de frutos do mar contaminados.
Em um de seus artigos, que mapeou os problemas relacionados a diversos vazamentos de óleo, Helena cita também os efeitos psico-sociais, que acometem principalmente as populações nativas que vêm um risco de sua continuidade de vida. "A pesca é o alimento deles, o mar o ganha pão. Com essa perda vem a depressão, a ansiedade e as crises sociais e econômicas", afirma.