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Como a falta de defensores (também) explica a crise dos presídios

Brasil tem um defensor público para cada 967,6 mil habitantes. Déficit de profissionais nessa carreira ajuda a entender caos das prisões

Presídio no brasil; prisão (./Getty Images)

Presídio no brasil; prisão (./Getty Images)

Talita Abrantes

Talita Abrantes

Publicado em 18 de janeiro de 2017 às 06h30.

Última atualização em 21 de janeiro de 2017 às 09h54.

São Paulo – A crise dos presídios do Brasil desnuda uma série de problemas a ela relacionados, que vão desde a magnitude do poder das facções criminosas até as falhas no controle de nossas fronteiras. Mas há outro fato que também está conectado com o atual caos do sistema prisional: o déficit de defensores públicos pelo país.

Segundo levantamento do Colégio Nacional de Defensores Públicos-Gerais (Condege) feito a pedido de EXAME.com, há hoje 5.873 defensores públicos espalhados pelo país. Isso equivale a um defensor para cada 967,6 mil habitantes.

Qualquer suspeito de um crime tem direito a um advogado, segundo o Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos. No Brasil, a lei é clara: se um detento não tem condições de pagar por serviços de aconselhamento jurídico, a justiça deve garantir um defensor público ou pagar por um advogado.

No entanto, já em 2014, o Conselho de Direitos Humanos da ONU detectou que tais regras nem sempre são seguidas à risca no Brasil. Para o Condege, há uma relação clara entre esse fato e a superlotação dos presídios brasileiros.

Dos 10 estados com maior déficit de defensores, dois foram palco nos últimos dias para matança de presos: Rio Grande do Norte e Amazonas, onde há respectivamente 1 defensor para cada 64,3 mil e 37,3 mil habitantes.

“A gente sabe que determinadas comarcas que têm um acúmulo muito grande de processos, nem mesmo o juiz ou o promotor conseguem acompanhar todos os prazos processuais. O defensor público é quem deveria fazer esse acompanhamento. A ausência é um prejuízo”, afirma Ricardo Batista Sousa, presidente do Condege.

Mais presos

De acordo com o último levantamento do Ministério da Justiça sobre o sistema carcerário, o Brasil operava, em dezembro de 2014,  com uma taxa de ocupação de 67% acima de sua capacidade máxima. Faltavam 250 mil vagas para dar conta do crescente número de presos no país.

Curiosamente, a quantidade de presos provisórios (que ainda não tinham sido julgados) naquele momento era equivalente ao tamanho do déficit de vagas no sistema prisional: exatamente 249.668 detentos estavam nessa situação.

Em 2014, um quarto dos presos provisórios estavam detidos por mais de 90 dias sem ter passado por julgamento. “Da mesma forma que o preso provisório fica mais tempo do que deveria respondendo o processo, os presos sentenciados ficam além do prazo necessário recolhidos quando poderiam ter sido progredidos para outros regimes”, diz Souza.

Em seis dos 10 estados onde o déficit de defensores públicos é maior, metade dos presos não tinham sido julgados em dezembro de 2014. No Amazonas, onde ocorreu o mais sangrento massacre em presídios nos últimos dias, a proporção naquele ano era de 62% de presos provisórios. Em Roraima, onde 33 morreram, de 52,7%. Já no Rio Grande do Norte, eram 33% nessas condições.

Na falta de um defensor público e diante de um réu sem condições financeiras, o Estado deve arcar com os custos de um advogado dativo. "Há uma distorção no sistema porque o defensor público vai ser responsável por todo o trabalho. O advogado dativo é remunerado por ato processual. No final das contas, acaba sendo mais caro do que pagar um defensor", afirma o presidente do Condege.

Além disso, o trabalho da defensoria vai além dos tribunais. “O defensor público ajuda na fiscalização dos direitos do preso. Quando você não tem essa orientação aos internos, a tendência é o nível de insatisfação crescer”, afirma.

“A defensoria pública ajuda a fiscalizar as condições de insalubridade, se há violência, tortura, facções e guerras. Com o defensor público presente, ele serve de informação para o sistema de inteligência, mas também para acalmar os internos”.

Nesta quarta-feira, os defensores públicos federais e estaduais se reúnem com o ministro da Justiça, Alexandre de Moraes, para discutir a implantação de mutirões carcerários permanentes em todo o país.

A ideia é replicar em todas as unidades da federação a experiência da força-tarefa que, desde a semana passada,  faz um pente fino no sistema prisional do Amazonas com vistas a mitigar distorções nos processos contra detentos no estado.

Déficit da Defensoria Pública

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