Jair Bolsonaro: projeto de lei está na pauta do plenário da Câmara e deve começar a ser discutido nesta semana (Ueslei Marcelino/Reuters)
Estadão Conteúdo
Publicado em 26 de agosto de 2019 às 12h24.
Última atualização em 26 de agosto de 2019 às 12h28.
Com a escalada de um discurso armamentista por parte do governo Jair Bolsonaro, o número de emissões de registros para colecionadores, atiradores desportivos e caçadores (CACs) cresceu 42% entre janeiro e maio deste ano. No primeiro mês, o Exército concedeu 3,8 mil registros para as categorias e, em maio, o número chegou a 5,4 mil, totalizando 18,5 mil registros neste período. O número equivale a 39,4% de todos os registros concedidos em 2018 e a 56,2% dos registros de 2017. Os dados foram informados ao Estadão/Broadcast pelo Exército.
O número de registros concedidos pelo Exército representa apenas a quantidade de pessoas que ingressaram nos CACs. A entidade não informou quantos pedidos foram negados neste período. Atualmente existem quase 900 clubes de tiro em todo o País. Eles são registrados junto ao Exército e regulados por portarias e instruções técnico-administrativas do Comando Logístico. O comando da 5ª região (que abarca os Estados de Santa Catarina e Paraná) é o que concentra mais clubes, 195.
Em maio, Bolsonaro editou um decreto que facilitou o porte de arma e o acesso a munições para os CACs. Mas no fim de junho, o presidente revogou o texto e outros dois, também sobre armas, e enviou ao Congresso um projeto de lei para tratar de registro, posse e comercialização de armas de fogo e munição e também sobre o Sistema Nacional de Armas (Sinarm). O relatório, porém, resgata a regulação dos CACs.
O relator do projeto de lei que regulamenta a posse e o porte de armas, deputado federal Alexandre Leite (DEM-SP), avalia que o aumento foi causado pelo discurso do governo favorável à liberação das armas e pelas dificuldades impostas pela legislação vigente até a edição dos decretos de Bolsonaro sobre o tema. A Polícia Federal, por exemplo, exigia a comprovação de efetiva necessidade para se ter a posse de uma arma de fogo.
"A PF sempre foi muito restritiva, tanto em relação ao porte quanto à posse também. Hoje com o decreto, autoriza, mas o único meio que as pessoas tinham para ter o deferimento era pelo CR (concessão de registro) de atirador desportivo. Então, as pessoas estavam recorrendo ao Exército para se cadastrar como atirador e poder ter uma arma de fogo em casa quando, na verdade elas não estavam praticando tiro esportivo", disse Leite para a reportagem.
Atirador desportivo desde a adolescência e competidor, Alexandre Leite avalia que a edição dos decretos provocou uma corrida pela compra de armas no País. O parlamentar conta que, para os atiradores desportivos, porém, essa busca teve uma consequência negativa: as pessoas começaram a usar estes registros como subterfúgios para conseguir o porte de armas e o número de ocorrências envolvendo irregularidades de integrantes da categoria aumentou nos últimos meses. A PF não informou os números.
"Qualquer ocorrência que envolva o CAC é ruim para todos. Os CACs sempre foram categorias bem restritas porque são pessoas que têm quantidade elevada de armas. Participamos de competições consumimos muita munição, mais do que departamentos inteiros de polícia sozinhos. É uma categoria diferenciada porque o tratamento é diferenciado. Então, essas pessoas tentam se inserir nesse meio como subterfúgio para obter uma arma de fogo quando elas deveriam procurar a Polícia Federal e requisitar a posse", disse o deputado.
De acordo com ele, o problema aumentou em virtude da divulgação feita pelo próprio governo. "Com o Bolsonaro fazendo essa propaganda, convidando todo mundo a virar CAC, o padrão de qualidade começou a cair. A gente já tinha a figura do porte de trânsito, que é do acervo para o local de treino ou competição. Para nós isso sempre foi muito claro. Quando essas pessoas que não têm esse conhecimento e querem ter um porte para defesa entram nesse sistema, elas são levadas a um engano. Acham que podem transportar para o trabalho, por exemplo, usam como subterfúgio e acabam sendo pegas. E a gente não quer isso como CAC", disse.
Leite incluiu em seu parecer mudanças para garantir que apenas interessados realmente em praticar tiro desportivo ingressem com pedidos de registro para CAC. O relatório passa a exigir dois anos de CR e, no mínimo, duas armas para, então, poder pedir o porte de CAC.
O projeto de lei está na pauta do plenário da Câmara e deve começar a ser discutido nesta semana. O relatório determina que a idade para a posse é de 21 anos, incluindo os CACs, e para o porte, 25 anos. Uma das mudanças incluídas por Leite em relação à posse é que, agora, os delegados da Polícia Federal, responsáveis por conceder este registro, terão que justificar eventuais negativas com base em critérios que estão sendo elaborados.
O relatório também retoma a comprovação da "efetiva necessidade" da forma como está prevista no Estatuto do Desarmamento. O texto do governo retirava este trecho por considerá-lo subjetivo.
Com o aquecimento do mercado bélico no País, um emprego que tem merecido destaque neste ramo é o de armeiro, profissional credenciado na Polícia Federal que se dedica ao ofício de consertar e fazer retoques em armas. No site da PF, constam quase 300 armeiros habilitados a fazer esses serviços, dentre eles Sandro Cândido Severo, de 44 anos.
Morador do Recanto das Emas, cidade do Distrito Federal, ele conta que passou por um rigoroso processo de seleção até conseguir a habilitação para trabalhar com o conserto de armas. "Tem de ter conhecimento técnico e muita responsabilidade. Além de apresentar a documentação necessária e passar nas três etapas da seleção", afirma ele, que é armeiro desde 2002.
Empolgado com as propostas do atual governo, de flexibilizar o porte e a posse de arma de fogo para parcela da população, Severo espera que a procura de clientes deve aumentar nos próximos meses. "Quando um cliente compra uma arma ela vem com garantia. Então o serviço que procuram muito é de customização", diz ele, que explica que esse tipo de serviço custa em média entre R$ 600 e 3 mil.
A expectativa de Severo é que, até o final do governo, Bolsonaro consiga aprovar uma lei que possibilite a posse e o porte de arma para qualquer brasileiro que não ofereça riscos. "Sou a favor da arma com segurança, do porte e da posse, para o cidadão de bem."