Coe: a revolução Britânica (e suas lições)
O ídolo britânico Sebastian Coe mudou a história do esporte no país dentro e fora das pistas
Gian Kojikovski
Publicado em 1 de agosto de 2016 às 13h23.
Última atualização em 22 de junho de 2017 às 18h31.
O britânico Sebastian Coe, 59, costuma dizer que “na escola, se você tem um nome como Sebastian, ou aprende a lutar, ou a correr”. Sebastian não é um nome exatamente popular no Reino Unido. Coe aprendeu a correr e se tornou bicampeão Olímpico dos 1.500 metros nas Olimpíadas de Moscou, em 1980, e Los Angeles, em 1984 – até hoje o único a conseguir vencer essa prova em duas edições seguidas dos jogos. Nas mesmas Olimpíadas, Coe foi prata nos 800 metros. Na segunda delas, perdeu o ouro nas últimas passadas para o brasileiro Joaquim Cruz. Ele bateu o recorde mundial em 12 oportunidades durante sua carreira.
Hoje, Coe é o atual presidente da Associação Olímpica Britânica (BOA, na sigla em inglês) e da Federação Internacional de Atletismo. Ele já está no Rio para os Jogos de 2016. Por aqui, além de seus afazeres, será um dos principais porta-vozes sobre os benefícios do esporte não só para os atletas, mas para a saúde dos países, e para o futuro das cidades. Essa tem sido sua missão há 25 anos – e poucos gestores revolucionaram o esporte de um país como ele conseguiu fazer.
Depois de se aposentar, em 1990, Coe passou a correr na política. Tornou-se membro do parlamento britânico em 1992 pelo Partido Conservador. Mais tarde, foi chefe de gabinete do líder da oposição ao governo de Tony Blair, William Hague. Em 2001, Coe voltou seus esforços para o empreendedorismo – junto com o ex-chefe, criou a empresa de relações públicas e consultoria The Leisure Group – e para a administração esportiva, de onde nunca esteve totalmente afastado.
Tomou assento no conselho da Federação Internacional de Atletismo (IAAF, na sigla em inglês) e passou a ajudar a candidatura de Londres para os Jogos Olímpicos de 2012. Em 2004, depois que a presidente do comitê de candidatura, a empresária Barbara Cassani, renunciou ao cargo, virou o principal responsável por trazer os jogos para a capital da Inglaterra. A tarefa não era fácil. Londres estava cotada em terceiro lugar, atrás de Madri e Paris, a grande favorita.
Nessa época, com quase cinquenta anos, Coe ainda corria maratonas com um tempo abaixo de três horas, além de treinar judô com Hague desde os tempos em que trabalhavam juntos. Em uma campanha que durou pouco mais de um ano, trabalhou voto a voto para reverter o favoritismo de franceses e espanhóis. Prometeu que o principal legado do Jogos para Londres seriam as mudanças urbanas e mostrou que isso seria possível para os avaliadores do Comitê, que gostaram do que viram nas visitas técnicas. O trabalho fez a sorte de Coe mudar.
No dia da votação, em outubro de 2005, fez um discurso emocionado, contando que começou sua carreira de atleta ao assistir dois compatriotas ganharem medalhas olímpicas. O discurso foi classificado como fantástico pelo então presidente do Comitê Olímpico Internacional, Jacques Rogge. Em votação final apertada, Londres venceu Paris por 54 votos a 50. A partir daí, Coe se tornou presidente do Comitê Organizador Local dos Jogos.
Os reflexos no esporte
O Reino Unido havia sido escolhido como sede olímpica, mas as coisas não estavam tão bem como se esperava pelo lado esportivo. O país tentava se reconstruir depois de alguns jogos péssimos. Em 1996, o desempenho nos Jogos Olímpicos de Atlanta, nos Estados Unidos, foi pífio. O país, que havia conseguido cinco ouros por participação nas quatro edições anteriores, subiu ao lugar mais alto do pódio somente uma vez, no remo. Como era de se esperar, a imprensa britânica tentou buscar respostas e a BOA teve que se explicar.
Mais ou menos o que acontece no Brasil depois de cada Olimpíada. A diferença é que, no Reino Unido, as coisas começaram a mudar a partir da edição seguinte dos jogos, em 2000, e ganharam uma força impressionante depois que o país foi escolhido sede das Olimpíadas de 2012.
Nos jogos de 2008, na China, o Reino Unido conquistou 19 medalhas de ouro, dez a mais do que em 2004, em Atenas. No total, foram 47, ante 30 na edição anterior, ficando em quarto lugar geral no quadro de medalhas. Mas o melhor estava por vir, e em casa. Nas Olimpíadas de Londres, os britânicos chegaram a 29 ouros e 65 medalhas no total, ficando com o terceiro lugar geral. O melhor desempenho desde 1908, quando as Olimpíadas também foram realizadas na cidade.
Além de Coe, outros dois nomes foram responsáveis por essa revolução no esporte olímpico britânico: Colin Moynihan, ou o Barão Moynihan, que também é medalhista olímpico e presidiu a BOA entre 2005 e 2012 e Craig Reedie, outro ex-esportista, jogador de badminton, que ficou no cargo entre 1993 e 2005. Os três trouxeram a experiência e determinação de dentro de quadra para os escritórios.
Sob a gestão deles, a partir de 2002, foram 15 centros de excelência espalhados pelo Reino Unido. Cada um deles reúne medicina, fisioterapia, nutrição, psicologia e biometria para o esporte. Nove em cada dez medalhistas britânicos em 2012 ficaram uma temporada em algum desses centros nos seis meses que antecederam as Olimpíadas.
Em 1997, um órgão exclusivo para aplicar o dinheiro destinado ao esporte foi criado para simplificar burocracias. Além disso, os administradores do esporte britânico fizeram o que outras potências olímpicas costumam fazer, ao concentrar esforços em modalidades que rendem muitas medalhas e pelas quais seus compatriotas já têm afinidade. No caso do Reino Unido, os chamados “esportes sentados” são moda, como vela, remo, canoagem e ciclismo.
Todas as medidas deram resultado e o país deu um salto no esporte olímpico. Os números mostram que o investimento correto combinado com o fato de sediar uma Olimpíada podem mudar a história do esporte no país. A Espanha, por exemplo, vivia de desempenhos ruins, somando sempre algo em torno de cinco medalhas por edição até 1992, quando Barcelona recebeu os jogos. Naquele ano, o país teve 22 medalhas e, desde então, com exceção de uma Olimpíada, sempre ficou acima das 17 coroações.
O próximo desafio de Coe
Coe também teve que correr das polêmicas. Em 2013, O The Leisure Group foi vendido para a empresa de marketing Chime Communications, uma das principais responsáveis pelos contratos de publicidade dos Jogos Olímpicos. A imprensa criticou Coe e insinuou que o poderia haver algo errado no negócio. Na transação, ele embolsou algo em torno de 12 milhões de libras. Coe nega que as coisas tenham qualquer relação.
Em 2015, o britânico foi eleito para a presidência da IAAF, a Federação Internacional de Atletismo. Foi quando, mais uma vez, outras grandes polêmicas se colocaram pela frente. A corredora russa Yulia Stepanova e seu marido, Vitaliy Stepanov,, que trabalhava para a Agência Russa Antidoping, denunciaram um amplo esquema de doping no atletismo do país patrocinado pelo governo russo e encoberto por membros do governo e da entidade.
Coe foi eleito com o apoio do ex-presidente da entidade, Lamine Diack, que é investigado por ter ligação com o encobrimento de diversos casos de doping no esporte em troca de dinheiro e foi preso em novembro de 2014. Coe foi alertado com antecedência sobre essas acusações e nada fez. Ele também teria conhecimento sobre os casos de doping russos.
Para piorar as coisas, as primeiras declarações de Coe sobre o assunto tinham um tom corporativista. Ele chegou a dizer que as acusações visavam “manchar o meu esporte”. Depois de intensas críticas, no entanto, a federação de atletismo mudou de posição e foi a primeira a barrar atletas russos das Olimpíadas, antes mesmo da decisão do Comitê Olímpico Internacional. Com isso, Coe conseguiu melhorar um pouco o desgaste sobre sua imagem.
Coe é formado em economia e história social e um ex-colega de faculdade diz que seu sonho é se tornar primeiro-ministro. De 1.500 metros em 1.500 metros, quem sabe o ex-atleta não chegue lá.