Chikungunya poderá ter nova epidemia, alertam pesquisadores
Previsão foi feita na terceira edição do programa de TV Ciência Aberta, no dia 5 de junho, por Maurício Lacerda Nogueira
Mariana Martucci
Publicado em 25 de junho de 2018 às 12h08.
Um importante surto de chikungunya poderá ocorrer no Brasil ao longo dos próximos dois anos, com as áreas mais afetadas sendo o Nordeste e a faixa litorânea na região Sudeste.
A previsão foi feita na terceira edição do programa de TV Ciência Aberta, no dia 5 de junho, por Maurício Lacerda Nogueira, presidente da Sociedade Brasileira de Virologia, e corroborada por estudo preditivo realizado na Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo em parceria com o Instituto Butantan.
O programa, produzido pela FAPESP e Folha de S.Paulo, tratou das arboviroses, as doenças transmitidas por mosquitos. Quatro vírus veiculados pelo Aedes aegypti – dengue, chikungunya, zika e febre amarela – propagaram-se pela população brasileira em anos recentes e produziram um pico epidêmico entre 2015 e 2017.
Os estudos mostram que o máximo de ocorrência da chikungunya ainda está por ocorrer. Essa doença é grave não apenas pelo episódio agudo em si, mas também pelo fato de poder deixar, como sequela, uma artrite crônica, que eventualmente incapacita a pessoa a exercer sua atividade profissional.
Nogueira, professor na Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto (Famerp), ressaltou que o zika e a chikungunya não entraram no país trazidos pelos próprios mosquitos, mas por humanos.
“Hoje, vivemos uma situação em que todos os lugares do mundo se tornaram muito próximos. Saímos de São Paulo e, em menos de 24 horas, podemos estar no leste da Ásia. Milhões de pessoas estão indo e vindo a todo momento. E, eventualmente, algumas delas chegam doentes. No caso, chegaram trazendo vírus que encontram uma situação extraordinária para se propagar: uma população totalmente naive [“ingênua”] e um país infestado de mosquitos. Então, vivemos com o zika a ‘tempestade perfeita’. E vamos viver ainda a ‘tempestade perfeita’ de chikungunya. Podemos mitigar, mas não há nada que possamos fazer para evitar”, disse.
O pesquisador lembrou que é impossível diferenciar clinicamente a dengue, o zika e a chikungunya, pois os sintomas são muito parecidos: “São, todas elas, doenças febris agudas, parecidas com a gripe. As pessoas apresentam exantemas [vermelhidão na pele], cefaleia [dor de cabeça], mialgia [dor muscular]. Só o diagnóstico molecular permite diferenciar um caso do outro. Mas esse exame é caro. Então, temos que tratar todos os pacientes como se fosse dengue, porque dengue mata, e mata rápido – não é o caso do zika e da chikungunya”, disse.
Nogueira participou do programa ao lado dos pesquisadores Margareth Capurro e Jayme Augusto de Souza-Neto. A mediação foi feita pela jornalista Sabine Righetti.
“Convivemos há muitos anos com o Aedes aegypti e a dengue nas cidades. O que mudou nos anos recentes foi que entraram dois vírus novos: o zika e a chikungunya. E, no país, nenhum humano havia tido contato anteriormente com esses vírus. A situação era favorável para que houvesse uma explosão de ocorrências da doença e, em seguida, uma diminuição – que foi exatamente o que aconteceu”, disse Capurro, professora no Departamento de Parasitologia do Instituto de Ciências Biomédicas da Universidade de São Paulo (ICB-USP) e coordenadora do Projeto Aedes Transgênico (PAT).
No pico epidêmico de 2015 a 2017, a dengue foi a enfermidade que apresentou maior prevalência, com 2 milhões e 800 mil casos prováveis – 64% dos casos notificados em todo o continente americano. Seguiram-se a chikungunya (cerca de 292 mil casos) e a zika, com (cerca de 204 mil casos). A febre amarela, que já havia sido considerada uma doença extinta, voltou a incidir, engendrando mais de 3.190 casos, notificados entre dezembro de 2016 e maio de 2017. No conjunto do país, a região Sudeste foi a mais atingida, com destaque para o Estado de São Paulo.
O surgimento ou ressurgimento dessas e de outras doenças transmitidas por mosquitos podem estar relacionados com a mudança climática global. Mas também são condicionados por variáveis sociais, como o tipo de instalação sanitária, a disponibilidade ou não de água canalizada e o destino do lixo. Estima-se que, no Brasil, até 75 milhões de pessoas vivam em áreas de alto risco.
Colonização e extinção
Um vídeo apresentado no programa, feito com a pesquisadora Flávia Virginio, do Instituto Butantan, informou sobre as principais características morfológicas do Aedes aegypti.
Ao contrário de outros mosquitos aparentados, ele apresenta, no dorso do tronco, um desenho em forma de lira. O verdadeiro vetor das arboviroses é a fêmea, que se alimenta de sangue, enquanto o macho se alimenta apenas com néctar de plantas. Uma característica-chave que possibilita diferenciar os dois sexos é a antena. A da fêmea é menos plumosa do que a do macho.
“Sabemos que o Aedes aegypti chegou ao Brasil na época da colonização, a bordo dos navios negreiros”, disse Capurro. “Na campanha de erradicação de malária e febre amarela, ele foi considerado extinto no país. Mas teve, posteriormente, uma reaparição ou uma segunda introdução. E sua presença tornou-se muito mais impactante devido às mudanças ocorridas no mundo, com a circulação muito maior de pessoas. O Aedes aegypti é muito adaptado ao homem. Principalmente, ele adora colocar seus ovos sobre recipientes de matéria plástica. Isso faz com que a explosão desses mosquitos seja hoje muito maior do que nos anos 1950, quando não havia tanta presença de plásticos.”
A pesquisadora acrescentou que, hoje, o mosquito pode até vir por avião, mas a quantidade que entra por navio é muito maior. “No país de origem, os mosquitos põem seus ovos nas ranhuras dos contêineres dos navios. Os ovos eclodem em alto-mar, os mosquitos que nascem picam os marinheiros e põem novos ovos nos contêineres. Quando os contêineres são desembarcados, basta uma chuva para que os mosquitos possam invadir o novo território”, disse.
Vale destacar que a picada do Aedes aegypti é quase imperceptível – muito diferente da picada muito alergênica dos mosquitos do gênero Culex, que ocorrem em todo o território brasileiro e atacam à noite.
Controlar o Aedes aegypti é um desafio enorme, como ressaltou Souza-Neto, professor no Departamento de Bioprocessos e Biotecnologia da Universidade Estadual Paulista (Unesp), em Botucatu. “São necessárias políticas públicas, engajamento da população e adoção de várias estratégias de combate: inseticidas, introdução de mosquitos transgênicos. Além disso, não basta um combate local. Porque o mosquito que é expulso de um local vai para outro, e depois volta. Diversos estudos mostram que o mesmo mosquito pode transmitir mais de um vírus na mesma picada.”
Entre as várias estratégias, é fundamental usar o próprio mosquito para combater o mosquito, como enfatizou Capurro.
“O procedimento consiste em produzir machos com espermatozoides defeituosos e liberar esses machos no ambiente. Ele vão procurar as fêmeas onde elas estiverem. E, em decorrência, as fêmeas botarão ovos inviáveis. Isso levará a uma diminuição da população de mosquitos. Conseguimos produzir, no meu laboratório, o primeiro mosquito transgênico com espermatozoides defeituosos. Nosso objetivo é tornar esse mosquito parte de um controle integrado, junto com outras estratégias de controle, inclusive a vacina contra a dengue”, disse.