Brasil

Centro de Estudos da Metrópole analisa cidades brasileiras

Evolução da qualidade da saúde e da educação básica refletiu no Índice Desenvolvimento Humano Municipal, que cresceu de 0,493 para 0,727 entre 1991 e 2010


	Sala de aula da escola improvisada na aldeia Muratu: “A desigualdade na saúde básica é menor do que a desigualdade na educação básica”, constata coordenadora do CEM
 (Germano Lüders/EXAME.com)

Sala de aula da escola improvisada na aldeia Muratu: “A desigualdade na saúde básica é menor do que a desigualdade na educação básica”, constata coordenadora do CEM (Germano Lüders/EXAME.com)

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Da Redação

Publicado em 30 de outubro de 2013 às 18h25.

A qualidade da saúde e da educação básica no Brasil registrou sensível melhora nas duas últimas décadas. Essa evolução refletiu no Índice Desenvolvimento Humano Municipal (IDHM), que cresceu de 0,493 para 0,727 entre 1991 e 2010, atingindo um patamar considerado alto na avaliação do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud), em estudo divulgado em julho de 2013.

A evolução do IDHM não foi maior porque os índices da qualidade da educação, mesmo tendo crescido, ainda ficaram extremamente baixos.

Indicadores obtidos pelo Centro de Estudos da Metrópole (CEM) em dez anos de pesquisa revelam que, enquanto os ganhos de qualidade no atendimento de saúde foram mais ou menos uniformes para o conjunto dos municípios brasileiros, na educação aprofundaram-se as disparidades.

“A desigualdade na saúde básica é menor do que a desigualdade na educação básica”, constata Marta Arretche, coordenadora do CEM, um dos Centros de Pesquisa, Inovação e Difusão (CEPIDs) apoiados pela FAPESP.

Os municípios com muitos pobres têm dificuldades para melhorar o desempenho de seus estudantes, constatou a pesquisa que avaliou, por meio de 10 indicadores, o desempenho da saúde e da educação básica de todos os municípios brasileiros ao longo da década de 2000.

“Se o desempenho da saúde básica está fracamente associado ao percentual de pobres do município, o desempenho dos sistemas municipais de educação básica tem uma associação forte e negativa com a taxa de pobreza”, ela afirma.

A pesquisa, que comparou a trajetória e o desempenho de cada um dos municípios brasileiros, deixou algumas perguntas em aberto. Já existem fortes evidências de que o modelo de universalização tem influência no desempenho de cada um dos sistemas: enquanto a saúde básica tem gestão centralizada no Sistema Único de Saúde (SUS), a educação básica é municipalizada.


“É inegável que o SUS tem uma influência muito positiva no melhor desempenho do setor”, diz Arretche. “E, dado que a universalização do ensino fundamental ocorreu por meio da municipalização, as relações entre presença de pobres e desempenho escolar afetam mais fortemente as escolas da rede municipal.”

A pesquisa sobre o desempenho dos sistemas de educação e saúde integra o portfólio de investigação desse CEPID constituído em 2000, no primeiro edital do Programa, com o objetivo de entender os processos de reprodução das desigualdades nas metrópoles e fornecer dados e subsídios para a formulação de políticas públicas.

“Os estudos do Centro foram organizados segundo três grandes eixos temáticos: atividades econômicas e mercado de trabalho; o Estado e suas políticas; e a sociabilidade dos cidadãos”, disse Eduardo Marques, professor livre-docente do Departamento de Ciência Política da Universidade de São Paulo e coordenador do CEM de 2004 a 2009.

O eixo “atividades econômicas e mercado de trabalho” englobou temas como reestruturação produtiva e competitividade, emprego e desemprego e, mais recentemente, os impactos do aumento da escolaridade da população no mercado de trabalho.

Trajetórias ocupacionais

Nesse eixo temático, uma das pesquisas foi conduzida por Nadya Guimarães, professora titular do Departamento de Sociologia da Universidade de São Paulo (USP) e diretora do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia para Estudos da Metrópole, sediado no CEM, e buscou compreender a intensa reestruturação macroeconômica e micro-organizacional ocorrida no Brasil a partir dos anos 1990.

“Em primeiro lugar, analisamos o que se passava com as trajetórias dos indivíduos no mercado de trabalho quando se contraía a atividade produtiva e se ampliava o desemprego, como ocorreu entre nós na primeira metade dos anos 2000”, contou Nadya Guimarães.

“Em parceria com a Fundação Seade [Sistema Estadual de Análise de Dados], fizemos uma pesquisa por amostra domiciliar que alcançou 55 mil indivíduos na região metropolitana de São Paulo, os quais tiveram as suas trajetórias ocupacionais retraçadas desde o Plano Real [1994] até o momento da enquete [2001]”, disse a pesquisadora.


Posteriormente, uma subamostra de casos foi analisada em profundidade e acompanhada entre os anos 2002 e 2005, de modo a explorar como esses indivíduos interpretavam a sua experiência de busca por oportunidades no mercado de trabalho.

Para melhor entender a especificidade de São Paulo, os pesquisadores conduziram estudo similar, em parceria com colegas japoneses e franceses, nas regiões metropolitanas de Tóquio e de Paris.

Tais metrópoles estavam igualmente sujeitas a mudanças importantes nas condições de acesso ao trabalho e ao crescente risco de desemprego, mas se distinguiam do caso brasileiro pela robustez dos seus sistemas políticos de proteção – público, no caso francês, e privado, no caso japonês.

“Observamos que, em São Paulo, as trajetórias eram marcadas por intensas transições entre ocupação, desemprego e inatividade, dando lugar a percursos ocupacionais erráticos, movidos pela premência de obter, a qualquer custo, a sobrevivência imediata”, disse Nadya Guimarães.

“Isso refletia a natureza restrita das políticas de proteção aos desempregados, tanto no que respeitava à sua capacidade de incluir os potenciais demandantes, quanto no que concernia aos benefícios como o seguro- desemprego ou o sistema público de apoio à requalificação, intermediação e colocação de mão de obra”, acrescentou.

A pesquisa constatou que eram as redes pessoais de sociabilidade os mecanismos pelos quais os indivíduos procuravam e encontravam não apenas o trabalho, mas também o suporte imediato para encarar o desemprego ou a inatividade.

“Na região metropolitana de São Paulo, onde 8 em cada 10 entrevistados afirmaram procurar trabalho por meio de seus familiares, amigos e conhecidos, e 7 em cada 10 diziam ter encontrado o seu último trabalho recorrendo a redes pessoais, eram esses mecanismos informais os mais eficazes para ultrapassar o desemprego. Mas nossos dados mostraram também que as oportunidades de emprego criadas nesses circuitos de sociabilidade eram de baixa qualidade e menor durabilidade”, prosseguiu a pesquisadora.

Estudos comparativos evidenciaram que tal característica era recorrente nas demais metrópoles brasileiras, porém, em intensidade variável, sendo tanto mais relevante quanto mais precários e pouco formalizados eram os mercados – assim, era mais eficaz no Nordeste (notadamente em Recife e Salvador) do que no Sudeste e no Sul (em especial, Porto Alegre).


Intermediação de trabalho vira atividade emergente

Em um segundo momento, os pesquisadores analisaram a reconfiguração das relações de trabalho no Brasil, na segunda metade dos anos 2000.

“Observamos, pela análise de estatísticas do Ministério do Trabalho e do Emprego (RAIS-Migra), que, quando se ampliaram os empregos formais no Brasil, havia crescido muito mais rapidamente um tipo especial de emprego com carteira assinada: aquele propiciado pelo que denominamos 'intermediadores de oportunidades de trabalho', como as agências de emprego ou as empresas de trabalho temporário”, informou Nadya Guimarães.

“Em um mercado caracterizado pela força das redes pessoais de sociabilidade, cresciam, e de modo acelerado, os mecanismos mercantis que ligavam os indivíduos que procuravam empregos aos postos de trabalho disponíveis”, disse a pesquisadora.

Um novo levantamento amostral, com cerca de 1.600 casos, entre trabalhadores à procura de emprego em agências da região metropolitana de São Paulo no ano de 2004 revelou que se tratava de uma força de trabalho mais jovem, crescentemente feminina e mais escolarizada, que se encontrava em busca, no mais das vezes, de seu primeiro emprego.

“A maioria deles encontrava, por meio dos intermediários, o seu primeiro posto formalmente registrado de trabalho. Mas os vínculos eram de muito pequena duração e os ganhos salariais eram muito menores do que aqueles experimentados pelo salário mínimo no pós 2005”, disse Nadya Guimarães.

Por outro lado, as empresas dedicadas à intermediação de trabalho haviam se transformado em um poderoso segmento da atividade econômica, organicamente integrado aos que contratavam os seus serviços, como os pesquisadores puderam verificar utilizando a Pesquisa da Atividade Econômica Paulista.

“Mais do que isso”, sublinhou Nadya Guimarães, “nesse ramo de atividade, o Brasil se destacava entre os países líderes no cenário internacional do trabalho intermediado. Exploramos estatísticas comparativas internacionais para os anos 2008 a 2010 e vimos que o Brasil ombreava com países reconhecidos no mundo do trabalho intermediado e temporário, como Japão, Inglaterra, Espanha, Holanda e Estados Unidos, tanto pelo número de agências de emprego e pelo número de trabalhadores intermediados como por sua participação na receita gerada pelo setor em escala internacional. Ou seja, no mesmo movimento de crescimento econômico pelo qual o emprego se ampliava, as relações de trabalho pareciam progressivamente se reconfigurar, diversificando-se pari passu com a dinâmica econômica.”

Leia mais sobre o Centro de Estudos da Metrópole: Educação, desigualdade e sistema de cotas e Uma sociedade com 12,4 milhões de favelados.

Mais informações: http://cepid.fapesp.br/centro/14

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