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Carioca de 26 anos leva periferia do Rio a 9 países com livro de estreia

Autor é aposta internacional da Companhia das Letras; direito da obra foi vendido para nove países em tempo recorde

Geovani Martins, autor de O Sol na Cabeça, a última aposta da Companhia das Letras (Chico Cerchiaro/Companhia das Letras/Divulgação)

Geovani Martins, autor de O Sol na Cabeça, a última aposta da Companhia das Letras (Chico Cerchiaro/Companhia das Letras/Divulgação)

Luiza Calegari

Luiza Calegari

Publicado em 11 de abril de 2018 às 06h30.

Última atualização em 11 de abril de 2018 às 06h30.

São Paulo – O Sol na Cabeça é um livro escrito das favelas no Rio de Janeiro, mas que ultrapassa as fronteiras físicas e sociais para falar sobre essa forma singular de humanidade que transita pela capital carioca em seus diversos espectros.

O escritor Geovani Martins nasceu em Bangu, morou na Rocinha e no Vidigal. Tem apenas 26 anos, e esse seu primeiro livro teve os direitos vendidos para nove países diferentes em tempo recorde para a editora, a respeitada Companhia das Letras.

O Sol na Cabeça (Cia. das Letras, 120 páginas, R$ 34,90) reúne 13 contos que foram elogiados pelo compositor Chico Buarque, pelo colunista Antonio Prata e pelo cineasta João Moreira Salles.

A temática dos contos passeia por todo o Rio de Janeiro, mas especialmente pelas favelas, dando voz ora a um menino fascinado por uma borboleta, ora a um cego que pede esmolas no transporte público, passando por estudantes universitários, crianças do morro e traficantes.

Em entrevista a EXAME, Geovani Martins fala sobre a abrangência do realismo de seus contos, suas principais influências literárias e conta dos planos para o futuro.

EXAME: O nome do livro é referência à música Trem Azul (composição de Lô Borges, sucesso na voz de Elis Regina)?

Geovani Martins: Não, não diretamente, apesar de eu gostar muito da música. Lógico que a música estava presente, mas era uma coisa mais implícita nas nossas referências de cultura, é uma expressão que ficou na nossa cabeça. O nome foi escolhido em reunião, porque eu cheguei na editora com o livro bastante adiantado, mas sem título. Até que o Ricardo, editor, sugeriu esse nome e todo mundo gostou – aliás foi o primeiro que todo mundo gostou.

Como começou a escrever?

Eu sempre li muito, desde criança tenho hábito da leitura, e à medida que fui crescendo eu fui me interessando cada vez mais. Acho que comecei a escrever com 9, 10 anos, alguns versos, coisas mais soltas, músicas. Quando eu fiquei adolescente comecei a ler mais literatura nacional, tive contato com crônicas do Carlos Drummond de Andrade, elas me impressionaram bastante, e aí comecei a escrever com regularidade.

Então foi uma coisa que aconteceu naturalmente, e eu acho que sempre escrevi para poder fotografar os momentos. Pra mim sempre foi muito de necessidade, antes de pensar em ganhar dinheiro com isso eu já escrevia uma quantidade considerável. E aí com a resposta do público às coisas que eu publicava na internet, a resposta era muito boa e me dava confiança. A partir da Flup [Festa Literária das Periferias], quando eu apresentei meus contos, eu passei a considerar essa ideia de viver do que eu escrevia.

Você considera seus contos realistas?

É um realismo imaginativo, que se permite trafegar entre outros limites do fantástico, do absurdo. A vida, ela é assim, tem coisas que acontecem que são tão inacreditáveis que só podiam ser verdade.

Meus personagens são todos baseados em pessoas reais, não em uma pessoa, mas várias. Não tem como você se inspirar em pessoas e não ir pra um lugar mágico.

Eu acho que eu faço um realismo, que é o lugar de onde eu vejo essas cenas, e acho que está mais próximo do realismo do que outros estilos, mas não é só isso.

A intenção era fazer denúncia social?

A crítica social acompanha as situações. Eu queria contar essas histórias, e determinadas histórias eu não poderia contar sem falar da polícia; e aí eu retrato da maneira como eu vi a polícia até hoje, como ouvi até hoje.

Mas são coisas que andam em paralelo com as histórias, não tinha como descolar. Eu não quis me prender nisso, eu queria que as histórias fossem para outros lugares, e a crítica viria naturalmente; foi o que acabou acontecendo.

Quem são seus autores preferidos?

Meu autor preferido é o Machado de Assis, mas também gosto muito do Jorge Amado. Com o Cortázar, aprendi muito sobre conto; Gabriel García Marquez, Graciliano Ramos, e os músicos, sou muito influenciado pelo Chico Buarque, Caetano Veloso, Racionais, Gilberto Gil, Jorge Ben Jor. São letristas que me dão ideias.

Alguma coisa já mudou com a notoriedade do lançamento do livro?

A minha vida inteira mudou. Eu me mudei no começo do ano, agora moro numa casa que meu quarto é maior do que a minha outra casa, isso é uma grande mudança. Na rotina de entrevista, de televisão, pessoas falando comigo dentro da livraria.

É difícil dizer, porque foi uma mudança muito grande. Eu meio que já esperava alguma mudança mas não tanto, não imaginava que o livro pudesse ter uma repercussão tão grande.

Quando eu comecei a escrever eu estava desempregado, minha mãe e minha namorada me apoiaram e aí a decisão já naquele momento foi não procurar outro trabalho.

Qual dos contos é o seu preferido?

Eu não tenho um preferido não, mas o que eu mais gostei de escrever, me diverti, me emocionei, o que mexe comigo até hoje é o Roleta Russa [que conta a história de um garoto fascinado pela arma do pai].

Você pretende publicar um romance depois desse livro? É sobre as UPPs no Rio?

Comecei a escrever no final do ano passado, é uma história que já vinha me acompanhando há algum tempo. É um movimento natural da minha história na literatura de buscar fazer o que eu ainda não sei.

Quando eu me inscrevi na Flup foi em contos, eu já fazia crônicas mas queria fazer algo que eu não dominasse, que eram os contos. E agora que eu terminei esse livro eu tô muito mais próximo de fazer um romance do que outro livro de contos.

É uma história que se passa entre 2011 e 2013, ambientada na Rocinha mas circulando pela cidade, que nem O Sol na Cabeça, e pretendo entregá-lo para a editora em 2020.

Não é sobre as UPPs. Ele se passa no período da instalação das UPPs, mas é mais uma desculpa pra eu poder ter um recorte daquele tempo e traçar a história daquele período; é uma das coisas que estão ali, mas não o suficiente pra dizer que o livro é sobre isso.

 

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