O mundo em livros: a maior parte dos países também leva em consideração a importância social da literatura e aplica taxas reduzidas ou garante isenção principalmente para livros impressos (Zhang Peng/LightRocket/Getty Images)
Clara Cerioni
Publicado em 16 de agosto de 2020 às 08h00.
Última atualização em 17 de agosto de 2020 às 12h53.
Desde o início da semana passada, a campanha #DefendaOLivro vem ganhando as redes sociais brasileiras. A mobilização acontece em resposta à proposta governista da reforma Tributária enviada pelo ministro da Economia, Paulo Guedes, que, entre outras medidas, prevê o retorno da cobrança de contribuição tributária de 12% em cima de livros.
No Brasil, há mais de 70 anos, desde a Constituição Federal de 1946, o produto é isento de impostos por causa de uma emenda constitucional apresentada pelo autor brasileiro de maior prestígio internacional à época, Jorge Amado. A CF de 1988 manteve o dispositivo como uma forma de incentivar a leitura e a educação e, até hoje, esse dispositivo segue sendo cláusula pétrea do texto, ou seja, que não pode ser modificado.
No entanto, essa isenção não se aplica para categorias dos tributos de contribuição, como o PIS e Cofins, que incidem sobre bens e serviços. Foi só em 2004 que o mercado editorial brasileiro conseguiu ser desonerado do pagamento desses dois tributos, que pela nova proposta do governo seriam substituídos pela Contribuição Social sobre Operações com Bens e Serviços (CBS).
No mundo, a maior parte dos países também leva em consideração a importância social da literatura e aplica taxas reduzidas ou garante isenção principalmente para livros impressos, segundo mostram levantamentos da International Publishers Association, que comparam a cobrança do IVA (Imposto sobre Valor Agregado), que também incide sobre bens e serviços, em diversos países ao redor do mundo.
Os dados mais recentes, colhidos em 134 países e divulgados no ano passado, mostram que em 53 nações (40%), os consumidores não pagam nenhum valor de IVA no preço final dos livros, ante 49 países (37%) que aplicam taxas reduzidas do tributo.
Já em outras 32 nações (24%), o imposto é aplicado normalmente, com destaque para a Dinamarca que tem a taxa mais alta, de 25% de alíquota. De todas as regiões do mundo, a América Latina é a única em que praticamente todos os países, com exceção do Chile, não cobram nenhum imposto que incide sobre bens e serviços.
Enquanto isso, países da Europa e da Ásia são maioria na categoria de cobrar IVA reduzido para o produto. No levantamento, os Estados Unidos ficaram de fora, uma vez que cada um dos 51 estados americanos aplica diferentes impostos sobre literatura.
"O livro não é uma commodity como qualquer outra: é um ativo estratégico para a economia criativa, que facilita a mobilidade social assim como o crescimento pessoal e traz a médio prazo benefícios sociais, culturais e econômicos para a sociedade", escreve a International Publishers Association em seu relatório.
Para a organização, qualquer aumento no custo, por menor que seja, "afeta o consumo e, em consequência, os investimentos em novos títulos. A imunidade é uma forma de encorajar a leitura e promover os benefícios de uma educação de longo prazo".
A iminência da alta no preço de livros gerou reações de editoras — que há anos no Brasil vêm agonizando com perdas de faturamento —, escritores e parlamentares contra a proposta. A avaliação geral é de que a isenção de impostos para livros não deveria ser questionável, uma vez que o produto é um disseminador de conhecimento.
Apesar de uma alta de 6% no ano passado, o mercado editorial encolheu 20% entre 2006 e 2019 de acordo com a pesquisa Produção e Vendas do Setor Editorial Brasileiro, coordenada pela CBL e pelo Snel e apurada pela Nielsen Book.
Por causa desse cenário e com a iminência do retorno da taxação do produto, o mercado editorial brasileiro lançou no início do mês de agosto o manifesto "Em Defesa do Livro".
O documento foi assinado pela Associação Brasileira de Editores de Livros Escolares (Abrelivros), Câmara Brasileira do Livro (CBL), Sindicato Nacional dos Editores de Livros (Snel) e outras entidades do mercado editorial.
Eles afirmam que "está na tradição da formulação das leis brasileiras e na história das decisões jurídicas, bem fundamentadas e analisadas em vários períodos diferentes da nossa história, que o livro é disseminador de conhecimento em lato senso, e que deve contribuir para o combate à desigualdade de formação da população brasileira."
Os efeitos dessa proposta, de acordo com Marcos da Veiga Pereira presidente do Snel, são claros: "Seria desastroso para a indústria, um retrocesso grande. É uma conquista de quase 75 anos. Caímos em um casuísmo ou uma tecnicalidade, que é o fato de você ter uma contribuição, e não um imposto, sendo que a base de tributação é mesma, a venda de livros", disse.
No Congresso, a proposta vem enfrentando resistência e talvez não vingue. De acordo com o senador Flávio Arns (Rede-PR), a cobrança de tributos em cima de livros deve ser retirada da reforma Tributária.
Ele ressaltou que, com o avanço da internet e dos livros virtuais, os editores já estão tendo muitas perdas, tendo que se adaptar "com dificuldade a esses novos tempos". "Tributar os livros impressos seria, então, um golpe ainda maior nessa área, que é tão importante, pois nela folheamos a própria cultura".
(Com informações do Estadão Conteúdo e da Agência Senado)