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Brasil busca novo modelo pela crise e descrença na políca

Pesquisas recentes mostram que menos de um terço do país acredita na democracia, apenas um quarto se identifica com algum partido


	Protestos: o Brasil enfrenta não só um desafio econômico de proporções históricas, mas também uma crise de identidade política
 (Miguel Schincariol / AFP)

Protestos: o Brasil enfrenta não só um desafio econômico de proporções históricas, mas também uma crise de identidade política (Miguel Schincariol / AFP)

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Da Redação

Publicado em 29 de setembro de 2016 às 18h54.

Brasília - Luciano Pacheco, de 42 anos, chaveiro em Brasília, chegou a ser simpatizante fervoroso do Partido dos Trabalhadores (PT). Mas ele começou a ficar desencantado bem antes de o partido ser destituído, após 13 anos no poder.

Hoje, Pacheco diz não se imaginar apoiando nenhum candidato ou grupo político.

“Eles só pensam neles mesmos", disse, sobre os políticos brasileiros. “A população foi abandonada.”

O Brasil enfrenta não só um desafio econômico de proporções históricas, mas também algo mais profundo: uma crise de identidade política.

Pesquisas recentes mostram que menos de um terço do país acredita na democracia, apenas um quarto se identifica com algum partido e um em cada quatro jovens está desempregado.

Predomina certa letargia entre os brasileiros, que ainda estão processando o impeachment da última presidente eleita, o indiciamento do antecessor dela sob acusação de corrupção e o colapso da economia.

A Petrobras, antes motivo de orgulho nacional, foi mutilada pela corrupção e pelo acúmulo de dívidas. Muitos brasileiros não apenas têm dificuldades para pagar as contas, mas também perderam a fé no sistema político e desconfiam do presidente, que tenta reduzir o tamanho de um Estado difícil de governar.

“A centro-direita não possui uma agenda capaz de acalmar a opinião pública”, disse Marcos Troyjo, professor brasileiro da Universidade Columbia. “Não existe uma identidade ideológica clara atualmente.”

A maioria dos candidatos do PT na disputa pelas eleições municipais deste domingo estão deixando de lado a tradicional cor vermelha e o símbolo da estrela no material de campanha.

No campo da direita, poucos candidatos importantes querem ser associados ao Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB), do presidente Michel Temer.

O candidato a prefeito do Rio de Janeiro mal menciona o presidente, segundo o cientista político Maurício Santoro. Em vez disso, prefere vincular sua imagem ao atual prefeito, Eduardo Paes, que supervisionou a Olimpíada. Temer não fez campanha para nenhum candidato.

Isso gera ainda mais pressão para que Temer revitalize a maior economia da América Latina até o fim do mandato de dois anos que acaba de iniciar.

Ele planeja vender ativos estatais e cortar benefícios para reduzir o déficit orçamentário, atualmente em 10 por cento do PIB, mesmo nível da Espanha no auge da crise da dívida do país do sul da Europa.

Mas há muitas pedras no caminho: falta de mandato popular, rígidas restrições constitucionais aos gastos públicos e um Congresso pluripartidário e fragmentado, dominado por escândalos de corrupção.

Temer diz que o fato de não buscar a reeleição em 2018 lhe dá liberdade para implementar reformas duras, como a redução das aposentadorias e a desregulamentação do mercado de trabalho.

Se ele fracassar, isso poderá gerar uma turbulência ainda mais profunda, frustrando ao mesmo tempo mercados financeiros e eleitores. Críticos que simpatizam com sua agenda dizem que ele já está vacilando.

“Se forem aprofundadas a dificuldade econômica e esse desencanto com a política, os candidatos que terão chance em 2018 não serão nenhum desses candidatos postos como políticos de carreira”, disse, em entrevista, o senador Romero Jucá, um dos aliados mais próximos de Temer. “Serão outsiders, bravateiros.”

Temer apostou boa parte de sua credibilidade na aprovação, pelo Congresso, de uma emenda constitucional para interromper pelos próximos 20 anos o aumento dos gastos públicos em termos reais. Os gastos futuros do governo seriam limitados à taxa do ano anterior ajustada pela inflação.

Embora esse projeto seja difícil de vender, os cortes de aposentadorias que buscará implementar em seguida podem provocar reação popular ainda maior.

Assessores de Temer dizem que ele está ciente da corda bamba na qual caminha para tentar agradar investidores ansiosos por uma reforma tributária e ao mesmo tempo tranquilizar um eleitorado desiludido e assolado por problemas econômicos.

"Convenhamos, é muito desagradável imaginar que um governo seja, se me permite a expressão forte, tão idiota que chegue ao poder para restringir direitos de trabalhadores e acabar com a saúde e a educação”, disse Temer, em 14 de setembro, acrescentando que não pretende dividir o país.

Entre os simpatizantes da esquerda, porém, há pouco respaldo aos apelos de Temer por unidade e por um exame de consciência.

Eles argumentam que o mandato do PT foi interrompido não por uma derrota nas urnas pela batalha de ideias, mas porque o partido foi injustamente cassado em um golpe inconstitucional quando a presidente Dilma Rousseff sofreu o impeachment.

“Temos que ir na contramão do que estão fazendo”, disse o senador Paulo Paim, do PT, sobre o governo. “Precisamos fazer um discurso que apaixone para enfrentar o discurso que busca destruir direitos da população.”

O que torna a agenda de aperto de cintos de Temer especialmente difícil de vender é que muitas das 40 milhões de pessoas que deixaram a pobreza durante a década do boom das commodities, que terminou em torno de 2012, estão vendo desaparecer os símbolos da vida de classe média, como carro, casa e acesso à universidade.

Cerca de uma em cada quatro famílias tem alguma dívida vencida, segundo a Confederação Nacional do Comércio.

As reformas planejadas por Temer poderiam exigir uma escolha entre 10 anos adicionais de trabalho ou a corrosão dos benefícios trabalhistas, o que pode gerar amplo sentimento de rejeição, diz Mauro Paulino, diretor-executivo do Instituto Datafolha.

“A classe média intermediária que começou a saborear benefícios está sentindo o gosto amargo de perder esses benefícios”, disse Paulino, em entrevista.

“Se o poder de compra continuar baixando e o desemprego subindo, não há propaganda capaz de segurar a revolta.”

Boa parte do estado de bem-estar social do Brasil remete aos anos 1940 e ao governo do presidente Getúlio Vargas. Benefícios detalhados estão na Constituição, incluindo a proibição de cortar salários ou de demitir servidores públicos.

Os trabalhadores rurais têm pensões garantidas apesar de contribuírem pouco ou nada para o sistema.

“A Constituição prevê muitos direitos e poucas obrigações”, disse o senador e ex-ministro da Educação Cristovam Buarque. “A Grécia precisou reduzir salários. Duvido que a gente consiga, sem uma revolução, mudar a Constituição para permitir redução de salários.”

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