Bolsonaro: presidente se nega a mostrar exames realizados para saber se contraiu a doença (Ueslei Marcelino/Reuters)
Clara Cerioni
Publicado em 8 de maio de 2020 às 10h44.
O presidente Jair Bolsonaro disse na noite desta quinta-feira, 7, que só divulgará os resultados de seus exames de covid-19 se perder o processo em última instância. "Se perdermos na última instância, (mostro os exames) sem problema", afirmou na saída do Palácio do Planalto.
A ação, impetrada pelo jornal O Estado de S.Paulo, pede acesso aos laudos de todos os exames realizados pelo presidente para detectar se foi infectado pelo novo coronavírus.
Até agora, a Justiça Federal de São Paulo e o Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF-3) já garantiram ao jornal o direito de ter acesso aos exames por conta do interesse público sobre a saúde do presidente da República.
Em parecer encaminhado ao TRF-3, o Ministério Público Federal (MPF) defendeu o acesso aos laudos. Para o órgão, o interesse público "milita em favor do acesso à informação".
"Embora existam aspectos da vida da pessoa que exerce o cargo de presidente da República que podem ficar fora do escrutínio da sociedade, tradicionalmente a condição médica dos presidentes é de interesse geral, uma vez que pode impactar o exercício de suas relevantes funções públicas", escreveu a procuradora Geisa de Assis Rodrigues.
O presidente do Superior Tribunal de Justiça (STJ), João Otávio de Noronha, disse que o presidente Jair Bolsonaro não deve ser obrigado a entregar os laudos de todos os exames.
Em entrevista concedida ao site jurídico JOTA, Noronha afirmou que "não é republicano" exigir a divulgação dos documentos e alegou que "não é porque o cidadão se elege presidente que não tem direito a um mínimo de privacidade".
A Advocacia-Geral da União (AGU) deve recorrer nesta semana da decisão favorável ao jornal. Uma das possibilidades discutidas pelo governo é de entrar com recurso no STJ, o que pode levar o caso diretamente para o gabinete de Noronha. O próprio Noronha admitiu na entrevista que o processo pode parar com ele.
"Essa decisão poderá chegar a mim com um pedido de suspensão de segurança, então eu vou permitir para não responder. Mas é o seguinte, eu não acho que eu João Otávio tenho que mostrar meu exame para todo mundo, eu até fiz, deu negativo. Mas vem cá, o presidente tem que dizer o que ele alimenta, se é A+, B+, O-? Há um mínimo de intimidade a ser preservada", disse Noronha.
Na avaliação do presidente do STJ, o cargo público "não pode querer entrar nas entranhas da pessoa que o exerce". "Não é nada republicano querer exigir que o presidente dê os seus exames. Outra coisa, já perdeu até a atualidade, se olhar, não sei como está lá, o que adianta saber se o presidente teve ou não coronavírus se foi lá atrás os exames?", questionou o ministro.
"Ele (Bolsonaro) está andando pra lá e pra cá e está imunizado, é uma questão a ser discutida com calma, mas acho que há um limite interferir na vida do cidadão, não é porque ele é presidente da República, que ele é presidente do Supremo, do STJ que ele tem que estar publicando seu exame de sangue todo dia."
Para o presidente do STJ, "a gente precisa limitar um pouco o grau de intervenção". "Não é porque o cidadão se elege presidente ou é ministro que não tem direito a um mínimo de privacidade. A gente não perde a qualidade de ser humano por exercer um cargo de relevância na República", frisou.