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Bolsonaro dispara dados falsos sobre economia, saúde e educação

Pré-candidato também utilizou números incorretos sobre segurança pública, mas acertou porcentual comprometido do Orçamento

Jair Bolsonaro: seis mentiras, uma verdade e um exagero (Marcelo Camargo/Agência Brasil/Agência Brasil)

Jair Bolsonaro: seis mentiras, uma verdade e um exagero (Marcelo Camargo/Agência Brasil/Agência Brasil)

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Da Redação

Publicado em 22 de maio de 2018 às 09h43.

Última atualização em 22 de maio de 2018 às 10h46.

Tradicionalmente afeito às pautas de segurança pública, Jair Bolsonaro, deputado federal e pré-candidato à Presidência pelo Partido Social Liberal (PSL), tem abordado também temas como educação, economia e saúde em entrevistas na imprensa.

No dia 11 de maio, o presidenciável falou à rádio Super Notícia, de Belo Horizonte, e destacou assuntos como a crise dos venezuelanos em Roraima, o comprometimento do Orçamento federal com despesas obrigatórias e os gastos com a dívida pública.

Apesar disso, a entrevista ganhou repercussão principalmente por conta do trecho em que Bolsonaro ironiza o relatório da CIA, revelado pelo pesquisador Matias Spektor, no qual o então presidente Ernesto Geisel autoriza o assassinato de opositores do regime militar.

“Quem nunca deu um tapa no bumbum do filho e, depois, se arrependeu?”, disse o pré-candidato quando questionado, acrescentando ainda que a revelação do relatório teria como objetivo prejudicar a sua candidatura.

O Truco – projeto de checagem de fatos da Agência Pública – verificou oito frases da entrevista de Bolsonaro para a rádio. O pré-candidato havia sido checado em abril de 2017. Além dele, outros oito políticos que pretendem disputar a Presidência já foram verificados.

Bolsonaro acertou ao falar sobre rigidez orçamentária, mas errou ao abordar questões de saúde e de educação. O deputado também utilizou dados incorretos para falar de hidrelétricas, crise de refugiados venezuelanos e violência em Roraima.

A assessoria de imprensa do parlamentar foi procurada pela reportagem, mas não se pronunciou – nem quando questionada sobre as fontes das informações usadas, nem quando informada sobre o resultado da checagem.

“[Em Roraima, com a chegada de refugiados venezuelanos], a violência multiplicou-se por quatro.”

Falso.

As solicitações de refúgio feitas por venezuelanos ao governo federal cresceram 2.073% entre 2015 e 2017, de acordo com dados do Ministério da Justiça. Nesse mesmo período agravou-se a crise econômica e política na Venezuela. Os números mais recentes disponíveis sobre criminalidade na região, no entanto, mostram que a quantidade de crimes variou muito pouco entre 2014 e 2016. Nenhum desses indicadores teve seu número quadruplicado. A afirmação de Jair Bolsonaro é falsa.

Ainda não há informações consolidadas de 2017 para Roraima, mas as mortes por crimes violentos no estado, compiladas pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública, não quadruplicaram no período entre 2014 a 2016. Na categoria “Mortes violentas intencionais” ­– que engloba a soma das vítimas de homicídio doloso, latrocínio, lesão corporal seguida de morte e mortes decorrentes de intervenções policiais em serviço e fora – foi registrada uma taxa de 15,70 crimes a cada 100 mil habitantes em 2014, de 20,17 por 100 mil em 2015 – um aumento de 28,4% em relação ao ano anterior, ou de 1,3 vezes ­– e de 19,8 por 100 mil em 2016 – último dado disponível, com queda de 1,8% em relação ao ano anterior. O número absoluto de vítimas passou de 78, em 2014, para 102, em 2015 – aumento de 30%, ou de 1,3 vezes –, e 102, em 2016.

Se forem considerados os crimes violentos letais intencionais, que englobam homicídio doloso, latrocínio e lesão corporal seguida de morte, foram registrados 76 casos em 2015 e 86 em 2016 – variação de 13,1%, ou de 1,1 vezes. Já os casos de estupro em Roraima diminuíram 15,8% em um período de três anos. Foram de 278, em 2014, para 234, em 2016.

Existem outras estatísticas de segurança pública usadas por pesquisadores para medir a violência, além do índice de mortes violentas. Dados como roubos e furtos ajudam a entender o panorama da violência em cada estado. De acordo com o Fórum de Segurança Pública, nesses indicadores os casos aumentaram 45,4%, ou 1,4 vezes. Em 2014, foram 827 crimes, enquanto em 2016 aconteceram 1.203 casos.

“A questão [de saúde] bucal é responsável por 30% dos prematuros.”

Falso.

Não é a primeira vez que o pré-candidato cita dados que associam saúde bucal a partos prematuros. Em entrevista coletiva em Manaus, Bolsonaro também apresentou como proposta de campanha o investimento em odontologia na saúde pré-natal para diminuir o número de prematuros, a mortalidade infantil e os altos custos com neonatal. De acordo com pesquisas e especialistas, não é possível estabelecer as exatas causas de prematuridade, e a saúde bucal não está nem entre os principais fatores de risco. Por isso, a afirmação foi considerada falsa.

Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), cerca de 15 milhões de crianças nascem antes de completarem 37 semanas de gestação todos os anos no mundo, configurando prematuridade. Além disso, complicações geradas pelo nascimento prematuro foram responsáveis pela morte de quase 1 milhão de bebês em 2013. No Brasil, segundo os últimos dados disponíveis no DataSUS, 317 mil partos prematuros foram realizados em 2016, 11,3% do total de partos no ano.

Para diminuir a incidência da prematuridade, a OMS lançou um guia de recomendações pré-natais e neonatais. Dentre as recomendações estão a administração antenatal de corticoides para melhorar desfechos clínicos nos prematuros e o uso do sulfato de magnésio para prevenção de complicações neurológicas no feto, entre outras coisas. O órgão também possui um documento de orientações gerais para o pré-natal. Em nenhum momento menciona-se algo sobre cuidados na saúde bucal da gestante no pré-natal.

Estudos indicam que condições odontológicas como a doença periodontal, que é uma infecção na gengiva, podem estar associadas ao parto prematuro ou de bebês com baixo peso. Mas alguns relatórios dessas pesquisas explicam que qualquer tipo de infecção, seja ela na boca – como a doença periodontal – ou em qualquer parte do corpo, leva à liberação de prostaglandinas e outras substâncias inflamatórias com atividade hormonal, que favorecem o trabalho de parto prematuro”.

A pesquisadora e obstetra da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) Giuliane Lajos, responsável pelos Estudos Multicêntricos de Investigação de Prematuridade (EMIP), explica que não é possível estabelecer causa exata para partos prematuros, apenas fatores associados. “As infecções de maior risco para a prematuridade são a urinária e vaginal”, diz.

Os EMIP avaliaram mais de 5 mil partos em 20 hospitais brasileiros no período de abril de 2011 a julho de 2012, com a ocorrência de 4.150 casos de partos prematuros. Foram constatados diversos fatores de risco para parto prematuro. Os mais comuns foram a ausência de acompanhamento pré-natal conforme recomendado, baixo ganho de peso durante a gravidez, abuso de substâncias antes e durante a gravidez, vaginose bacteriana e infecção urinária.

Também constatou-se que 17% das gestantes que tiveram parto prematuro apresentavam doença periodontal, contra 16% das gestantes com parto dentro do período ideal. O coordenador dos estudos, Renato Passini, afirma que os EMIP não tiveram tamanho amostral suficiente para avaliar esse aspecto. No entanto, ele assume que “existem, de fato, estudos demonstrando associação entre aspectos da saúde bucal com a ocorrência de partos pré-termo.”

Outra pesquisa realizada pela Coordenadoria de Serviços Sociais da Unicamp, em 2006, constatou que gestantes com quadro de doença periodontal têm risco 3,47 vezes maior de um parto prematuro e outras ocorrências perinatais. Foram acompanhadas 334 gestantes fazendo consultas pré-natais no Hospital das Clínicas da Unicamp. O estudo não garante que a doença tenha sido a causa dos partos prematuros. Outras variáveis podem ter levado à prematuridade. Para a cirurgiã dentista responsável pelo estudo, Marianna Vogt, dizer que essa infecção e outros problemas relacionados à saúde bucal representam 30% dos partos prematuros no Brasil “é muita coisa”.

Apesar de antigo, não houve no Brasil outro estudo de magnitude mais recente sobre a relação entre saúde bucal e parto prematuros, apenas revisões de literatura estrangeira. A Universidade Federal de Minas Gerais realizou uma revisão de diversos estudos que relacionam a doença ao parto prematuro e concluiu que “a doença periodontal pode ser incluída como fator de risco para o mecanismo de indução do parto prematuro de crianças de baixo peso”. Mesmo sendo um fator de risco, nenhum desses estudos estabelece uma porcentagem para a quantidade de partos prematuros causados por condições associadas à saúde bucal.

O acompanhamento pré-natal inferior ao recomendado é um fator de risco maior do que a saúde bucal. Segundo os EMIP, um terço das mulheres que tiveram partos prematuros não realizaram as consultas pré-natais conforme recomendado pela OMS. Isso representa 33% dos prematuros. Nas recomendações da OMS não estão incluídas visitas a profissionais de odontologia. Lajos, da Unicamp, explica que consultas ao dentista são recomendadas no pré-natal, mas não é o principal acompanhamento a ser feito. “A saúde bucal deve ser acompanhada em todas fases como saúde geral, durante a gestação não é diferente”, afirma.

“Hoje em dia nós temos o pior índice de educação do Brasil. Na penúltima prova do Pisa no Brasil nós ficamos nos últimos lugares entre 64 países.”

Falso.

É verdade que o Brasil ficou entre os últimos colocados na prova do Programa Internacional de Avaliação de Alunos (Pisa) nos dois últimos anos da avaliação (2015 e 2012). Porém, o país teve melhora de seu desempenho desde a primeira edição do ranking e também mostrou elevação em outros índices de educação nos últimos anos. Por isso, a afirmação do pré-candidato foi considerada falsa.

O Pisa é um teste realizado pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) a cada três anos desde 2000. A avaliação compara o desempenho de alunos de diversos países. São analisados três tipos de conhecimento (ciências, matemática e leitura) e a cada ano um deles têm o foco maior. Também são avaliadas questões como de equidade de gênero e histórico social dos estudantes.

O último relatório publicado pelo programa é de 2015. Nesse ano, de 70 países participantes, o Brasil ficou em 63º lugar em ciências (401 pontos), 59º em leitura (407 pontos), e 65º em matemática (377 pontos). Na penúltima avaliação, de 2012, os resultados foram um pouco melhores. De 65 países participantes, o Brasil ficou em 58º lugar em matemática (391 pontos), 55º lugar em leitura (410 pontos) e 59º lugar em ciências (405 pontos).

Por mais que o desempenho dos estudantes brasileiros tenha caído de 2012 para 2015, não é correto afirmar que temos o pior índice de educação no país. Os próprios resultados do Pisa indicam que a educação no Brasil melhorou de 2000 para 2015. De acordo com o último relatório, a média brasileira aumentou em todas as áreas do conhecimento desde a primeira aplicação do exame. Em ciências, de 2006 a 2015, e em leitura, de 2000 para 2015, a elevação foi de aproximadamente 10 pontos, aumento considerado irrelevante estatisticamente. Já em matemática, apesar do recuo de 11 pontos de 2012 para 2015, a média aumentou 21 pontos de 2003 para o último ano da prova.

Comparativamente também, o desempenho do Brasil no Pisa não é o pior registrado. Na primeira edição da avaliação, o país ficou em último lugar nos três conhecimentos avaliados – 31º lugar de 31 países. Nos últimos anos, os resultados estão entre os 10% piores.

Outros indicadores também mostram que a educação no Brasil melhorou nos últimos anos. De acordo com o estudo “Um olhar sobre a educação”, publicado pela OCDE em 2016, o Brasil teve aumento do investimento em educação entre 2005 e 2014 – cerca de 1 ponto percentual do Produto Interno Bruto (PIB), enquanto a média dos países avaliados foi de 0,2 ponto.

Estudos internos realizados no Brasil também indicam melhora no ensino nas últimas décadas. O relatório Indicadores Nacionais de Desenvolvimento Brasileiro de 2001-2012, mostra que no período, a taxa de frequência ao ensino básico aumentou em todas as faixas etárias avaliadas. A taxas de permanência no estudo também cresceu, a de analfabetismo diminui e a média de anos de estudo para pessoas de 25 a 30 anos foi de 7,4 para 9,9 nesse intervalo de tempo.

O Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) também mostrou evolução na educação brasileira, apesar de nem todas as metas terem sido atingidas. O indicador é calculado a partir das taxas de aprovação dos estudantes e desempenho em exames nacionais. De 2005 a 2015, o índice foi de 3,8 para 5,5 pontos para alunos dos anos iniciais do ensino fundamental, de 3,5 para 4,5 para anos finais do ensino fundamental, e de 3,4 para 3,7 no ensino médio.

“Hoje em dia, praticamente metade do que se arrecada é para juros e rolagem de dívida.”

Falso.

À primeira vista, a afirmação parece verdadeira. Isso porque, no ano passado, o gasto com a dívida pública foi de R$ 654 bilhões, de acordo com o Plano Anual de Financiamento do Tesouro Nacional. Como a arrecadação federal foi de aproximadamente R$ 1,34 trilhão em 2017, o gasto com a dívida seria equivalente a 48% da arrecadação total. No entanto, esses recursos empregados na manutenção da dívida pública não são originários da arrecadação de impostos do governo federal. A maior parte dos recursos destinados para o pagamento da dívida é levantada pelo Tesouro Nacional por meio de operações de refinanciamento ou emissão de novos títulos, ou seja, em operações com os chamados títulos mobiliários.

Isso significa que os recursos destinados à rolagem da dívida são decorrentes de novas dívidas que o governo cria, e não do gasto de parte das receitas arrecadadas. Recursos de impostos que poderiam ser empregados em áreas como saúde, educação e segurança pública, por exemplo, não estão sendo direcionados para a dívida, como sugere a afirmação do pré-candidato. A frase de Bolsonaro é falsa.

A dívida pública é composta principalmente de títulos emitidos pelo Tesouro Nacional para cobrir o déficit orçamentário do governo federal, ou seja, de dívidas emitidas para pagar despesas que ficam acima da arrecadação com impostos e tributos. Estes débitos baseados em títulos públicos são chamados de dívida mobiliária federal. Os títulos do Tesouro Direto, que podem ser comprados por qualquer cidadão, são um exemplo de título de dívida mobiliária. Quando as operações com os títulos são feitas em reais, a dívida é classificada como interna. Quando ocorrem em moeda estrangeira, especialmente em dólar, trata-se de dívida externa.

No Relatório de Gestão Fiscal da União do 3º bimestre de 2017 do Tesouro é possível verificar que, ao somar o valor da rubrica “dívida mobiliária federal interna”, que é de aproximadamente R$ 3,43 trilhões, com a externa, que é R$ 111 bilhões, chega-se ao valor de R$ 3,5 trilhões. Já a dívida pública total, de acordo com o mesmo documento, é de R$ 5,37 trilhões. Portanto, a dívida mobiliária corresponde a aproximadamente 65% da dívida pública total.

Para o pagamento da dívida pública o governo se utiliza de duas fontes: recursos provenientes de emissões de novos títulos (ou seja, do refinanciamento da dívida mobiliária) e outras fontes financeiras vinculadas à dívida. No Orçamento de 2017, as despesas para pagamento da dívida, juros e amortização foram fixadas em R$ 1,7 trilhão. Apesar disso, o próprio orçamento definiu que 84% dessas despesas devem ser pagas com recursos provenientes de novos empréstimos.

O restante é financiado com as chamadas receitas “de não emissão”. Elas não são provenientes da cobrança de tributos, mas de bens e direitos financeiros da União, como os rendimentos de aplicações financeiras e os dividendos de empresas estatais das quais a União é acionista. Outro exemplo é o retorno de empréstimos concedidos a estados e municípios.

O uso dessas receitas no pagamento da dívida reduz a necessidade de emissão de novos títulos, ou seja, de novos empréstimos para honrar as obrigações próximas do vencimento. São, na maior parte dos casos, receitas legalmente vinculadas ao pagamento da dívida, que por força de lei precisam necessariamente ser empregadas para este fim.

Outra fonte de receita que pode ser utilizada para o pagamento da dívida é o superávit primário. O superávit ocorre apenas quando as receitas arrecadadas pelo governo federal com impostos são superiores às despesas primárias. Caso as despesas do Estado sejam maiores que as receitas primárias, ocorre um déficit primário.

Desde 2014 a União está registrando sucessivos déficits primários, como mostram os relatórios anuais de Resultado do Tesouro Nacional. Em 2017, último ano apurado, o déficit foi de R$ 124 bilhões. Quando ocorre déficit, a dívida da União aumenta, porque é preciso emitir títulos mobiliários para cobrir o rombo, para além da emissão dos títulos necessários para o refinanciamento da dívida anterior. “O abandono do superávit primário levou a uma distorção entre receita e despesa, obrigando o governo a aumentar a emissão de títulos tendo em vista também o aumento dos gastos”, explica o economista Eduardo Mekitarian, professor do departamento de economia da Faculdade Armando Álvares Penteado (Faap).

Em 2013, último ano em que foi registrado superávit primário, os recursos dessa sobra de fato foram destinados ao pagamento dos juros da dívida pública. O superávit foi de R$ 75 bilhões, apenas R$ 2 bilhões acima da meta prevista pelo Ministério da Fazenda. Em comparação com o orçamento para o ano de 2013, o superávit foi cerca de 3,5% do total. Nos anos seguintes, como não houve sobra, a dívida aumentou, e não foi empregado recurso de superávit para quitação dos débitos.

Há diversos materiais produzidos pelo próprio Tesouro Nacional que explicam o conceito de dívida pública e por que o dinheiro usado para sua manutenção não tem relação direta com investimentos em outras áreas ou com a arrecadação federal. Um exemplo é o relatório “Como o governo paga a Dívida Pública”, que é acompanhado de um vídeo educativo.

“Quando comparamos as despesas da dívida pública com os gastos de outros setores, como saúde e educação, podemos ter a falsa impressão de que os pagamentos da dívida consomem a maior parte da arrecadação de tributos”, explica o relatório.  "No entanto, as despesas com juros e amortização no orçamento terão como contrapartida, na maioria das vezes, os recursos levantados por meio da rolagem da dívida, ou seja, via refinanciamento, e os recursos oriundos de receitas financeiras.”

Também são comuns reportagens dedicadas apenas a explicar o conceito de dívida pública e os principais mitos sobre o assunto, como a publicada pela Folha de S.Paulo em dezembro de 2017, na qual são consultados especialistas em economia que debatem a validade de um gráfico feito pela organização Auditoria Cidadã da Dívida.

O grupo, que é contra o pagamento da dívida externa sem a realização de auditoria prévia, destaca na imagem a mesma comparação feita por Bolsonaro na frase selecionada. O gráfico coloca lado a lado as despesas com juros e amortização da dívida e recursos destinados a áreas como Previdência Social, saúde e segurança pública. No entanto, a figura não mostra que os recursos relacionados à dívida não provêm da arrecadação de impostos como os dedicados às outras áreas citadas.

“A média são 350 [refugiados da Venezuela] por dia que entram [em Roraima].”

Exagerado.

A afirmação de Bolsonaro é exagerada. A assessoria de imprensa do parlamentar não forneceu a fonte dos dados, mas os números se aproximam daqueles citados em uma notícia da Câmara dos Deputados publicada em 16 de fevereiro. Entre 1º e 25 de janeiro, 354,6 estrangeiros entraram por dia em Roraima somente pelo posto da Polícia Federal instalado em Pacaraima. Contudo, a reportagem não informa quantas pessoas voltaram para a Venezuela nesse período.

A assessoria de imprensa do Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados (ACNUR) disse ao Truco que não são todos os venezuelanos que pedem refúgio no Brasil. “Os venezuelanos podem entrar no país com identidade e têm permanência de 90 dias por conta de acordos com o Mercosul. Alguns também solicitam residência temporária”, informou.

Há uma diferença entre ser refugiado e imigrante. Para ganhar o status de refugiado, segundo o Ministério da Justiça, a pessoa que deixa o seu país por medo de perseguição por motivos de raça, religião, nacionalidade, grupo social, opiniões públicas ou grave violação de direitos humanos deve solicitar um termo à Polícia Federal. De acordo com o relatório “Refúgio em Números” de 2018, elaborado pelo Ministério da Justiça, somente 18 venezuelanos foram reconhecidos como refugiados pelo governo federal (4 em 2015 e 14 em 2016).

Segundo a assessoria da ACNUR, é comum a população não ter conhecimento sobre os termos, como imigração, refúgio e visto humanitário. Dessa forma, expandindo a discussão para os 17.865 venezuelanos que solicitaram o status de refugiados em 2017, cerca de 49 requerentes da Venezuela entraram no país por dia. Ainda assim, o número não se aproxima do de 350 refugiados citados por Bolsonaro.

A Polícia Federal calcula que 48.024 venezuelanos entraram em Roraima e não tiveram a sua saída registrada de 1º de janeiro de 2017 até 17 de abril deste ano. Portanto, é possível afirmar que 102 pessoas por dia ficaram no país nesse intervalo de tempo. Para descobrir quantos venezuelanos entraram e ficaram no Brasil apenas em 2018, foram subtraídos desses 48.024 os 41.755 que permaneceram por aqui ao longo do ano passado. Neste ano, 6.269 pessoas estabeleceram-se no país, ou seja, 58 por dia, em média.

“[Apesar de Roraima ser] um estado riquíssimo nas suas riquezas minerais, biodiversidade e terras agricultáveis, é um estado que nada produz, dada a questão indigenista e ambiental.”

Falso.

O presidenciável Jair Bolsonaro costuma criticar as exigências para licenciamento ambiental feitas pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) e também as restrições que existem para exploração de terras indígenas, algumas delas previstas na Constituição. Para sustentar a tese de de que essas limitações afetam o desenvolvimento de algumas regiões do país, ele afirmou que, por conta desses impedimentos, o estado de Roraima nada produz. Os dados mostram que a frase de Bolsonaro é falsa.

A produção agrícola de Roraima está longe de estar entre as maiores do país, mas não se pode afirmar que seja inexistente, de acordo com informações da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab). O relatório “Acompanhamento da Safra Brasileira – Grãos”, de maio de 2018, mostra, na página 27, que o volume superou o de outros nove estados – Acre, Alagoas, Amapá, Amazonas, Espírito Santo, Paraíba, Pernambuco, Rio de Janeiro e Rio Grande do Norte – nas safras de 2016/2017 (230,7 mil toneladas) e de 2017/2018 (270,1 mil toneladas). A produtividade também foi melhor do que a de 21 estados em 2016/2017 (4.210 quilos por hectare) e que a de 18 estados em 2017/2018 (3.903 quilos por hectare). Roraima superou outras cinco unidades da Federação em área plantada – Acre, Amazonas, Amapá, Espírito Santo e Rio de Janeiro – nas safras de 2016/2017 (54,8 mil hectares) e 2017/2018 (69,1 mil hectares).

Ainda que a produção mineral seja bem pequena na comparação com outros estados, também não pode ser considerada nula. De acordo com o Anuário Mineral Brasileiro 2018, elaborado pelo Departamento Nacional de Produção Mineral – órgão do Ministério de Minas e Energia que acompanha as atividades mineradoras do país –, o valor da produção mineral comercializada de Roraima no ano passado foi de R$ 18,2 milhões, superando o do estado do Acre (R$ 6,5 milhões). Há extração principalmente de minerais não-metálicos, usados na área de construção civil (areia, argila, basalto, cascalho, granito e laterita) e de água mineral.

“93% do Orçamento hoje é comprometido com despesas obrigatórias.”

Verdadeiro.

A frase é verdadeira. Os números apresentados pelas tabelas do Relatório Fiscal do Tesouro Nacional 2017 confirmam o diagnóstico de elevada rigidez das despesas públicas no Brasil. O documento, elaborado anualmente pelo Tesouro Nacional, apresenta diversos resultados e avalia, dentre outros aspectos, os diferentes graus de rigidez das despesas primárias.

Há indicadores e métricas para medir o grau de comprometimento das despesas orçamentárias. Quando os indicadores são agregados, eles resultam em três cenários diferentes. As despesas são classificadas dentro de cada conceito de acordo com o seu grau de rigidez, ou seja, com o nível de comprometimento de cada gasto.

As despesas que são agrupadas no conceito restrito são benefícios previdenciários e assistenciais, gastos de pessoal, abono e seguro desemprego, emendas parlamentares obrigatórias, despesas de custeio e investimentos nas áreas de saúde e educação, além de direitos individuais e coletivos como Bolsa Família, complementos necessários para o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) e recursos para compensação do Regime Geral de Previdência Social (RGPS), por exemplo.

Já o conceito ampliado considera também como despesas rígidas as obrigações assumidas pelo governo mediante contratos e convênios assinados com empresas ou consórcios.
No conceito de rigidez estendido, o mais abrangente de todos, adicionam-se ainda as despesas conhecidas como “restos a pagar”, que são obrigações assumidas em exercícios anteriores que pressionam o caixa do Tesouro Nacional porque foram empenhadas, mas não chegaram a ser liquidadas.

Em 2017, no grau de conceito ampliado, a rigidez alcança 93,7% do orçamento, número muito próximo do indicado pelo pré-candidato. “A pequena margem remanescente para abrigar as despesas não rígidas ou discricionárias (6%) torna-se ainda mais estreita quando se adiciona a concorrência dos Restos a Pagar inscritos e não cancelados na disputa por espaço na execução financeira do orçamento de cada exercício”, atesta o relatório. “Neste caso, o indicador de rigidez (Conceito Estendido) se eleva para 97,6% em 2017, tendo alcançado o maior valor da série histórica em análise.”

Publicado em março de 2018, o relatório foi utilizado como base de diversas reportagens que abordam o grau de comprometimento do orçamento nacional. O levantamento do Tesouro Nacional destaca ainda que o grau de rigidez do orçamento em 2017 atingiu os níveis mais altos desde 2001, quando tem início a série histórica.

“Você não pode ter uma hidrelétrica [em Roraima] para produzir energia para o estado.”

Falso.

Roraima é o único estado brasileiro isolado do Sistema Interligado Nacional, que garante a distribuição de eletricidade em todo o país. Para que suas necessidades sejam atendidas, compra até 200 megawatts do complexo hidrelétrico de Guri e Macaguá, na Venezuela. Usinas termelétricas também costumam ser acionadas, principalmente em casos de emergência. Isso não ocorre porque é proibido construir hidrelétricas na região, como sugere Bolsonaro, mas porque até hoje foi feita apenas uma usina desse tipo, de pequeno porte. A hidrelétrica de Jatapu, revitalizada recentemente, fornece 10 megawatts para três cidades do sul do estado.

Ainda nos governos de Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff (PT) foram definidas duas linhas de ação para resolver os problemas de abastecimento de eletricidade em Roraima. Uma delas consiste na construção de uma hidrelétrica de grande porte, enquanto a outra prevê a interligação do estado ao resto do país por meio de uma linha de transmissão. A primeira iniciativa está atrasada e a segunda, o Linhão de Tucuruí, enfrenta questionamentos por atravessar território indígena.

Muito criticado, o projeto da usina hidrelétrica de Bem-Querer está em andamento em ritmo lento, com previsão de gerar 708 megawatts. Esse volume de energia seria capaz de suprir toda a demanda do estado. A obra foi incluída na segunda etapa do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC 2), em 2011, mas está ainda nos seus estágios iniciais. A Empresa de Pesquisa Energética (EPE), ligada ao Ministério de Minas e Energia, por enquanto fez apenas duas licitações relacionadas ao projeto, para estudos das questões indígenas e ambientais.

O custo estimado da obra era de R$ 3,9 bilhões. Havia a ideia de construir mais três barragens em Paredão, o que subiria o gasto para R$ 5,5 bilhões, em valores de 2012. Isso faria a geração de energia subir para 1.050 megawatts de potência instalada. A área alagada, no entanto, seria similar à de Belo Monte, para um potencial de geração dez vezes menor. Além disso, a construção afetaria profundamente as populações locais, com grande impacto social e econômico. O projeto, contudo, até hoje não foi abandonado ou impedido, o que torna falsa a frase de Bolsonaro.

Texto publicado originalmente no site da Agência Pública.

 

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