Atos terroristas: entenda o que aconteceu em Brasília (EDISON BUENO/PHOTOPRESS/ESTADÃO CONTEÚDO/Reprodução)
Agência O Globo
Publicado em 11 de janeiro de 2023 às 17h13.
Os ataques de domingo promovidos por grupos extremistas de apoiadores do ex-presidente Jair Bolsonaro, que invadiram e depredaram os prédios do Congresso, do Supremo Tribunal Federal (STF) e o Palácio do Planalto, desencadearam uma série de acontecimentos e reações.
Entre os principais fatos, estão as medidas tomadas pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva e pelo ministro do STF Alexandre de Moraes, os 1.200 manifestantes detidos no acampamento de Brasília e o pedido de prisão do ex-ministro da Justiça e Segurança Pública do Brasil, Anderson Torres.
Mais de cem ônibus foram fretados em diversas cidades do país para levar grupos de bolsonaristas para a capital federal, onde foi marcado um grande ato para questionar o resultado das eleições, que elegeram Luiz Inácio Lula da Silva como presidente. O grupo, que fazia uma manifestação de caráter golpista, invadiu e vandalizou os prédios do Congresso, do Supremo Tribunal Federal (STF) e o Palácio do Planalto. Os manifestantes estavam concentrados no Quartel-General do Exército, em Brasília, antes de descerem em direção a Esplanada dos Ministérios. Vídeos divulgados na internet mostram policiais militares do Distrito Federal conversando com manifestantes bolsonaristas enquanto uma multidão invadia o Congresso Nacional.
A Polícia do DF só retoma os prédios do STF e o Palácio do Planalto horas após o início dos protestos. O prédio do Congresso foi o último a ser esvaziado, após forças policiais usarem cavalaria, jatos d'água a bombas de efeito moral. Helicópteros também atiraram bombas de gás e bala de borracha para dispersar grupo. No Supremo, foram utilizados tiros de balas de borracha e bombas. Muitos dos terroristas que invadiram e depredaram as sedes dos Poderes usavam roupas parecidas com de militares.
Em meio a invasão, Lula decretou intervenção federal na segurança pública do Distrito Federal, assumindo o controle da Polícia Militar do DF até o dia 31 de janeiro. Para o cargo de interventor foi anunciado Ricardo Garcia Cappelli, secretário-executivo do Ministério da Justiça. Pelo decreto, o governo federal assumirá todas as funções relativas a segurança pública do DF, mantendo o restante sob responsabilidade de Ibaneis. Ao anunciar o ato, Lula ainda culpou o ex-presidente Jair Bolsonaro por estimular os atos realizados em Brasília:
— Esse genocida não só provocou isso, estimulou isso como, quem sabe, ainda está estimulando isso das redes sociais. Tem vários discursos do ex-presidente estimulando isso, estimulou a invasão nos três poderes sempre que ele pode.
Ainda na madrugada, o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), determinou o afastamento por 90 dias do governador do Distrito Federal, Ibaneis Rocha (MDB). Na decisão, tomada no âmbito do inquérito dos atos antidemocráticos, Moraes afirma que Ibaneis teve uma "conduta dolosamente omissiva". "Absolutamente NADA justifica a omissão e conivência do Secretário de Segurança Pública e do Governador do Distrito Federal com criminosos que, previamente, anunciaram que praticariam atos violentos contra os Poderes constituídos", escreveu o ministro.
Ainda na noite de domingo, o presidente Lula visitou o Palácio do Planalto e verificou de perto os estragos causados pelos atos. Na sequência, o petista se dirigiu até a sede do Supremo Tribunal Federal, onde foi recebido pela presidente da Corte, ministra Rosa Weber.
Ainda no domingo, pelo menos 300 pessoas já tinham sido detidas após os atos terroristas. Na manhã de segunda, cerca de 1.200 pessoas foram detidas no acampamento de extremistas bolsonaristas em frente ao QG do Exército, em Brasília. Os radicais foram encaminhados para a Polícia Federal para averiguação e integrantes do grupo foram liberados.
O total de presos pelos atos terroristas em Brasília no último domingo chegou a 736 pessoas, segundo lista divulgada pela Secretaria de Administração Penitenciária do Distrito Federal.
A destruição provocada por terroristas nas instalações do Palácio do Planalto, Congresso e Supremo Tribunal Federal (STF) inclui patrimônios históricos que dificilmente poderão ser recuperados e alcançou também os espaços privativos que as autoridades usam para trabalhar diariamente.
No Planalto, a tela “Mulatas”, de Di Cavalcanti, foi furada pelos invasores em seis pontos. No prédio do STF, os danos incluem o chamado “Hall dos Bustos”, onde havia esculturas de figuras importantes da República, como Rui Barbosa, responsável pela criação da Corte no modelo atual, em 1890, e de Joaquim Nabuco, abolicionista. O brasão da República também foi atacado. Um exemplar da Constituição, réplica da edição original, foi roubado.
Entre itens de valor histórico danificados também está um tapete que, segundo informações do Supremo, pertenceu à Princesa Isabel, filha do imperador D. Pedro II e responsável por assinar a Lei Áurea, que acabou com a escravidão no país.
Na mesma decisão que afastou o governador do Distrito Federal Ibaneis Rocha (MDB) por 90 dias, o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes também determinou a "desocupação e dissolução total" em 24 horas dos acampamentos realizados nas "imediações dos Quartéis Generais e outras unidades militares para a prática de atos antidemocráticos" e a prisão em flagrante de seus participantes "pela prática dos crimes de atos terroristas, inclusive preparatórios".
Os acampamentos nas imediações dos quartéis militares, montados por bolsonaristas após a divulgação do resultado das eleições, em diversos estados do país foram desmobilizados durante a segunda-feira. Em alguns casos, forças polícias e militares do Exército precisaram intervir e conter resistências. Não há registro de locais onde a determinação de Moraes não foi cumprida.
O ex-presidente Jair Bolsonaro, que desde o dia 30 de dezembro viajou para os Estados Unidos, foi internado na manhã de segunda-feria, dia seguinte aos ataques, em um hospital na Flórida, em Orlando. O político deu entrada na unidade com dores abdominais e foi diagnosticado com um quadro de obstrução intestinal.
No Twitter, ele comentou os atos, se eximindo de responsabilidade e comparando ataques à manifestações da esquerda.
"Manifestações pacíficas, na forma da lei, fazem parte da democracia. Contudo, depredações e invasões de prédios públicos como ocorridos no dia de hoje, assim como os praticados pela esquerda em 2013 e 2017, fogem à regra", escreveu ele.
Diversos líderes mundiais condenaram os ataques terroristas em Brasília. Entre eles, o presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, disse em suas redes sociais que a invasão do Congresso, do Palácio do Planalto e do Supremo Tribunal Federal por apoiadores radicais do ex-presidente Jair Bolsonaro é "um atentado à democracia e à transferência pacífica de poder". Diversos deputados americanos condenaram as invasões e ao menos quatro democratas pediram a expulsão do ex-presidente Jair Bolsonaro, que está no país desde dezembro.
A ultraconservadora premier italiana, Giorgia Meloni, fez uma postagem em seu Twitter afirmando que "o que está acontecendo no Brasil não pode nos deixar indiferentes". Em francês e português, o presidente da França, Emmanuel Macron, que planeja uma viagem ao Brasil, disse que "a vontade do povo brasileiro e as instituições democráticas devem ser respeitadas".
Os governos da China e da Rússia também reagiram aos ataques. Em suas declarações diárias à imprensa, a Chancelaria de Pequim disse que "se opõe firmemente ao ataque violento" contra os Três Poderes brasileiros e que "apoia as medidas tomadas pelo governo brasileiro para acalmar a situação, restaurar a ordem social e preservar a estabilidade nacional". Já o Kremlin, por meio de seu porta-voz, disse "apoiar plenamente" Lula.
O Papa Francisco fez um pronunciamento onde falou de "enfraquecimento da democracia" no planeta, mencionando os ataques golpistas . O Pontífice argentino disse que está "pensando no Brasil" frente ao atentado dos bolsonaristas radicais.
Após os ataques golpistas, o governo federal iniciou uma força-tarefa para identificar, além dos participantes, os financiadores dos atos. No último domingo, Alexandre de Moraes determinou a apreensão e bloqueio de todos os ônibus identificados pela Polícia Federal "que trouxeram os terroristas para o Distrito Federal".
Entre os ônibus a serem apreendidos deverão estar 87 veículos identificados que estão estacionados na Granja do Torto e imediações. O ministro também determinou a proibição imediata, até o dia 31 de janeiro, de ingresso de quaisquer ônibus e caminhões com manifestantes no Distrito Federal.
Entre os proprietários de ônibus já identificados está um empresário bolsonarista ligado à deputada federal Carla Zambelli (PL-SP) e um outro que tem contratos que somam R$ 43 mil com o governo Jair Bolsonaro (PL). O vereador do município de Caxias do Sul, no Rio Grande do Sul, Adriano Bressan, do PTB, também foi indentificado como um dos donos de uma das empresas de transporte que levaram manifestantes golpistas para os atos.
O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes determinou a prisão do ex-ministro da Justiça Anderson Torres. A Polícia Federal cumpriu busca e apreensão na residência dele em Brasília nesta terça-feira, mas estava nos Estados Unidos em viagem com sua família. Moraes também determinou a prisão do ex-comandante-geral da Polícia Militar do Distrito Federal coronel Fábio Augusto, levado pelos policiais quando estava em casa, em Brasília.
No Twitter, o ex-ministro afirmou que irá se apresentar à Justiça e se dedicar à sua defesa. A expectativa é que ele retorne ao país nesta quarta-feira.