Placar do STF é de 4 a 3 a favor da prisão em 2ª instância
Discussão, que pode beneficiar 4,9 mil presos, começou na semana passada; sessão foi suspensa e será retomada em novembro
Clara Cerioni
Publicado em 24 de outubro de 2019 às 14h29.
Última atualização em 24 de outubro de 2019 às 19h19.
Brasília — O Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) retomou as discussões nesta quinta-feira (24) sobre a possibilidade de prisão após condenação em segunda instância. Até a suspensão da sessão — que deve ser retomada em novembro — o placar era de 4 a 3 a favor da prisão em 2ª instância.
Até o momento votaram contra: Marco Aurélio, Rosa Weber e Ricardo Lewandowski. Votaram a favor: Alexandre de Moraes, Luiz Edson Fachin, Luís Roberto Barroso e Luis Fux.
Primeira a votar na sessão desta quinta-feira (24), a ministra Rosa Weber leu por uma hora seu voto sem dizer qual corrente iria adotar. Considerado um voto decisivo, a magistrada seguiu o relator, Marco Aurélio, e votou contra a prisão em segunda instância.
"Não se diga, portanto, que alterei meu entendimento na ocasião quanto ao tema de fundo. Minha leitura constitucional sempre foi e continua sendo a mesma”, disse a ministra. Ela justificouque, ao negar o pedido de habeas corpus do ex-presidente Lula em 2018, permitindo a prisão em 2ª instância, foi em "atenção ao princípio da segurança jurídica".
Em referência à presunção de inocência prevista na Constituição, Weber afirmou que "por mais louváveis que sejam as crenças políticas, éticas ou ideológicas a animarem esse desejo. Por melhores que sejam as intenções e por mais que eu, com elas, comungue, não há como o leitor evitar o significado dos símbolos gráficos marcados com tinta sobre o papel ou pelos padrões desenhados com pontos de luz na tela.Se a garantia é assegurada, não há como interpretá-la como se não existisse".
Para a magistrada, o STF é guardião dotexto constitucional, e não o seu autor. "Optou o constituinte não só por consagrar expressamente a presunção de inocência como a fazê-lo com fixação de marco temporal expresso ao definir com todas as letras, queiramos ou não como, como termo final da garantia de presunção de inocência o trânsito o em julgado da decisão condenatória", disse.
A ministra citou, ainda, a ativista,professora e filosofanorte-americana Angela Davis: "Qualquer que seja a sua justificativa, oencarceramento é a própria negação da liberdade", afirmou.
O julgamento será concluído apenas em novembro porque não haverá sessões plenárias doSTFna próxima semana, conforme calendário divulgado pela Presidência da Corte no final do ano passado.
Nos bastidores do tribunal é dado como certo que a execução antecipada de pena será revista. A dúvida é se o tribunal vai optar por uma solução intermediária — o Superior Tribunal de Justiça (STJ), que funciona como terceira instância — ou pelo trânsito em julgado, quando acabam todas as possibilidades do condenado.
Nesta terça-feira (23), Toffoli chegou a fazer um apelo aos colegas para encurtarem os votos no julgamento sobre a possibilidade de prisão após condenação em segunda instância. Ao final da sessão de ontem, no entanto, o presidente assegurou que "cada qual dos ministros terá o tempo que entender necessário" para expor seu ponto de vista.
Um dos receios dentro do STF é que o adiamento do desfecho do julgamento abra espaço para o surgimento de novas mobilizações e mais pressões contra a Corte. O decano, ministro Celso de Mello, criticou "pressões ilegítimas" sobre o tribunal e "surtos autoritários" que surgem da atuação "sinistra de delinquentes" que vivem no "submundo digital".
OSTFtem sofrido pressões para não derrubar a possibilidade de prisão após condenação em segunda instância. A intimidação mais agressiva vem de caminhoneiros bolsonaristas, que gravaram vídeos ameaçando novas paralisações caso o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva saia da cadeia.
A ofensiva também chegou aos gabinetes dos ministros, que não param de receber mensagens e ligações para impedir a revisão da atual jurisprudência.
Os votos
O Ministro Marco Aurélio Mello, relator de três ações que discutem a execução antecipada de pena, foi o primeiro a votar nesta quarta, ainda durante a sessão da manhã da Corte.
O ministro, único a se posicionar contra a possibilidade de prisão após condenação em segunda instância até o momento, destacou que "é impossível devolver a liberdade perdida ao cidadão".
Segundo Marco Aurélio Mello, não se pode inverter a ordem natural do processo-crime. "É preciso apurar para, formada a culpa, prender o cidadão em verdadeira execução da pena, que não comporta provisoriedade."
O ministro Alexandre de Moraes, primeiro a votar durante a sessão Plenária da tarde, abriu divergência no julgamento ao votar pela manutenção da prisão após segunda instância.
Alexandre listou o posicionamento de todos os integrantes da Corte desde 1988, indicando que 71% dos ministros doSTFdesde a Constituição foram a favor da prisão em segunda instância.
Para o magistrado, "as instâncias ordinárias não podem ser transformadas em meros juízos de passagem sem qualquer efetividade de suas decisões penais".
O voto de Alexandre de Moraes foi seguido pelo de Edson Fachin, que acompanhou o entendimento de que a execução da pena pode ocorrer após esgotados os recursos à segunda instância.
Segundo o relator da Operação Lava Jato no Supremo, seria "inviável" sustentar que todas prisões só possam ter o cumprimento iniciado após esgotamento de todos os recursos - o trânsito em julgado. "Se a prova não está em jogo, a presunção de inocência não é desafiada", disse Fachin.
A sessão desta quarta foi suspensa logo após o ministro Luís Roberto Barroso concluir seu voto a favor da possibilidade de prisão após condenação em segunda instância.
"O Brasil vive uma epidemia de violência e corrupção. É mais bacana defender a liberdade do que mandar prender. Mas eu preciso evitar o próximo estupro, o próximo roubo", disse Barroso em seu voto.
Jurisprudência
A execução antecipada de pena era permitida até 2009, quando oSTFmudou de jurisprudência para admitir a prisão apenas depois do esgotamento de todos os recursos (o trânsito em julgado). Em 2016, a Corte voltou a admitir a medida, considerada fundamental por procuradores e juízes na punição de criminosos do colarinho branco.
A prisão em segunda instância é um dos pilares da Operação Lava Jato . Os procuradores da força-tarefa do Ministério Público Federal avaliam que políticos, doleiros, empresários e ex-dirigentes da Petrobras condenados estariam todos em liberdade, caso ainda predominasse o entendimento do Supremo anterior a 2016.
Atualmente, o Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4), corte de apelação da Lava Jato, tem cerca de 100 condenados em segunda instância.