Brasil

Aneel e Arcesp dizem que Enel não cumpriu plano de contingência para lidar com grandes apagões

Falhas de energia geram processos na Justiça e novos questionamentos por parte de candidatos à prefeitura, governo, empresários e órgãos de defesa do consumidor. Ainda não há prazo para a volta de 100% do fornecimento na capital e região metropolitana

Agência o Globo
Agência o Globo

Agência de notícias

Publicado em 14 de outubro de 2024 às 06h25.

Última atualização em 14 de outubro de 2024 às 07h14.

Os dirigentes da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) e da Agência Reguladora de Serviços Públicos do Estado de São Paulo (Arcesp) afirmaram na noite de domingo, 13, que o número de funcionários que a Enel havia prometido alocar para lidar com apagões de grandes proporções não foi atingido e o ritmo de reação está aquém do esperado. Às 21h deste domingo, ainda havia 537 mil clientes sem luz.

Após o apagão de 3 de novembro do ano passado, quando a região metropolitana teve mais de 2 milhões de clientes afetados, a empresa enviou às autoridades um plano de contingência que lhe foi solicitado detalhando como agiria em situação semelhante, caso voltasse a ocorrer.

"Nos preocupa a capacidade de mobilização neste momento e a velocidade desse restabelecimento do serviço em são Paulo", afirmou Thiago Veloso, diretor da Arcesp, em entrevista coletiva após a reunião.

Segundo ele, o tamanho das equipes que a Enel prometeu colocar em campo para lidar com a situação não havia sido atingido até hoje, mais de dois dias depois do início do apagão causado por uma tempestade.

"O plano de contingência apresentado para a Aneel e Arcesp em função do que aconteceu em 3 de novembro do ano passado envolvia 2.500 pessoas num cenário de contingência extrema, como esse que estamos vendo agora. Esse número ainda não foi alcançado. Nós temos hoje de 1.700 a 1.800 pessoas", disse Veloso.

Segundo o diretor da agência, na verdade o serviço apresentado hoje foi mais lento do que o da última tempestade.

"No evento de 3 de novembro do ano passado, houve restabelecimento de 60% do serviço afetado em 24 horas. Agora, foi atingido 60% em 42 horas".

Guilherme Lencastre, presidente da Enel no Brasil, afirmou que o contingente de 2.500 trabalhadores será atingido amanhã, três dias depois da ocorrência do apagão inicial. A empresa está formando uma força tarefa com outras concessionários que operam em outras áreas do estado, que fornecerão equipes extras, de 400 funcionários. Ainda não há prazo para o total reestabelecimento dos serviços de energia.

O diretor-geral da Aneel, Sandoval Feitosa, afirma que está avaliando a evolução da reação da Enel ao evento, e que o processo vai tomar o tempo necessário para que a empresa seja punida, se for o caso de fazê-lo.

A Enel foi multada em R$ 165 milhões neste ano após um processo concluído em abril, pelo atraso no restabelecimento de serviços em novembro do ano anterior.

O apagão em São Paulo que deixou 2,1 milhões de pessoas no escuro na última sexta-feira ampliou o cerco contra a Enel SP. Após o episódio, a concessionária de energia, que atende a capital paulista e região metropolitana, terá de lidar com escrutínio nas esferas administrativas e judiciais.

Responsável por fiscalizar o trabalho da companhia e ligada ao governo federal, Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) chegou a indicar que poderia cassar a concessão da companhia.

No sábado, a agência já havia informado que a Enel seria “imediatamente" intimada a apresentar “justificativas e proposta de adequação imediata do serviço” em São Paulo.

“Caso a empresa não apresente solução satisfatória e imediata da prestação do serviço, a Agência instaurará processo de recomendação da caducidade da concessão junto ao MME (Ministério de Minas e Energia)", diz o texto.

A caducidade, citada pela Aneel, ocorre quando uma concessão é cancelada antes do fim do contrato, o que pode acontecer se ficar comprovada falhas da companhia ou falta da prestação inadequada de serviços. O procedimento exige um processo administrativo que confirme irregularidades, o que tem sido pedido por representantes do governo federal, estadual e municipal.

Tarcísio, Nunes e Boulos fazem críticas

Aliados, o governo de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos) e o prefeito da cidade, Ricardo Nunes (MDB), subiram o tom contra a empresa nos últimos dias. Guilherme Boulos (Psol), que disputa o segundo turno das eleições municipais com Nunes, criticou os adversários pela administração da crise de energia, mas também mirou a empresa.

Tarcísio, no fim do domingo, cobrou que o Tribunal de Contas da União (TCU) tivesse “agilidade” na investigação do órgão sobre o cumprimento do contrato de concessão da companhia. A apuração foi solicitada no início do ano por Nunes.

O prefeito, desde o ano passado, culpa a empresa pelas quedas de luz. Neste sábado, ele disse que os problemas na cidade eram resultado da “ineficiência” da companhia, e chegou chegou a dizer que esperava que a cidade pudesse “e livrar dessa empresa".

Boulos afirmou que acionou o Ministério Público de São Paulo (MP-SP) para investigar a empresa. A ação também pede multa de R$ 50 milhões diários.

Depois do novo apagão em São Paulo, o ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, que foi um dos principais críticos da Enel no apagão do ano passado, estabeleceu um sala de situação sobre a situação em São Paulo e determinou que Aneel cobrasse celeridade da Enel.

No início deste ano, Silveira fez cobranças públicas para a companhia italiana. Em maio, ele pediu compromisso de que a Enel realizaria investimentos nas concessões brasileiras, incluindo as do Ceará e Rio de Janeiro. Segundo disse na ocasião, que a empresa precisava provar que iria “mudar” caso quisesse seguir no Brasil.

Empresários entram na justiça

A empresa, que já responde por processos relacionados ao apagão de novembro de 2023, deve enfrentar uma nova onda de ações na Justiça com a nova queda generalizada de energia.

No sábado, a Federação de Hotéis, Restaurantes e Bares do Estado de São Paulo (Fhoresp) informou vai acionar judicialmente a Enel em razão dos prejuízos causados ao setor com o apagão. Em nota, a federação cita “danos milionários” que a interrupção de energia causou ao setor. No ano passado, a queda de luz gerou danos de R$ 500 milhões, de acordo com a Fhoresp.

Desde dezembro de 2023, o Ministério Público de São Paulo e a Defensoria Pública do estado pedem reparos pelos dados causados por falta de luz. A ação civil pública pede melhoria no serviço prestado pela Enel e o pagamento de indenizações aos prejudicados por quedas de energia.

A Associação Pró-Centro, que reúne empreendedores da região central de São Paulo, é autora de outro processo na justiça também por prejuízos. A ação pede indenização por anos morais e coletivos.

Sob acompanhamento do Programa de Proteção e Defesa do Consumidor (Procon) desde o ano passado, o novo apagão fez o órgão enviar afirmou que vai encaminhar uma notificação à Enel para pedir explicações sobre a demora no reestabelecimento de força em bairros da cidade. Pela lei, a empresa terá 48 horas para apresentar uma manifestação em seguida.

O órgão afirma que poderá ainda requisitar documentos, convocar reuniões e iniciar procedimentos fiscalizatórios para tratar da ocorrência considerada "grave" pelos técnicos.

Mudanças climáticas

Uma crítica feita à Aneel por ambientalistas é a demora em exigir das empresas planos de adaptação a mudanças climáticas. As concessionárias de distribuição do Sul e Sudeste, grupo que inclui a Enel, só foram receberam essa exigência neste ano e apresentaram seus planos em setembro deste ano. Questionado sobre essa demora, Feitosa disse que a medida foi tomada a tempo. Ele foi menos contundente que Veloso, porém, em dizer se a Enel cumpriu ou não as exigências da agência na hora de honrar seu plano de emergência.

"O que nos temos agora é, vis-a-vis, o plano sendo aprovado e a sua verificação em um fato real. Vamos avaliar o quanto não foi aderente o plano de contingência colocado pela empresa", afirmou o presidente da agência reguladora. "Na minha avaliação, a Aneel não falhou. O que nos temos é que cumprir um contrato escrito e redigido em 1998 (a concessão da Enel), onde as realidades climáticas que vivenciamos hoje não eram presentes".

Questionado sobre o fato de as mudanças climáticas serem consenso científico há mais de duas décadas e de o Brasil ser signatário da Convenção do CLima da ONU desde 1992, Feitosa afirma que a concessionária teve que se adaptar a novas leis e regras da Aneel ao longo do caminho.

O presidente da agência reconhece, porém, que a regulação reside num terreno jurídico em transformação, por causa da mudança climática, porque não se poderá alegar para sempre o desconhecimento dos riscos que ela traz.

"As distribuidoras têm responsabilidade integral pela prestação do serviço. Essa prestação, por ser um contrato administrativo, tem salvaguardas do direito civil brasileiro. O que nós temos que avaliar é até que ponto esses direitos que a distribuidora possui a elidem de cumprir as suas obrigações. Nesse exato momento nós estamos avaliando", afirmou.

Acompanhe tudo sobre:Tarcísio Gomes de FreitasRicardo NunesEnelChuvasEnergia elétrica

Mais de Brasil

Lula faz pronunciamento sobre balanço de 2024; acompanhe ao vivo

Vai chover no Natal? Defesa Civil de SP cria alerta para o feriado; veja previsão

Acidente em MG: Motorista de carreta envolvida em tragédia se entrega após passar dois dias foragido

Quem é o pastor indígena que foi preso na fronteira com a Argentina