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Análise: Com tarifa zero, ônibus de São Paulo terão sua maior mudança em duas décadas

Maior sistema do Brasil, frota de 13.000 coletivos terá passe livre aos domingos

Ônibus em São Paulo: terminal Grajaú, na zona sul (Cidade de São Paulo no X)

Ônibus em São Paulo: terminal Grajaú, na zona sul (Cidade de São Paulo no X)

Rafael Balago
Rafael Balago

Repórter de macroeconomia

Publicado em 17 de dezembro de 2023 às 07h00.

O sistema de ônibus urbanos de São Paulo, o maior do país, enfrentará sua maior mudança em quase 20 anos a partir deste domingo, 17, quando começará a ser oferecida tarifa zero.

A partir de agora, a frota de 13.292 coletivos terá embarque gratuito aos domingos e em alguns feriados, embora a frota que rode nessas datas seja de pouco mais de 4.000 veículos. É o maior experimento de passe livre já feito no Brasil, e um dos maiores já tentados no mundo. Embora algumas centenas de cidades, em vários países, já tenham adotado algum tipo de gratuidade geral, não há registro de metrópole com 12 milhões de habitantes que tenha liberado a cobrança dessa forma.

A mudança nas tarifas vem após anos de poucas novidades para os usuários. A última grande mudança no sistema foi a adoção do bilhete único, em 2004. Antes dele, cada embarque custava uma tarifa. Com a mudança, uma mesma tarifa passou a dar direito a vários embarques em até duas horas. Assim, passou a ser possível combinar o uso de várias linhas e cruzar a cidade, se necessário, gastando menos.

O avanço não foi trivial: antes, cada usuário ficava limitado às linhas que atendiam a região onde morava. Pegar um segundo ônibus significava pagar em dobro. Depois do bilhete único, ficou mais fácil ir estudar, trabalhar ou se divertir mais longe. 

Em 2005, o bilhete único chegou ao metrô e aos trens da CPTM, e ambos tiveram um boom de passageiros. Em 2004, o Metrô paulistano levou em média 2,3 milhões de passageiros por dia. Quatro anos depois, em 2008, o volume aumentou para 3,2 milhões, sendo que nenhuma linha nova foi aberta nesse período. 

Na década seguinte, houve poucas mudanças nos meios de pagamento dos ônibus. Em 2013, foi lançado o bilhete único mensal, mas a opção atraiu poucos usuários, porque o valor da tarifa por mês é elevada. Houve ainda reforço nas medidas para evitar fraudes, como restringir a posse de um bilhete por CPF. 

Na última década, também faltaram obras viárias: faz mais de dez anos que nenhum corredor de ônibus é criado em São Paulo, e as faixas de ônibus, que tiveram alta na gestão Fernando Haddad (2013-16), tiveram avanço tímido posteriormente. As duas iniciativas ajudam muito os coletivos a fugir do trânsito e ganhar tempo, mas incomodam motoristas de carro, que não querem perder espaço nas ruas.

Outra novidade da década passada foi a criação de uma rede noturna, que opera 24 horas com trajetos diferentes do resto do dia. Já a proposta de reorganização mais ampla das linhas, como a de criar itinerários que só operam aos domingos, ficou na gaveta e segue sendo postergada. 

O pagamento no transporte com cartões bancários direto nas catracas também demora a avançar. A SPTrans faz testes desde 2019, mas a opção ainda está distante de estar disponível. Cidades como Londres e Nova York adotaram a opção na década passada. A tecnologia é oferecida no Brasil por vários fornecedores, e permite inclusive cobrar menos por uso contínuo: em Nova York, basta encostar o mesmo cartão 12 vezes na mesma semana para obter tarifa grátis nas viagens seguintes, sem precisar fazer nenhum cadastro.

A adoção da tarifa zero neste fim de 2023 é também uma aposta eleitoral do prefeito Ricardo Nunes, que busca a reeleição. Especialistas em mobilidade temem que um início mal planejado da ideia possa gerar problemas, como ônibus cheios demais, o que afastaria usuários. A implantação do bilhete único foi acompanhada da abertura de novos terminais e corredores de ônibus e de uma ampla renovação da frota, com veículos maiores, que não se vê agora.

Outro ponto de preocupação é que a medida terá de ser paga com recursos municipais. Estimativas iniciais apontam que a gratuidade aos domingos pode custar algo em torno de 400 milhões de reais por ano. A prefeitura já paga mais de 5 bilhões de reais por ano em subsídio aos ônibus, e essa conta aumentará. Se a qualidade do serviço piorar muito e os gastos sairem de controle, isso poderá servir de munição para rivais de Nunes na campanha.

Apesar das ponderações, a tarifa zero em São Paulo será um experimento interessante de acompanhar, pois mostrará na prática se a ideia é factível em uma metrópole brasileira. Os acertos e erros do processo poderão mostrar o caminho para outras cidades tentarem ou não seguir esse caminho. 

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