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A reestruturação do Ibama cria a expectativa de maior agilidade no processo de licenciamento ambiental das obras de infra-estrutura fundamentais para o país

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Da Redação

Publicado em 14 de outubro de 2010 às 13h30.

Nos últimos anos, argumentos em defesa da natureza transformaram-se em um dos principais entraves à construção de obras de infra-estrutura. Projetos importantes demoram a sair do papel, entre outros fatores, porque viram reféns da burocracia estatal, representada pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama). Além da lentidão no julgamento dos processos, o órgão é acusado de servir de instrumento a grupos radicais de ambientalistas que se opõem por razões ideológicas a qualquer tipo de construção em determinadas regiões do país, a pretexto de evitar a extinção de espécies da fauna e da flora. Em abril deste ano, o governo sinalizou que pretende resolver o problema tentando encontrar maior equilíbrio entre a necessidade de preservação do meio ambiente e a urgência dos investimentos para garantir o crescimento do país. O movimento de mudança consistiu na divisão do Ibama em dois órgãos -- um voltado para o licenciamento e a fiscalização, desenvolvendo essas atividades com o nome de Ibama, e outro incumbido da conservação das reservas florestais, o recém-criado Instituto Chico Mendes. A ministra Marina Silva, responsável pela pasta do Meio Ambiente (MMA), era contrária à alteração, mas acabou cedendo às pressões do Planalto para melhorar a eficiência dos processos de licenciamento. "A verdade é que nós não estávamos preparados para o desafio que o Brasil enfrenta hoje", diz o secretário executivo do MMA, João Paulo Capobianco. "Nossa missão é responder à necessidade de desenvolvimento do país."

Para vários empresários do setor de infra-estrutura, o governo, enfim, se deu conta de que as decisões do Ibama -- ou a falta delas -- ameaçavam emperrar o Brasil. "A ficha caiu no governo", diz Claudio Sales, presidente do Instituto Acende Brasil, entidade criada por investidores do setor elétrico. A gota d'água foi o embate em torno da autorização para a construção das hidrelétricas de Santo Antônio e Jirau, no rio Madeira, em Rondônia. Em abril, os técnicos do Ibama emitiram um parecer no qual afirmavam "não ser possível" atestar a viabilidade ambiental da obra. Irritado com a demora no licenciamento, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva avisou a ministra Marina Silva que estava disposto a acelerar a construção de termelétricas, mais poluidoras, e de usinas nucleares, que causam calafrios nos ecologistas. Em meados de julho, o Ibama recuou e concedeu o licenciamento prévio, que permitirá o leilão da primeira usina até dezembro, três anos após o início do processo. Pelo projeto, as duas usinas do Madeira devem ficar prontas até 2015 e vão gerar 6 500 megawatts de energia, metade da capacidade de Itaipu.

Estrutura morosa
O trâmite dos processos de licenciamento ambiental supera os prazos estabelecidos pela legislação e pelo próprio Ibama
EtapaPrazo estabelecidoPrazo Real
Aprovação do termo de referência necessário para o início do estudo ambiental30 dias1 ano
Aprovação do Estudo de Impacto Ambiental (EIA) e do Relatório de Impacto Ambiental (Rima)De 60 a 120 dias1 ano e 7 meses
Realização de audiência pública45 dias após a aprovação do EIA8 meses
Total para a emissão de licença préviaAté 1 ano3 anos e 3 meses
Fonte: Instituto Acende Brasil. Dados preliminares de relatório do Banco Mundial referentes a 63 empreendimentos licenciados pelo Ibama entre 1997 e 2006

O desfecho dessa novela marcou a vitória de uma visão, defendida pelo Ministério de Minas e Energia (MME), segundo a qual os impactos ambientais não podem servir de motivo para inviabilizar obras cruciais para o crescimento do país -- a saída, em vez de embargar os projetos, é procurar meios de reduzir os danos ao mínimo possível. Mas ainda falta converter essa idéia em novas ações concretas. Segundo dados do Instituto Acende Brasil, das 38 hidrelétricas cuja construção foi autorizada pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), 22 encontravam-se paralisadas em junho por problemas no licenciamento ambiental. A expectativa é que essa situação melhore com a reestruturação do Ibama. Na nova configuração, o órgão cedeu mais de 500 funcionários comissionados ao Instituto Chico Mendes. Avalia-se que, mesmo com uma estrutura menor, o Ibama consiga desempenhar melhor suas ações, pois elas ficaram agora restritas ao licenciamento ambiental e à fiscalização. "O licenciamento nunca foi prioritário em meio às muitas funções que o Ibama acumulava. Com as unidades de conservação a cargo do Instituto Chico Mendes, o Ibama terá tranqüilidade para desempenhar melhor o seu papel", diz Volney Zanardi, diretor do departamento de licenciamento e avaliação ambiental do MMA. "Podemos imaginar que, num horizonte de dois anos, tenhamos profissionais muito mais capacitados para lidar com o licenciamento."

As primeiras etapas do processo, que culminam com a concessão de uma licença prévia (que autoriza a licitação, mas ainda não a construção da obra), deveriam demorar, no máximo, 12 meses. Mas, de acordo com estudo feito pelo Banco Mundial com base em 63 empreendimentos aprovados pelo Ibama entre 1997 e 2006, o prazo médio apenas dessa etapa foi de 39 meses -- três vezes mais do que o previsto. Uma das metas da reestruturação realizada recentemente pelo governo é fazer valer os prazos legais. Para chegar lá, o MMA vai dar mais suporte às atividades do Ibama, reforçando, por exemplo, o treinamento de analistas ambientais incumbidos do licenciamento. Mas ainda é cedo para avaliar se o desmembramento do órgão será suficiente para destravar os licenciamentos em análise -- até porque existe um período de transição, e a divisão do Ibama começará a funcionar, na prática, só em 2008.

A morosidade no processo de licenciamento é apenas uma parte do problema. Os investidores e o próprio Ibama clamam pela regulamentação do artigo 23 da Constituição, que não define com exatidão quais instâncias -- federal, estadual ou municipal -- devem se incumbir do licenciamento de diversos tipos de empreendimento. Para a direção do Ibama, sua missão deveria se restringir à análise de grandes obras capazes de gerar impacto ambiental em mais de um estado. Esse, contudo, não é o entendimento do Ministério Público e da Justiça de alguns estados, que atribuem ao Ibama a tarefa, por exemplo, de analisar o impacto em qualquer bem da União, como rios e até praias. "Eu brincava dizendo que um dia iam nos pedir para licenciar quiosques em praias, e isso realmente acabou acontecendo em Salvador, na Bahia", diz Valter Muchagata, diretor substituto de licenciamento ambiental do Ibama.

Segundo Zanardi, do MMA, há contingências externas que interferem no trabalho do órgão. "Na hora de avaliar uma obra, recai sobre o Ibama a tarefa de decidir sobre questões que vão muito além da política ambiental, como o patrimônio histórico e os direitos dos índios, por exemplo", diz. Empreiteiras e investidores queixam-se de que as "incertezas" alegadas pelo Ibama transformaram os processos de licenciamento numa espécie de loteria, com o agravante de que a Justiça também tem embargado obras usando como pretexto a falta de informações completas mesmo depois de o Ibama conceder licenças. Um exemplo é a transposição das águas do rio São Francisco, idéia que vem sendo discutida há mais de um século. Em março deste ano, o Ibama finalmente concedeu a licença ao projeto. As obras começaram logo em seguida, mas correm o risco de ser interrompidas a qualquer momento. A confusão ocorre porque, em julho, o procurador-geral da República, Antonio Fernando de Souza, pediu ao Supremo Tribunal Federal (STF) a paralisação dos trabalhos. Uma das justificativas é que não foram realizadas audiências públicas para discutir a transposição. "É preciso reorganizar e padronizar os procedimentos do trâmite ambiental, que fazem de qualquer processo de licenciamento uma jornada imprevisível", diz Paulo Godoy, presidente da Associação Brasileira da Infra-Estrutura e Indústrias de Base (Abdib). "Nunca sabemos quando vai terminar e quanto custará no final."

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