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A rotina de dois voluntários brasileiros que tomaram a vacina de Oxford

À EXAME, dois médicos contam como foi receber a dose da imunização mais promissora contra a covid-19 e como tem sido o acompanhamento pelos pesquisadores

Vacina de Oxford: Resultados preliminares das fases 1 e 2 mostraram que a vacina é segura e gerou resposta imune contra a covid-19 (Dado Ruvic/Illustration/File Photo/Reuters)

Vacina de Oxford: Resultados preliminares das fases 1 e 2 mostraram que a vacina é segura e gerou resposta imune contra a covid-19 (Dado Ruvic/Illustration/File Photo/Reuters)

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Clara Cerioni

Publicado em 29 de julho de 2020 às 16h19.

Última atualização em 30 de julho de 2020 às 19h29.

Nos últimos meses, o Brasil se tornou um importante ator internacional para o desenvolvimento das vacinas contra o novo coronavírus. O alto número de contágio pela covid-19 — terreno fértil para os pesquisadores descobrirem se a imunização realmente protege contra o vírus — somado à histórica expertise da ciência brasileira para produzir vacinas colocaram o país na rota dos principais laboratórios do mundo.

Desde 23 de junho, a Universidade de Oxford seleciona 5.000 profissionais da saúde para receber no Brasil as doses da sua vacina, feita em parceria com a biofarmacêutica anglo-sueca AstraZeneca. Nesse processo, metade dos voluntários recebe a vacina e a outra metade placebo, mas somente os pesquisadores sabem quem tomou o que. O teste é de dose única.

Resultados preliminares das fases 1 e 2, publicados na revista científica The Lancet, mostraram que a vacina de Oxford é segura e gerou resposta imune contra a covid-19. Agora, a fase 3 vai tentar demonstrar a eficácia da droga. Além do Brasil, a fase 3 também ocorre no Reino Unido e na África do Sul. Segundo a Organização Mundial da Saúde, essa é a pesquisa pela imunização mais avançada no mundo.

Para que haja comprovação da eficácia da vacina, o estudo precisa seguir metodologias específicas. Por isso, os voluntários têm um rígida rotina para reportar aos cientistas. À EXAME, dois voluntários da vacina de Oxford contaram como tem sido a experiência de ser cobaia da vacina contra o novo coronavírus.

Lucas Vale, 29 anos, médico anestesiologista

(Arquivo Pessoal/Divulgação)

"Eu tenho alguns colegas que estão envolvidos na aplicação do estudo da vacina de Oxford aqui em São Paulo que fizeram divulgação pelo WhatsApp para a seleção dos candidatos. Quem tivesse interesse em participar poderia se inscrever e eu fiz isso.

Antes de receber a dose, fiz um teste de sorologia de forma gratuita. Porque você só entra no estudo se tiver o IgG negativos, ou seja, isso quer dizer que você nunca entrou em contato com o vírus. Como o meu deu negativo, fui selecionado para prosseguir na experiência.

Eu fui um dos primeiros voluntários do estudo aqui no Brasil. Logo no primeiro dia já me explicaram todo o processo do acompanhamento, que vai durar um ano. Depois me disseram sobre o que é a vacina, como ela foi produzida, que já havia passado pelos testes de segurança e veio para cá para comprovar eficácia dela e resposta imunológica.

Na segunda semana, que foi em 25 de junho, eu já tomei a dose, que é feita no esquema simples cego, então não sei o que recebi. Logo me orientaram a tomar paracetamol, não podia ser nenhum outro analgésico, para diminuir mau estar e dor no corpo. Eventualmente, eles me disseram, eu poderia ter febre baixa nos dois primeiros dias.

Depois disso, os pesquisadores começaram a fazer acompanhamento por WhatsApp, e-mail e ligações. Durante o primeiro mês os contatos foram diários. Eu também tive que preencher um diário todos os dias. Na primeira semana pós injeção, precisei aferir minha temperatura todos os dias e, além disso, descrever se tinha tido algum sintoma. No restante do mês, eu preenchi um questionário em que não precisava medir a temperatura, mas tinha que relatar se houve algum tipo de incômodo.

Eu pessoalmente até agora não tive nada além da dor no local em que recebi a dose, só tomei analgésico porque eles orientaram. Inclusive, se eu fosse tomar qualquer outro remédio deveria avisá-los antes. Mas, no meu caso, eu não precisei, porque não senti nada de diferente. Agora, eu tenho que comparecer para a avaliação com os pesquisadores nos dias 29, 90, 180 e 360.

Em relação à minha rotina de trabalho, nada mudou após ter tomado a vacina, porque como eu não sei o que tomei, pode ser que eu esteja protegido ou não, então não vou me expor. Não saber o que você está recebendo é uma forma de garantir que eu não mude de comportamento. Fico curioso de saber se tomei ou não, é claro, mas faz parte do jogo. Outro detalhe é que eu também não posso fazer teste para covid-19 em laboratórios de fora, toda a coleta de dados deve ser feita por eles.

Participar do estudo faz eu sentir que eu fiz minha parte, colaborei com a ciência, me senti privilegiado por ter sido um dos voluntários no Brasil, país que sabemos que as políticas de enfrentamento da pandemia têm sido desastrosas".

Adriana Maria Paixão, de 32 anos, médica infecto pediatra

(Arquivo Pessoal/Divulgação)

"Eu sou formada em infectologia, então tenho vários conhecidos pesquisadores que estão trabalhando na vacina. Eles nos mandaram um e-mail dizendo para quem tivesse interesse e disponibilidade, poderia se candidatar. Me candidatei não só pela vacina, mas também para eu acreditar em todas elas.

Eu mandei todos os meus dados para a seleção e fiquei aguardando até me chamarem. Na primeira visita, no início de julho, eles me explicaram todo o processo, além de eu ter tido que assinar os termos para autorizar a realização do teste. Logo em seguida, eles já aplicaram a vacina em mim.

O teste é cego, ou seja, metade recebe a dose contra a covid-19 e a outra metade uma outra que protege contra quatro tipos de meningite. Eu não seu qual eu fiz, isso só será revelado ao final do estudo. Mas, de qualquer forma, mesmo que eu não tenha a do coronavírus, a outra também é super bem conceituada.

Logo depois de receber a dose, eles pedem para tomar um remédio para amenizar os efeitos colaterais. Eu senti somente nas primeiras 24 horas o braço dolorido e um leve mal estar. Mas como estes efeitos são das duas vacinas, não dá para saber qual eu tomei.

Os 200 primeiros participantes receberam um caderno de anotação, mas eu faço parte do outro grupo que faz anotações de forma online, caso eu tenha alguma mudança na temperatura ou sinta alguns dos sintomas relacionados à covid-19. A gente precisa reportar qualquer alteração. O estudo vai durar um ano e nesse tempo terei seis visitas, com coleta de sangue para a produção de análises.

Hoje, eu trabalho no Graacc, com atendimento a crianças e a pandemia mudou o nosso atendimento em relação ao fluxo e aos cuidados redobrados. A gente tenta ao máximo evitar qualquer exposição à covid-19. As crianças tendem a ter uma evolução mais rápida da doença, mas quando chegam ao hospital, outra pessoa da família também está infectada.

O que vejo é que essa vacina é uma das esperanças para a gente sair desta pandemia. Espero que o resultado seja positivo e que a minha participação contribua para isso".

Coronavac

Além da vacina de Oxford, está em teste também no Brasil a vacina do laboratório chinês, Sinovac Biotech, que ainda está com as inscrições abertas para voluntários do setor de saúde em alguns centros de pesquisa.

Ao todo, são 9.000 cobaias em seis estados: São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais, Paraná, Rio Grande do Sul e Distrito Federal. A vacina chinesa começou a ser testada na última semana com alguns profissionais da saúde do Hospital das Clínicas de São Paulo.

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