OPINIÃO: Uma oportunidade para revitalizar a cadeia da borracha extrativista na Amazônia
Diante da expectativa de aumentar a produção de látex para atender a demanda da borracha, abre-se a oportunidade para fortalecer o extrativismo por meio da bioecononia
diretora executiva do Imaflora
Publicado em 29 de junho de 2023 às 17h20.
Última atualização em 29 de junho de 2023 às 18h07.
Pneus, luvas, elásticos, material hospitalar, solas de calçados. Todos esses produtos carregam uma matéria-prima em comum: a borracha natural. O material, produzido a partir do látex da seringueira, uma árvore típica da Amazônia, tem uma demanda global superior a 14 milhões de toneladas por ano, segundo a Associação Nacional dos Países Produtores de Borracha.
O Brasil já foi o principal exportador do produto no mundo. O auge se deu na virada do século XIX para o século XX. Foi a riqueza gerada naquele período, conhecido como Ciclos da Borracha, que fez cidades como Manaus e Belém, na região Norte, figurarem entre as maiores do país à época.
Mas, com a domesticação da seringueira, países do sudeste asiático investiram em grandes áreas cultivadas e passaram a dominar o mercado. Entre os principais exportadores do mundo atualmente estão Tailândia, Indonésia e Vietnã.
O Brasil produz anualmente 259 mil toneladas de borracha, proveniente principalmente de áreas plantadas no Sudeste. Esse volume tem o potencial de atender apenas metade da demanda brasileira e pouco mais de 1,5% da demanda mundial, de acordo com a Associação Paulista de Produtores e Beneficiadores de Borracha, em 2022.
Diante da expectativa de aumentar a produção para atender a essa demanda, representantes de produtores e da indústria da borracha têm se organizado para solicitar estímulo do poder público. Em maio, diversas lideranças do setor se reuniram com o ministro da Agricultura e Pecuária, Carlos Fávaro.
A oportunidade não se restringe, no entanto, aos produtores de áreas plantadas. Embora em quantidade menor (840 toneladas em 2022), a atividade extrativista nos seringais da Amazônia se manteve ao longo dos anos, mesmo com poucos incentivos, e a demanda por parte das empresas por esse tipo de borracha vem aumentando em função da vantagem de ser um produto diferenciado, com atributos socioambientais.
Borracha e bioeconomia
A borracha natural extrativista da Amazônia, produzida a partir de seringais nativos em áreas de floresta conservada, é um típico produto da bioeconomia, decorrente do uso e da valorização da sociobiodiversidade regional. O trabalho de extração do látex das seringueiras, realizado por populações tradicionais da Amazônia, depende diretamente do conhecimento tradicional desses povos e da manutenção da floresta em pé para existir.
Portanto, a borracha amazônica carrega atributos ambientais e sociais únicos por manter a floresta em pé, colaborar para o atendimento das metas climáticas do país, desempenhar um papel relevante na regulação do regime de chuvas, além do potencial de promover a geração de renda e valorização das populações tradicionais verdadeiros guardiões da floresta.
Há atualmente alguns casos de parcerias comerciais diferenciadas entre organizações extrativistas na Amazônia e empresas do setor (pneus e calçados, por exemplo) interessadas em borracha extrativista da Amazônia com atributos socioambientais. O interesse crescente do setor e os resultados obtidos, com ganhos para ambos os lados, indicam caminhos a seguir para impulsionar a atividade no Brasil.
Aproveitando o interesse do setor, oInstituto de Manejo e Certificação Florestal e Agrícola(Imaflora) organizou no mês de maio, em parceria com a WWF-Brasil, um encontro multissetorial em Rondônia que reuniu representantes de diferentes empresas consumidoras de borracha extrativista, cooperativas e associações de extrativistas, movimentos sociais, ONGs, além de representantes de ministérios e do governo do estado.
O evento que discutiu caminhos para alavancar e impulsionar a cadeia, resultou em um compromisso das empresas presentes na compra de 1700 toneladas de borracha extrativista da Amazônia para a próxima safra, volume que representa o dobro do que foi produzido no ano passado, reforçando o interesse e disposição do mercado. Além disso, no evento, foi construído um conjunto de diretrizes e ações necessárias para impulsionar a retomada da produção na Amazônia.
Caminhos para a bioeconomia
Uma das ações citadas no documento é a necessidade de crédito e financiamento específico para a produção, que viabilizaria a abertura e revitalização de novos seringais, a criação de capital de giro para compra antecipada da produção, compra de equipamentos para coleta e abertura de novos seringais, além do fortalecimento das organizações comunitárias, associações e cooperativas. Duas soluções foram apresentadas como alternativas: o acesso diferenciado ao crédito rural por meio do Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf) e a criação de linhas de crédito específicas para o extrativismo.
Duas ações consideradas fundamentais são a revisão dos valores praticados por meio da Política de Garantia de Preços Mínimos para os Produtos da Sociobiodiversidade (PGPM-Bio) e a criação de instrumentos para pagamentos pelos serviços socioambientais. Esses instrumentos são necessários para assegurar o pagamento de preço justo aos extrativistas, bem como remunerá-los pelos serviços ecossistêmicos prestados por essas populações.
Outras ações aparecem no documento, como a importância de se combater o desmatamento na floresta amazônica, com a retomada das ações de fiscalização por agentes ambientais, abandonadas no governo anterior. Também a criação de incentivos fiscais, estímulo ao uso de borracha extrativista da Amazônia pela indústria, e utilização de sistemas de rastreabilidade para a borracha, o que daria segurança para atores do mercado que procuram produtos com garantias e atributos socioambientais agregados.
Em um país megadiverso e ansioso por novos modelos de desenvolvimento para a Amazônia, é fundamental se criar incentivos e as condições necessárias para impulsionar a cadeia da borracha extrativista, que é contemporânea, uma vez que responde as principais aspirações da sociedade de um modelo de economia da floresta em pé que gere conservação ambiental, crescimento econômico e desenvolvimento local sustentável para as pessoas que vivem na floresta e da floresta.
*O artigo é assinado entre Marina Piatto, diretora executiva do Imaflora, Patrícia Cota Gomes, diretora executiva adjunta do Imaflora e Luiz Brasi, coordenador da Rede Origens Brasil® no Imaflora.