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Milho excedente é colocado ao ar livre devido à falta de espaço nos silos em Lucas do Rio Verde, no norte do estado do Mato Grosso | Foto: Gabriela Biló/Estadão Conteúdo (Gabriela Biló/Estadão Conteúdo)
Repórter freela de Agro
Publicado em 27 de setembro de 2023 às 14h26.
Última atualização em 27 de setembro de 2023 às 14h43.
O agro que se acostumou com recordes agora vê um deles se transformar em um desafio cada vez mais urgente: a armazenagem. Se na safra 2009/2010 o Brasil era capaz de reter 91,4% da produção de grãos, hoje só consegue armazenar 60,4%. E o principal motivo para o déficit jamais visto de 123,7 milhões de toneladas é a combinação entre custo alto para construir a infraestrutura e falta de acesso a linhas de crédito atrativas para investir.
É o que aponta um estudo inédito da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA) com produtores rurais de todo o país. De acordo com o estudo, que ouviu 1.065 produtores rurais de todas as regiões, 61% não têm infraestrutura de armazenagem na propriedade. Destes, 63% apontam o preço elevado como um motivo de alta importância para não terem investido ainda. Para 39%, a dificuldade de acesso a crédito é vista como outro impeditivo crucial.
O cenário é explicado pelos números. Comparando a produção de grãos e a capacidade estática, o déficit de armazenagem vem crescendo no Brasil. Era de 12,9 milhões de toneladas na safra 2009/2010, passou para 43,2 milhões em 2014/2015 e alcançou 74,2 milhões de toneladas em 2019/2020. Na temporada 2021/22, saltou para 83,7 milhões. Neste ano, após nova safra recorde, atingiu 123,7 milhões de toneladas.
O levantamento ainda mostra que a preocupação com o alto custo é maior do que a média no Norte (78,1%), no Sul (68,5%) e no Nordeste (63,6%), além de próxima no Centro-Oeste (61,8%) e no Sudeste (61,7%). Já a dificuldade de acesso ao crédito é citada como de grande importância principalmente pelos produtores do Norte (65,6%) e do Centro-Oeste (45,5%), mas também é relevante no Nordeste (39,4%), Sudeste (37,8%) e Sul (32,7%).
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Construir uma infraestrutura completa requer secadores, ventiladores, sistema de energia e outros equipamentos. Esta não é a realidade da maior parte das empresas rurais do país. Dos que contam com algum tipo de armazém, um em cada cinco dispõe de silo (19,8%).
Segundo o estudo, a região Sul tem menos agricultores com armazenagem própria (76,8% não têm infraestrutura para grãos). Em seguida, estão Sudeste (67,4%), Norte (58,3%), Centro-Oeste (53,9%) e Nordeste (38,7%).
“Hoje, o agricultor produz mais, mas não tem como guardar para vender na hora adequada, pois a capacidade de armazenagem não cresce na mesma proporção. E isso não impacta só a venda por um preço melhor. Também está ligado ao transporte, pois a falta de armazenagem faz com que ele precise escoar imediatamente. O resultado é uma demanda muito grande por frete, elevando o custo do transporte”, analisa Elisangela Pereira Lopes, assessora técnica da Comissão Nacional de Logística e Infraestrutura da CNA.
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Análise da CNA mostra que, enquanto a produção de grãos aumentou 109,3% (de 149,3 milhões de toneladas para 312,5 milhões de toneladas) entre as safras 2009/2010 e 2022/2023, a capacidade estática de armazenagem no país cresceu apenas 38,4% (de 136,4 milhões de toneladas para 188,8 milhões de toneladas). Na prática, o Brasil era capaz de armazenar 91,4% da produção e, agora, só consegue reter 60,4%.
Quanto maior o tamanho médio da propriedade, maior a frequência de armazenagem, indicou a pesquisa feita com produtores rurais brasileiros pela CNA, o que reforça o peso das condições financeiras na capacidade de contar com a infraestrutura. Outra constatação foi a falta de conhecimento dos agricultores em relação ao acesso ao crédito no Brasil.
O estudo, que tem nível de confiança de 95% e usou uma amostragem de produtores proporcional à quantidade produzida de grãos em 2021, identificou que 25,9% dos agricultores que não têm estrutura de armazenagem desconhecem as linhas de financiamento – o resultado é ainda maior no Sudeste (43%) e no Nordeste (37,1%).
Apenas 35,7% disseram conhecer a linha oficial do Programa para Construção e Ampliação de Armazenagem (PCA) – o número é maior no Centro-Oeste (44,1%), no Sul (44,1%) e no Norte (39,5%). Se a taxa de juros fosse atrativa, 72,7% dos produtores rurais que não têm armazenagem disseram que fariam o investimento na infraestrutura. Esse dado é ainda maior nas regiões Norte (90,9%), Nordeste (87,2%) e Centro-Oeste (81,2%) .
O acesso ao crédito é a principal reivindicação dos produtores para incentivar a armazenagem dentro das fazendas. Segundo a pesquisa, eles gostariam de linhas de crédito específicas com taxa de juros mais atrativa (sugestões variando de 2% a 5% ao ano), maior prazo de financiamento (de 12 a 20 anos) e maior período de carência do pagamento da amortização (de 3 a 5 anos).
Já os grandes produtores afirmam que a linha oficial do PCA limita o financiamento para armazéns com capacidade de até 100 mil sacas (6 mil toneladas), o que desestimula o investimento porque a infraestrutura é incompatível e subdimensionada para suas realidades. Os pequenos agricultores indicaram a necessidade de fomentar mais a armazenagem via cooperativas, para que elas possam ampliar a capacidade oferecida.
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“Isso é relevante porque o produtor brasileiro acaba tendo uma lucratividade inferior à dos países que são nossos concorrentes. Com a perspectiva de cada vez mais termos safras recordes e diante da falta de estrutura para armazenagem, como vamos guardar a produção e escoá-la de forma mais eficiente? A expansão da produção também deve passar por mais investimento em infraestrutura”, ressalta Elisangela, da CNA.
Os produtores rurais que não têm infraestrutura de armazenagem acabam tendo que recorrer à contratação de serviços de terceiros para estocar a produção. Conforme o estudo da CNA, 66,4% optam por essa alternativa – mas a taxa é maior em regiões como Centro-Oeste (86,5%) e Sul (77,4%).
Para suprir a demanda, o fornecedor preferido são as cooperativas (51,1%), seguido de empresas especializadas em armazenagem (33,4%) e tradings (10,7%). No Sul, a preferência por serviços de cooperativa chega a 75,9% – esse número também é expressivo no Sudeste (48,2%) e Centro-Oeste (37,3%). Já os agricultores das regiões Norte (59,9%) e Nordeste (42,9%) priorizam empresas especializadas em armazenagem.
O levantamento, cujos questionários foram respondidos entre setembro e outubro de 2022, ainda revelou que a distância média que o produtor brasileiro percorre para entregar no armazém de terceiros é de 35,1 quilômetros. O Piauí tem a maior média (110 quilômetros), seguido de Maranhão (100), Rondônia (86,5), Roraima (85) e Tocantins (71,7). O Rio Grande do Sul conta com a menor (16,1), à frente de Santa Catarina (18), Paraná (19,2), São Paulo (24) e Minas Gerais (29,7).
Mais da metade dos produtores que dispõe de infraestrutura de armazenagem (54%) declararam na pesquisa que têm a intenção de expandir a capacidade para adequar ao aumento da sua produção. Já 15,9% visam, também, prestar serviços de armazenagem a terceiros, como vizinhos. As regiões onde há maior interesse em expandir a capacidade de armazenagem são Norte (82,7%) e Centro-Oeste (78,4%).
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Entre os benefícios de contar com armazenagem, os produtores relatam o uso como uma estratégia de comercialização para lucrar mais (74,8%), a possibilidade de escolher quando vender (64,9%), o maior poder de barganha na negociação (61,1%) e a redução do custo com a contratação de serviços de terceiros (60,4%).
O estudo ainda indica que 51,2% dos produtores rurais com armazém próprio relataram um ganho acima de 6% na comercialização durante a época fora da colheita na comparação com o momento em que colheram os grãos. Do total de entrevistados, 27% declararam ganhos econômicos médios acima de 11% no período.
Além disso, 23% disseram ter obtido um ganho de até 5% no preço vendido como bônus ou prêmio pelo fato de o comprador não precisar ocupar a infraestrutura própria com o produto. As regiões em que o produtor mais recebeu algum tipo desse prêmio ou bônus na hora da comercialização foram Centro-Oeste (43%) e Sul (35,3%).
A pesquisa da CNA também mostra que a média nacional entre os produtores rurais que já contam com armazenagem na propriedade é de uma capacidade de 9,5 mil toneladas. Entre as regiões, o maior volume médio é no Centro-Oeste (12,8 mil toneladas), enquanto a menor é no Nordeste (810 toneladas).
O levantamento ainda identificou que 41,2% dos produtores armazenam mais de 75% da sua produção agrícola em armazéns próprios. O Sul é onde o agricultor mais consegue armazenar acima de 75% da sua produção em infraestrutura própria (48,1%), seguido de Centro-Oeste (46,4%), Norte (37,9%), Sudeste (35,5%) e Nordeste (26,3%).
O tempo médio de armazenagem em infraestrutura própria é de 4 a 6 meses no país – relato de 42,2% dos entrevistados. Considerando quanto tempo por ano o armazém ficou ocupado, o maior número de respostas (31,6%) é que variou de 7 a 9 meses – no Centro-Oeste, entretanto, o período mais típico (34,5%) foi de 10 a 12 meses.
Por outro lado, 65% dos agricultores declararam ter havido algum tipo de perda em função da armazenagem – o nível mais comum variou entre 0,11% a 0,25% por mês armazenado. Um total de 7,9% dos produtores disse ter tido perdas acima de 1%. Já as maiores dificuldades relatadas são falta de profissionais qualificados para a operação do armazém (24,8%) e a gestão da qualidade do produto (16,5%).