COP28: o ano em que os combustíveis fósseis entraram na pauta
OPINIÃO | Decisões e anúncios que apontam para a recuperação e conservação de florestas, transformação de sistemas alimentares e subsídios a projetos de baixo carbono estão em linha com o que o mundo precisa
diretora executiva do Imaflora
Publicado em 16 de dezembro de 2023 às 07h07.
Finalizada a COP28 , é hora de fazermos um balanço do que foi debatido, de seus resultados e do que podemos esperar daqui para frente. O grande tema, sem dúvida, foi o Global Stocktake, que é um grande balanço previsto no Acordo de Paris, que serve para avaliarmos como estamos em relação aos compromissos e o que devemos fazer para superar nosso atraso no cumprimento das metas.
Ironicamente, tendo como cenário um dos maiores produtores de petróleo do planeta–os Emirados Árabes Unidos–, pela primeira vez a necessidade de fazermos uma transição no uso de combustíveis fósseis foi posta no texto do acordo, mesmo que de maneira mais atenuada do que muitos ativistas, ambientalistas, países e comunidades que já estão sendo afetadas pela crise climática gostariam. Mas, para além deste resultado principal, tivemos outros diversos resultados, anúncios, debates e acordos que preencheram essas duas semanas intensas, mas importantíssimas para nosso futuro como sociedade.
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Decisões e anúncios que apontam para a recuperação e conservação de florestas, transformação de sistemas alimentares e subsídios a projetos de baixo carbono que estão em linha com o que o mundo precisa para lidar com os grandes desafios trazidos pela emergência climática.
O Imaflora promoveu e participou de diversos eventos, como painéis sobre pecuária regenerativa e rastreável, sobre emissões brasileiras, participou de reuniões entre o Ministério das Relações Exteriores e a sociedade civil, do lançamento do Fundo Global para Conservação das Florestas Tropicais, da Cúpula dos Povos rumo à COP 30, além de encontros bilaterais com parceiros e ONGs. Também lançamos, juntamente com a Amigos da Terra e a Climate & Company, uma carta assinada por um grupo internacional de organizações para dar suporte à implementação do novo Regulamento da União Europeia para Produtos Livres de Desmatamento (EUDR).
Em termos gerais, logo no primeiro dia de Conferência, tivemos o anúncio da declaração sobre Agricultura Sustentável, Sistemas Alimentares Resilientes e Ação Climática, assinado por 152 países, que se comprometem a cooperar para maximizar os benefícios climáticos e ambientais e, ao mesmo tempo, conter e reduzir os impactos negativos associados à agricultura e aos sistemas alimentares, incluindo e integrando ações de agricultura e Sistemas Alimentares nas suas NDCs até 2025.
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Apesar de ser uma boa notícia, o acordo foca mais na questão da adaptação à crise do clima, sem apontar mais soluções para a mitigação. É preciso que todos os âmbitos do enfrentamento da crise - mitigação e adaptação - sejam trabalhados em conjunto. Com os recursos que possui, o Brasil ocupa uma posição privilegiada para liderar essa agenda, podendo compartilhar experiências, como o Plano ABC+. Mas, para isso, será preciso dar velocidade à implementação desses instrumentos no país.
Outra boa notícia, esta proposta pelo Brasil foi o lançamento do Fundo Global para a Conservação de Florestas Tropicais. A ideia é captar US$ 250 bilhões para que países que mantêm áreas de florestas possam acessar recursos proporcionais aos resultados de conservação destas áreas e combate ao desmatamento. Se, pelo contrário, as taxas de desmatamento aumentarem, os países seriam punidos e perderiam acesso ao fundo, que deve ser alimentado por países que possuem fundos soberanos. Se avançar, a ideia tem potencial para traduzir em termos financeiros a contribuição que estes países dão ao mundo com a conservação de florestas. Já o BNDES anunciou um programa com R$ 1 bilhão para recuperação de florestas (R$ 400 milhões via Fundo Clima e R$ 450 milhões via Fundo Amazônia).
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Porém, é preciso fazer com que estes recursos cheguem às áreas prioritárias e principalmente, àquelas comunidades que realmente promovem esta proteção, como os povos indígenas, quilombolas e comunidades tradicionais, por exemplo. Anúncios, como o do governo do Pará, sede da COP 30, de que pretende rastrear individualmente todo o rebanho do Estado até 2026 e recuperar 5,6 milhões de hectares de vegetação nativa até 2030, demonstram que as reuniões do clima ainda são espaços importantes para chegar a consensos e promover soluções para a grande crise atual. O que precisamos agora é que todas estas declarações se desdobrem em ações. Efetivas, justas, inclusivas e urgentes.
*O artigo é assinado em parceria com Isabel Garcia Drigo, gerente de Clima e Emissões do Imaflora; Leonardo Sobral, gerente de Cadeias Florestais do Imaflora e Renata Potenza, especialista em Clima do Imaflora