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Carne bovina: após susto, Brasil tem situação privilegiada para exportar

No mesmo dia em que o embargo foi levantado, quatro novas plantas foram habilitadas para exportar para a China — processo que não ocorria desde 2019

Carne: preços no mercado americano levaram empresa à resultados recordes (Getty Images/Getty Images)

Carne: preços no mercado americano levaram empresa à resultados recordes (Getty Images/Getty Images)

Luciano Pádua
Luciano Pádua

Editor de Macroeconomia

Publicado em 23 de março de 2023 às 18h28.

Última atualização em 23 de março de 2023 às 20h09.

Após 29 dias de suspensão nas exportações de carne bovina brasileira para a China, o maior comprador internacional, o susto parece ter passado. O embargo não durou os mais de 100 dias vistos — e temidos — em 2021. O mercado já operou aquecido nesta quinta-feira, 23, quando a arroba do boi gordo futuro de março na B3 fechou em alta de 2,5%, a R$ 293,65. Mais importante: a retomada de exportações reforça a ideia de que o Brasil é, hoje, o país mais bem posicionado no mercado internacional nesse setor. "Na cadeia global de supply chain, o brasil tem o melhor posicionamento. Temos preço, volume e qualidade de carne", diz João Figueiredo, head de pecuária da consultoria Datagro.

Uma prova é que, no mesmo dia em que o embargo foi levantado, quatro novas plantas foram habilitadas para exportar para a China — processo que não ocorria desde 2019. Agora, são 41 unidades habilitadas para esse tipo de comércio no país asiático.

Esse incremento na oferta brasileira na China se soma à abertura de acordos com outros países, como México e Indonésia, e permite projetar um bom ano para a exportação de carne brasileira. No México, foi o fim de uma longa negociação que levou mais de 12 anos. Na Indonésia, onde mais de uma dezena de plantas foi habilitada no começo do ano, a cota anual de importações de carne brasileira saltou de 20 mil para 100 mil toneladas. 

Nos Estados Unidos, onde o Brasil faz parte de um grupo de países com cota de importação anual de 65 mil toneladas, já há discussões para ampliar esse volume diante da queda do rebanho americano.  

Por isso, apesar do embargo chinês, o desempenho das exportações de carne em janeiro e fevereiro deste ano foi um dos melhores da série histórica da Secretaria de Comércio Exterior (Secex). Nos primeiros dois meses de 2023, o Brasil exportou 286,64 mil toneladas de carne in natura, resultado que é bem superior ao de 2021 e 2020 — a exceção foi o recorde bimestral do ano passado. 

"A China vem reduzindo o preço pago pela carne brasileira, e a questão de saúde recente pode levar o país asiático a tentar baixar ainda mais os preços pelo produto nacional", diz um relatório do Cepea/Esalq/USP. "Por outro lado, a dependência chinesa da carne brasileira pode levar o país a retomar as importações rapidamente."

Em nota, a Associação Brasileira das Indústrias Exportadoras de Carne (Abiec) parabenizou o trabalho do Ministério da Agricultura pela reabertura e informou que os embarques de carnes nacionais devem ser normalizados nos próximos dias.

Em um cenário macro, a estimativa do Departamento de Agricultura dos Estados Unidos é de que as exportações brasileiras de carne bovina cresçam 3,9% neste ano — a produção total deverá ficar 10,5 milhões de toneladas, ligeiramente acima das 10,3 milhões de toneladas do ano passado.

Exportação de carne bovina no Brasil (em US$ bilhões)

(Elaboração própria/Exame)

Fonte: Secex - Comex Stat - ComexVis

Vaca louca gerou perda?

Para José Augusto de Castro, presidente executivo da Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB), as eventuais perdas para os exportadores de carne foram marginais. Ele pondera que a suspensão cobriu a janela de animais embarcados de 23 de fevereiro a 23 de março. Assim, quem teve de adiar embarques os transferiu para outros mercados.

A Datagro até buscou uma estimativa — bastante noticiada — sobre prejuízos com o embargo chinês. Em uma conta aproximada, a suspensão da exportação de carne bovina brasileira para a China custou de R$ 20 milhões a R$ 25 milhões diariamente, usando como cálculo o volume de toneladas exportadas e um preço para a carcaça do boi entre US$ 4,8 mil e US$ 5 mil.

Para Figueiredo, da Datagro, o anúncio da reabertura de mercado já tem impacto, com o boi gordo sendo renegociado no patamar de R$ 300 a arroba. Para ele as importações chinesas devem voltar em peso. "Agora, temos oferta represada e demanda represada. Deve voltar bem aquecido", diz.
Ele alerta, porém, que apesar da expectativa de exportar volumes semelhantes aos de 2022, os ganhos neste ano não devem ser os mesmos por dois fatores. Assim como o Cepea, o head de pecuária da Datagro acredita que a China pressionará para baixar o preço da carne brasileira. Em julho de 2022, a carcaça chegou a ser vendida a mais de US$ 7 mil. Hoje, está em torno de US$ 4,8 mil. Além disso, o câmbio já não é tão favorável como no ano passado (a cotação da moeda saiu de R$ 5,50 em julho de 2022 para R$ 5,23). "Foi uma onda. Depois de julho [de 2022], inverteu o ciclo pecuário", diz Figueiredo.

Exportações para a China cresceram mais de 10 vezes

O crescimento de importação de carne brasileira na China foi muito significativo nos últimos anos. Em 2015, o país importou 94 mil toneladas de carne brasileira. No ano passado, 1,2 milhão de toneladas desembarcou em terras chinesas, segundo Figueiredo, head de pecuária da Datagro.
Esse incremento, naturalmente, mudou a dinâmica pecuária nacional. Para embarcarem na China, por exemplo, os animais têm de ser abatidos com até 30 meses — um desafio que demanda tecnologia e investimentos de produtores.
Figueiredo também avalia que existe, hoje, um "vício" cruzado entre os dois mercados em que um fica bastante dependente do outro. A China produz 7 milhões de toneladas de carne bovina por ano e tem uma demanda de 10 milhões de toneladas. Dessas 3 milhões de toneladas que faltam, 40% vem do Brasil.
A pecuária nacional vem tomando lugar de tradicionais exportadores de carne para o mercado chinês, como Argentina e Estados Unidos. Na Argentina, dois fatores contribuíram para uma projeção de queda de 5% nas exportações (cálculo do USDA): a política de retencion, que aumenta as taxas de exportação para garantir abastecimento interno, e a crise climática, que gerou uma das piores quebras de safra da história do país sul-americano. "Quando compromete a produção de grãos, compromete também o gado", lembra Figueiredo, da Datagro.
A retomada econômica da China também é muito importante. Figueiredo avalia que boa parte do consumo de carne no país asiático é feita em hotéis, restaurantes e instituições (setor que atende pela sigla de HRI). E os níveis de mobilidade estão pela primeira vez no patamar pré-pandemia. Some-se a isso, o aperto produtivo de Argentina e Estados Unidos, onde o rebanho diminuiu 3% no ano, e a situação é favorável.
Para ele, o episódio demonstra a necessidade de rediscutir o termo do protocolo em que o Brasil se autocensura nas exportações mesmo em casos atípicos da vaca louca —  como foi o caso. "O próximo passo vai ser discutir uma revisão desse protocolo. Não faz sentido de mercado, sanitário. Não pode comprometer uma cadeia desse tamanho. O Brasil tem de estar mais protegido no arcabouço jurídico e internacional", diz Figueiredo.
O embargo da carne brasileira não foi nada bom. O prognóstico, pelo menos, é positivo — mais uma demonstração da competitividade do agronegócio nacional.
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