A fantástica fábrica de ovos que ajuda na produção de vacinas do Butantan
Há 14 anos a paranaense Globobiotech produz ovos em uma granja que funciona como um laboratório totalmente controlado
Gilson Garrett Jr
Publicado em 7 de maio de 2021 às 06h30.
Última atualização em 7 de maio de 2021 às 13h16.
A produção da vacina contra a gripe no Brasil depende de ovos de galinha. Assim como o país é um dos líderes globais do agronegócio , o Instituto Butantan é referência mundial no uso de ovos com embriões das aves para a produção de imunizantes. É esta mesma técnica que será utilizada no desenvolvimento de uma nova vacina contra o coronavírus , a chamada Butanvac .
A produção de vacinas a partir de ovos de galinha no Brasil data da década de 1930, quando a Fundação Oswaldo Cruz começou a produzir a vacina contra a febre amarela .De acordo com Natalia Pasternak,microbiologista e presidente do Instituto Questão de Ciência, a técnica que utiliza ovos embrionados permitiu um avanço no desenvolvimento de vacinas no país.
"É uma forma mais barata de propagar microrganismos. Para isso, você precisa de algum tipo de cultura celular. Pode fazer com cultura de células de mamíferos, com cultura de bactérias, ou com o ovo. O ovo é uma boa célula também. A gente tem no Butantan a expertise e a estrutura montada e certificada, além de toda uma equipe treinada", explica.
Mas antes do ovo virar vacina em laboratório, há toda uma cadeia de produção e transporte dos chamados Ovos Livres de Patógenos Específicos. A paranaense Globobiotech responde por 70% do fornecimento dos ovos para o Butantan, com 100 milhões de unidades por ano.
A empresa é o braço de biotecnologia do grupo Globoaves, com sede em Cascavel, no oeste do Paraná , especializado em matrizes para produção de ovos férteis, que vão gerar os pintinhos para as granjas convencionais.
O faturamento total do grupo é de 1,2 bilhão de reais por ano. O desenvolvimento de ovos para a produção de vacinas corresponde a 10% do negócio, e o valor pago por unidade não é relevado por questões contratuais.
O casamento entre Butantan e a Globobiotech começou em 2007, quando a empresa foi procurada pelo instituto paulista para criar ovos especiais para o desenvolvimento de vacinas, como explica Roberto Kaefer, fundador e diretor da empresa.
“Quando começamos, não tinha nada para produzir um ovo especial no Brasil. Fomos conhecer os processos da Europa e entender o que era necessário para a produção de ovos controlados. Naquela época, o Ministério da Agricultura não tinha sequer uma norma para este desenvolvimento”, lembra.
Para produzir todo este volume a empresa construiu, ao longo de 14 anos, quatro núcleos no estado de São Paulo - localizados nos municípios deItirapina e de São Carlos -totalmente diferente das granjas convencionais. No caso da produção dos ovos controlados, a galinha e o galo precisam vir primeiro. Kaefer explica que há uma seleção genética. A Globobiotech trabalha com aves de plumagem branca e marrom, chamadas de raças Novogen e a Hisex.
São cerca de 550 mil animais que produzem por até 60 semanas os ovos para o Butantan. A título de comparação, as galinhas que produzem ovos para consumo produzem por cerca de 100 semanas.
As aves ficam em uma espécie de laboratório em que tudo é controlado. O ar, por exemplo, é 100% renovado a cada 3 minutos. Os ninhos, comedouros e bebedouros são automatizados. “Há uma estrutura construída para este fim. O telhado é isotérmico, e há um maquinário que coleta os ovos de forma automatizada”, explica Kaefer.
As granjas estão localizadas em áreas isoladas, cercadas por barreiras sanitárias naturais de reflorestamento, com rigoroso controle de acesso, restrito aos colaboradores e um rígido protocolo sanitário. Todas as pessoas que trabalham no local, antes de entrar, passam por várias etapas de descontaminação.
Os ovos selecionados passam por um teste chamado de ovoscopia para verificar se há um embrião saudável, ainda em fase inicial de desenvolvimento, dentro dele, antes de ser enviado ao Butantan. Cerca de 65% conseguem ser aprovados por esta etapa de controle de qualidade. No caso da vacina contra a influenza, as entregas são feitas entre setembro e abril.
Até mesmo o transporte precisa seguir regras rigorosas. Roberto Kaefer afirma que caminhões com câmara frigorífica foram adaptados especialmente para as necessidades da empresa. Ele chama esses veículos de “máquina incubadora ambulante”. Entre as adaptações estão o controle de temperatura (cerca de 30° C) e garantir que o caminhão tenha 70% de umidade.
Quando o ovo chega ao Butantan
O processo de fabricação de ambas as vacinas - gripe e covid19 - é semelhante. Ao chegar no Butantan, os ovos passam pelo controle de qualidade. Depois disso, ficam em uma área totalmente isolada do laboratório. Os ovos recebem uma versão modificada do vírus que leva até 72 horas para se multiplicar. Na próxima etapa, é retirado o líquido em que há essa grande concentração de vírus.
Só então ocorrem as etapas de purificação, clarificação, filtração, e inativação química do vírus, dando origem ao chamado IFA (Ingrediente Farmacêutico Ativo), que é processado e envazado. Cada ovo pode dar origem a até 3 doses de vacina.
“Em aproximadamente 11 dias teremos o monovalente finalizado, que fica armazenado em câmara fria”, diz Douglas Gonçalves de Macedo, gerente de produção do prédio de fabricação da vacina influenza do Butantan.
A Butanvac ainda não recebeu a autorização da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) para realizar os testes de fase 2 e 3 em seres humanos. Apesar disso, já começou o processo de produção da vacina. A Globobiotech fez uma primeira entrega de 520 mil ovos para iniciar esta produção. De acordo com Dimas Covas, diretor do Butantan, nesta primeira etapa, que vai até o dia 18 de maio, serão fabricadas 6 milhões de doses do imunizante.
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