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Uma biblioteca por aluno

Para a professora Léa Fagundes, da UFRGS, o uso de computadores em sala de aula pode trazer grandes benefícios à educação

EXAME.com (EXAME.com)

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Da Redação

Publicado em 9 de outubro de 2008 às 12h37.

A professora Léa da Cruz Fagundes, coordenadora de pesquisa no Laboratório de Estudos Cognitivos da Universidade Federal do Rio Grande do Sul e assessora do Ministério de Educação, é umas das pedagogas mais respeitadas do país. Responsável por avaliar as opções de computação de baixo custo para o governo federal, Léa concedeu uma entrevista a EXAME em que fala de seu trabalho e de suas expectativas em relação ao projeto.

EXAME - Em que consiste o trabalho que está sendo feito na UFRGS com computadores de baixo custo para fins educacionais? Trata-se de uma análise técnica, econômica ou pedagógica?

Léa Fagundes - O governo solicitou ao MEC um estudo sobre as possibilidades de um novo modelo de inclusão da escola pública na cultura digital - em vez de laboratórios de informática, um laptop para cada aluno. E o MEC criou o Projeto UCA - Um Computador por Aluno -, que se constitui de dez pilotos para testar três tipos de laptop: o XO, da OLPC; o Classmate, da Intel; e o Mobilis, da Encore. Nossa pesquisa, no Laboratório de Estudos Cognitivos (LEC/UFRGS), está dirigida para uma análise técnica, econômica e pedagógica. Mas, além disso, pretendemos produzir modelos de novas práticas pedagógicas e recursos didáticos para que os professores usem as tecnologias de modo inovador para melhorar a qualidade do sistema de educação brasileira. Buscamos uma inovação curricular que trate o desenvolvimento da inteligência dos alunos, a melhoria do processo de aprendizagem e uma "escola expandida" envolvendo família e comunidade, pois cada aluno leva seu laptop para ser usado em casa.

EXAME - Quais as conclusões gerais até o momento?

Léa - Começamos o trabalho em janeiro de 2007, quando recebemos os primeiros dez protótipos do XO. Os gestores e professores da escola convidada para os testes, onde não havia laboratório de informática, aderiram espontaneamente. Devo frisar que esta adesão tem sido responsável e entusiasta, a ponto de muitos professores voltarem antes das férias para iniciar oficinas de formação. Começamos a formar paralelamente 12 alunos de 7ª e 8ª séries como monitores para ajudarem aos menores. Dos 100 protótipos que a OLPC nos enviou, depois de um longo período de desembaraço na alfândega, recebemos 50, no dia 21 de março. O MEC nos avisou que outros 50 já foram enviados por rodovia. Não recebemos qualquer ajuda financeira, mas conseguimos as instalações, inclusive access points para rede sem fio, para as duas primeiras salas de 4ª série, com 43 alunos entre nove e 13 anos. Logo que chegarem os outros 50 serão incluídos as duas turmas de 6ª série. Esperamos mais 300 laptops XO para entregá-los a todos os alunos de 1ª a 8ª série e para os seus professores. Ainda não há conclusões, mas já temos muitos dados que estão sendo sistematicamente recolhidos e documentados. Estamos levantando o diagnóstico inicial com aplicação de provas psicológicas e gravando e filmando o desempenho dos alunos individualmente e em grupo. A direção da escola já realizou uma reunião com todos os pais e está fazendo reuniões semanais com a participação ativa e colaborativa das famílias.

EXAME - A senhora analisou os três equipamentos que poderiam vir a ser adotados pelo governo federal? Qual seu parecer sobre cada um deles?

Léa - O Classmate e o Mobilis, como todos os outros que estão aparecendo, são PCs menores do que os desktops que usamos até agora na escola e com preço muito menor. Entretanto, eles fazem o que um PC faz. Noto que os adultos se encantam porque são familiares e servem a diferentes atividades. Mas é preciso registrar que o PC não foi desenvolvido para a educação, por isso temos de adaptar os aplicativos destinados ao uso em geral e precisamos desenvolver software educacional para que sirvam ao ensino. O XO não é um PC, é um novo computador. Ele foi desenvolvido para servir à educação. É o resultado de décadas de pesquisas no Lab Media do MIT como uma máquina das crianças, um equipamento que serve para construir conhecimentos. A teoria em que se fundamenta é o "construcionismo" - que se opõe ao "instrucionismo". Em nosso LEC, há 30 anos estudamos os problemas de aprendizagem, os fracassos da escola e as insuficiências do ensino. Temos uma grande produção de pesquisa em dissertações de mestrado e teses de doutorado. Por isso estamos nos propondo a produzir modelos de inovação das práticas pedagógicas que possam revolucionar a escola da era industrial. Ela serviu muito, mas estamos agora numa nova era: a da sociedade do conhecimento. E agora já estão disponíveis conhecimentos que os professores não tinham.

EXAME - Do ponto de vista pedagógico, há certeza de que o investimento nesses equipamentos é mesmo o melhor que se poderia fazer para aprimorar a educação fundamental e média no Brasil com esses recursos? Pode-se afirmar com segurança que o uso de equipamentos de informática melhora a qualidade das aulas?

Léa - O sistema precisa preparar-se para atender a essa imensa população de 55 milhões de crianças e de jovens da escola pública brasileira. Com o laptop XO, um aluno pode ter sua própria biblioteca de 300 livros, ainda que em sua escola não haja biblioteca. Isso já não é uma garantia de melhorar suas oportunidade de acesso à informação? Ele pode se comunicar com os próprios especialistas, pesquisadores, autores, pode acessar e produzir comunicação nos diversos códigos e linguagens. E os professores terão ampliados exponencialmente seus recursos. Os próprios jovens podem ajudar seus professores nesta apropriação. Todos podem fazer música, filmes, mídias, robótica, simulações. A inovação vai mais longe. Novas organizações poderão substituir as "aulas". Poderemos ter ambientes de intensa atividade de estudo, prática das artes, desenvolvimento de atitudes reflexivas, exercendo o poder de pensar, de pesquisar, de criar. Precisamos mudar de paradigma para entender qual é a contribuição dos equipamentos digitais; devem servir à pesquisa, à experimentação, à comunicação, à expressão.

EXAME - Em países desenvolvidos, como Alemanha ou Japão, há uso intensivo de informática em sala de aula para crianças e adolescentes?

Léa - Essas mudanças são tão difíceis de serem pensadas que, mesmo nos países desenvolvidos economicamente, a escola e os sistemas de ensino não se transformam. Mas precisamos refletir: o que nossa educação está gerando, mesmo quando acreditamos que ela é de boa qualidade? Queremos uma escola com alto rendimento? Mas estamos desenvolvendo homens, não treinando seres dependentes. Esse rendimento do ensino não pode ser limitado a dar respostas certas, ele precisa ser expresso por uma consciência ampliada, uma apropriação da cultura, por atitudes éticas, por raciocínios claros. Nesse caso, os professores precisam continuar aprendendo, como verdadeiros parceiros de seus alunos.

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