Assange, do WikiLeaks: EUA teriam dado ordens para recolher inteligência humana nacional (Dan Kitwood/Getty Images)
Da Redação
Publicado em 30 de novembro de 2010 às 08h54.
Paris - Os segredos da diplomacia americana, da espionagem dentro da ONU e dos principais dirigentes do mundo, foram revelados neste domingo pela publicação através do site Wikileaks de 250.000 documentos que ameaçam provocar uma crise diplomática mundial.
O WikiLeaks divulgou por meio de cinco jornais de referência mundial "250.000 documentos que desnudam a visão que os Estados Unidos têm do mundo", afirma uma destas publicações, o britânico The Guardian.
"O maior vazamento da história", como classifica nesta segunda-feira o jornal espanhol El País, as mais de 251.000 notas diplomáticas que, entre 2004 e 2010, foram trocadas entre o Departamento de Estado e inúmeras embaixadas, e que começaram a ser publicadas no domingo pelas versões eletrônicas do New York Times (Estados Unidos), Le Monde (França), El País (Espanha), The Guardian (Grã-Bretanha) e Der Spiegel (Alemanha).
Os documentos foram analisados por 120 jornalistas das cinco publicações, que consideraram que sua "missão era colocá-los à disposição dos leitores".
As postagens do Wikileaks indicam que os Estados Unidos ordenaram a seus diplomatas que atuassem mais ativamente no recolhimento de informações e realizassem tarefas de espionagem e também revelam as opiniões americanas sobre os líderes estrangeiros, além dos pedidos da Arábia Saudita para que o Irã fosse atacado por causa de seu programa nuclear.
Os documentos afirmam que os funcionários do Departamento de Estado tinham ordem de obter informações pessoais de altos funcionários da ONU e figuras-chaves de países em todo o mundo.
Os textos se referem a tarefas tradicionalmente reservadas à Agência Central de Inteligência (CIA) e outras agências de espionagem, que foram transmitidos a embaixadas americanas na África, Oriente Médio, Europa Oriental, América Latina e a missão de Washington ante a ONU.
Um dos documentos, por exemplo, enviado aos diplomatas em nome da secretária de Estado Hillary Clinton, em julho de 2009, ordena que sejam obtidos detalhes técnicos dos sistemas de comunicação dos principais funcionários da ONU, indica The Guardian.
Isso inclui palavras-chave e códigos de encriptação pessoais utilizados em redes comerciais e privadas para comunicações oficiais.
O New York Times indica que um documento assinado por Hillary pede a seus funcionários na ONU que obtenham "informação biográfica e biométrica dos principais diplomatas a Coreia do Norte".
The Guardian acrescenta que a ordem também visava ao recolhimento de dados do secretário-geral Ban Ki-moon, em especial sobre "seu estilo de gerenciamento e tomada de decisões, além de sua influência sobre o secretariado".
Washington também pede os números dos cartões de crédito, endereços eletrônicos, números de telefone, fax e, inclusive, as contas de passagens aéreas dos altos funcionários das Nações Unidas.
A ordem secreta para obter "inteligência humana nacional" foi enviada às missões dos Estados Unidos na ONU, Viena, Roma e 33 embaixadas e consulados.
As Nações Unidas anunciaram horas depois, em um comunicado, que "não se encontram em posição de comentar sobre a autenticidade dos documentos".
De qualquer maneira, disse confiar que os Estados membros respeitem a imunidade garantida à organização mundial.
Entre outros temas delicados, os documentos vazados pelo Wikileaks revelam, por exemplo, que o rei Abdullah da Arábia Saudita teria pedido aos Estados Unidos que ataquem o Irã para destruir o programa nuclear iraniano.
O monarca saudita teria solicitado que os Estados Unidos "cortassem a cabeça da serpente" e afirmou que trabalhar com Washington para contrabalançar a influência iraniana no Iraque era "uma prioridade estratégica para o rei e seu governo".
Segundo outro documento, Israel teria pressionado os Estados Unidos a adotar uma posição mais firme com relação ao Irã em dezembro de 2009, ao afirmar que a estratégia americana de negociação com Teerã "não funcionava".
As revelações também dizem respeito ao que os Estados Unidos pensariam dos principais líderes mundiais. O chefe de Estado italiano, Silvio Berlusconi, por exemplo, é considerado irresponsável, e suas colega alemã, a chanceler Angela Merkel, "pouco adepta dos riscos e raramente criativa".
Outros funcionários descrevem o presidente francês Nicolas Sarkozy como "suscetível autoritário" e afirmam que o presidente afegão Hamid Karzai é "extremamente fraco".
As suspeitas sobre uma possível presença da Al-Qaeda na "tríplice fronteira" entre Brasil, Paraguai e Argentina, a decisão de isolar o presidente venezuelano Hugo Chávez e as "suspeitas" em Washington a respeito da presidente argentina, Cristina Fernández de Kirchner, são os primeiros assuntos sobre a América Latina revelados por estas notas diplomáticas.
Segundo o The Guardian, Washington pediu em 2008 a seus diplomatas que investigassem a possível presença da Al-Qaeda e de outros "grupos terroristas" islamitas na "tríplice fronteira". A região tem muitos imigrantes de países árabes e é cenário de uma arrecadação de fundos para organizações como o Hezbollah libanês ou o Hamas palestino, e está na mira desde o atentado de 1994 contra a mutual judaica AMIA de Buenos Aires (85 mortos).
O jornal El País revela os esforços americanos para "isolar" Chávez, sobre quem um conselheiro diplomático do presidente francês Nicolas Sarkozy afirmou que "está louco".
Hillary Clinton chega a solicitar informações sobre a saúde mental da presidente argentina, que desperta "suspeitas" e, Washington, indicam as notas.
Numa primeira reação, a Casa Branca condenou "nos termos mais fortes a publicação irresponsável e perigosa" desses documentos, afirmando que a iniciativa do WikiLeaks poderá fazer com que muitas pessoas corram riscos mortais.
"Que isto fique claro: tais revelações fazem nossos diplomatas correrem riscos", afirmou o porta-voz do presidente Barack Obama, Robert Gibbs.
Além disso, Londres, Paris, Berlim, Bruxelas e Roma condenaram a publicação "irresponsável e perigosa desses documentos", que, segundo Le Monde e The Guardian "estão desatando uma crise diplomática mundial", cujo impacto foi resumido pelo chanceler italiano, Franco Frattini: "É um 11 de setembro para a diplomacia mundial".