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Por que os ingleses pensam em desregulamentar o mercado de TV

O fracasso da ITV Digital e a barreira inicialmente imposta a que Rupert Murdoch pudesse ter um canal de TV digital serviram de lição aos reguladores. Ficou claro no que pode dar o excesso de intromissão em setores competitivos. É por isso que o projeto do novo Communications Act (a legislação básica dos setores de […]

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Da Redação

Publicado em 9 de outubro de 2008 às 12h32.

O fracasso da ITV Digital e a barreira inicialmente imposta a que Rupert Murdoch pudesse ter um canal de TV digital serviram de lição aos reguladores. Ficou claro no que pode dar o excesso de intromissão em setores competitivos. É por isso que o projeto do novo Communications Act (a legislação básica dos setores de telecomunicações e mídia, apresentada pelo governo no mês passado) tem a assinatura da mão invisível do mercado. Num passo sem precedentes no mundo, o governo britânico propõe abolir totalmente as barreiras ao capital estrangeiro nas empresas de mídia.

Grupos americanos como AOL-Time Warner e Disney poderão fazer suas ofertas pelos canais de TV e estações de rádio do Reino Unido exceção feita à BBC, que continua pública. Outras barreiras também caíram ou foram relaxadas, entre elas as regras de propriedade cruzada, que impediam a compra de canais de TV aberta por grupos com mais de 20% do mercado nacional de jornais. Na prática, isso significa que Rupert Murdoch (que também é dono do jornal mais vendido no país, o The Sun) poderá realizar o velho sonho de ter um canal de TV aberta. O mercado será supervisionado por uma super agência reguladora, a Ofcom, que nascerá da fusão de cinco agências menores (entre elas a Oftel, equivalente em escopo à nossa Anatel). Os britânicos pretendem dessa forma alcançar uma regulação mais racional, sem conflitos de competência entre reguladores nanicos. Querem um sistema que garanta a competição saudável em vez de inibi-la. A liberalização radical é um exemplo a ser estudado pelo Brasil, onde a abertura do setor de comunicação ainda começa a ser discutida, com a emenda constitucional que permite ao investidor estrangeiro ter 30% do capital de jornais, rádios e TVs.

Também vale a pena dedicar atenção ao debate sobre o tamanho do mercado de TV. Vivi Theodoropoulou, pesquisadora da London School of Economics, acredita que o acesso a 300 canais é um falso beneficio: Uma família inteira assiste a, no máximo, 20 canais, incluindo os de desenho animado. Parece-me que a liberdade de escolha do ambiente multicanal é uma ferramenta de marketing eficiente, mas não algo que os assinantes realmente exercem . Raciocínio reforçado pelos índices de audiência. Apenas os treze canais mais assistidos nas plataformas de TV digital do Reino Unido superam a média de 1% entre eles os canais da BBC, os especializados em esporte e o Discovery Channel. É o caso de perguntar, portanto, se não estamos prestes a assistir a uma consolidação de mercado, com pequenos canais sendo engolidos pelos maiores. É exatamente essa a minha opinião , afirma Peter Marshall, diretor técnico do Digital Television Group. A partir de quinze canais as audiências ficam muito fragmentadas, é difícil manter operações lucrativas. Além do mais, é possível atender aos interesses de públicos específicos com tecnologias como o vídeo sob encomenda. Os executivos da BSkyB, porém, mantêm a aposta na abundância de canais. Continuamos acreditando em liberdade de escolha. Acho que a tendência é mais canais, não menos , diz Robert Fraser, diretor da BSkyB.

Consenso entre todos é que marcas fortes ajudam a produzir vencedores. Quando estreou, em março passado, o BBC 4 conseguiu logo na primeira semana atingir 5% da audiência da TV digital. Não é pouco para um canal especializado em arte, debates e programas voltados para a parcela mais elitizada do público. Bons canais abertos são importantes para convencer o publico a migrar para a plataforma digital , diz Michael Starks, diretor de projetos da BBC. A transição do analógico para o digital, alias, é um objetivo estratégico do governo britânico. Quanto antes as transmissões analógicas se encerrarem, mais cedo as freqüências estarão liberadas para ir a leilão e reforçar o tesouro de Sua Majestade.

A experiência britânica e os debates sobre custos, audiências e estratégias de mercado levantam questões importantes para o Brasil. Qual o ritmo desejável de expansão da plataforma digital? Haverá capital para a renovação da infra-estrutura analógica? Nacional ou estrangeiro? Quantos canais podem coexistir com boa saúde financeira? Questões como essas remetem ao trabalho do economista Joseph Schumpeter, um dos nomes mais importantes na historia da teoria econômica. Ele argumenta que a inovação tecnológica demanda investimentos pesados e um acúmulo de capital difícil de alcançar em mercados fragmentados. No seu clássico Capitalismo, Socialismo e Democracia , Schumpeter teoriza sobre o dificil equilíbrio entre inovação e competição perfeita: A introdução de novos métodos de produção é dificilmente concebível com competição perfeita desde o inicio. De fato, a competição perfeita é e tem sido sempre suspensa temporariamente, sempre que algo de novo é introduzido mesmo que em condições inicialmente competitivas . A economia americana no século 20 comprovou a teoria: o fato de a AT&T ter sido um monopólio até os anos 80 permitiu aos Estados Unidos desenvolver o sistema de telecomunicações mais complexo do mundo.

Por outro lado, não se pode desprezar a oportunidade gerada pela tecnologia digital: com mais canais e novos competidores, o mercado de TV brasileiro pode ganhar um desenho mais dinâmico e plural. Tal disputa envolve investimentos, empregos, política industrial em uma palavra, poder. No Reino Unido, ele é travado às claras. No Brasil, ainda não começou e deve ficar mesmo para o próximo governo. Dependendo dos resultados, pode ser que daqui a quatro anos a TV digital já seja uma realidade em milhões de lares do pais. E, quem sabe, na Copa de 2006, não teremos mais nenhuma razão para invejar os ingleses nem mesmo os fascinantes serviços interativos na transmissão de partidas de futebol...

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