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Na Finlândia, o medo da guerra criou um cenário prospero para startups de defesa

A indústria de defesa do país nórdico triplicou número de empresas em duas décadas e atraiu investimentos bilionários em resposta à crescente tensão com a Rússia

Rafal Modrezwsk: CEO e fundador da startup de defesa ICEYE (ICEYE/Divulgação)

Rafal Modrezwsk: CEO e fundador da startup de defesa ICEYE (ICEYE/Divulgação)

André Lopes
André Lopes

Repórter

Publicado em 20 de novembro de 2024 às 07h06.

Última atualização em 20 de novembro de 2024 às 09h13.

HELSINQUE - A invasão da Ucrânia pela Rússia, em 2022, acelerou uma transformação significativa na Finlândia, que, até então, vivia em um estado de neutralidade em termos militares. A adesão à Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN) em 2023, unindo-se à aliança após décadas de fora, resultou em ameaças da Rússia e agora exige alistamento obrigatório dos homens e um retorno anual aos quartéis para atualização de habilidades e estratégias de combate.

Por consequência do clima de tensões, o ambiente empreendedor também se voltou ao militarismo. Ao longo das últimas duas décadas, o país assistiu a um crescimento vertiginoso na criação negócios voltados à defesa, saltando de 8 em 2000 para 23 em 2023. Esse aumento inesperado em um setor antes restrito e com uma média de 2 a 4 empresas por década durante o século XX mostra a resposta da indústria à urgência de modernização e adaptação.

Um dos casos mais emblemáticos desse fenômeno é o da ICEYE, uma startup que foi criada em 2014 com um foco inicial no monitoramento climático por satélite.

A empresa se especializou nos dispositivos que funcionam com um radar de abertura sintética (SAR, Synthetic Aperture Radar), tecnologia utilizada para observar a Terra transpassando nuvens, poluição e outras condições climáticas usando frequências de luz e rádio. No entanto, à medida que as tensões geopolíticas na região aumentaram, a ICEYE rapidamente pivotou seu modelo de negócio.

"Em 2018, lançamos nosso primeiro dispositivo. E neste ano, a empresa já havia colocado em órbita mais de 38 satélites SAR, mantendo a maior constelação de satélites do mundo com essa tecnologia", conta Rafal Modrezwsk, CEO e cofundador da ICEYE. Modrezwsk explica como a dimensão da constelação permite, além de fotos noturnas, uma atualização em alta definição de qualquer parte da Terra com intervalos de 1 hora. 

Com tantos satélites em órbita, logo a tecnologia se mostrou útil para Ucrânia suportar a guerra. Em agosto de 2022, a startup firmou um contrato com a Serhiy Prytula Charity Foundation, proporcionando ao governo ucraniano acesso a imagens de radar de alta resolução para monitoramento de áreas críticas da região em guerra. "Esse acesso à tecnologia de ponta permitiu que as forças ucranianas obtivessem informações vitais, antecipando ataques e traçando estratégias de artilharia", diz Modrezwsk.

O papel da ICEYE não é um caso isolado. Outras startups de defesa da Finlândia também têm ganhado destaque. A Sensofusion, por exemplo, desenvolveu o Airfence, um sistema de defesa projetado para detectar e neutralizar drones, um tipo de ameaça cada vez mais relevante em cenários de guerra modernos.

A empresa, que tem uma abordagem de produção massiva e preços fixos, destaca-se pela padronização de seus produtos, o que os torna mais acessíveis a uma variedade de clientes, incluindo forças militares de diferentes países da OTAN.

Além de inovações tecnológicas, a Finlândia tem atraído investimentos substanciais para o setor de defesa. De acordo com Youssef Zad, economista-chefe da Finnish Startup Community, o volume de licenças concedidas para exportação de produtos de defesa quintuplicou nos últimos anos.

O valor estimado dessas exportações atingiu 2,6 bilhões de euros em 2023, e a previsão é que esse número chegue a 10 bilhões de euros até 2030. "A razão desse crescimento está em grande parte no apoio estratégico da União Europeia, que visa aumentar a participação de países da OTAN nas aquisições de defesa, diminuindo a dependência de fornecedores dos Estados Unidos", conta Zad.

Esse movimento de expansão da indústria de defesa na Finlândia reflete também uma mudança no comportamento de investidores. Keith Bonnici, diretor de investimentos da Tesi, um dos maiores fundos de venture capital do país, gerencia mais de 200 milhões de euros e ampliou suas operações para investir não só em empresas tecnológicas convencionais, mas também em empresas de defesa e segurança, com investimentos que podem atingir 50 a 60 milhões de euros até o fim do ano. Sinal de que empreender virou questão de sobrevivência.

(O repórter viajou a convite da Business Finland)

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