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"Midas" da tecnologia aposta em energias renováveis

Um dos primeiros investidores a acreditar em empresas como Google e Amazon, o americano John Doerr agora volta sua atenção para etanol, painéis solares e carro híbrido

EXAME.com (EXAME.com)

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Da Redação

Publicado em 9 de outubro de 2008 às 12h35.

Não há nenhum exagero em chamar John Doerr de lenda ou Midas do Vale do Silício. Sócio do fundo de capital de risco Kleiner Perkins Caulfield & Byers desde 1980, Doerr foi um dos investidores iniciais em empresas como Sun Microsystems, Amazon e Google. Juntas, essas três empresas valem hoje quase 230 bilhões de dólares. De dois anos para cá, Doerr voltou suas atenções para a energia renovável. Tem em seu portfólio empresas de painéis solares, de etanol de celulose e, mais recentemente, a Fisker, fabricante de um carro híbrido. Ele falou a EXAME de seu escritório em Menlo Park, o coração do capital de risco nos Estados Unidos.

Portal Exame -Por que há tanto interesse de empresas de capital de risco do Vale do Silício - tradicionalmente ligadas à tecnologia da informação - em energia renovável?

Esta é uma boa pergunta, e eu vou reformulá-la. Por que agora? A primeira razão está nas forças do mercado, no etanol, nos combustíveis e no preço verificado nas bombas hoje. Há uma nova demanda global, principalmente na Índia e na China. Existem também as pressões e alertas para a questão climática. Estamos atingindo vários marcos históricos na nanotecnologia e na biotecnologia. A razão final é que a cada dois anos dobra o poder de processamento dos computadores, a chamada Lei de More. O poder de computação que temos num PC hoje era algo inimaginável cinco anos atrás. Juntos, esses fatores permitem inovações incríveis. Nós acreditamos que podemos fazer uma reengenharia do metabolismo de micróbios e insetos para que eles possam ingerir açúcar e gerar biodiesel, por exemplo.

Portal Exame -O senhor acredita que a indústria automotiva esteja passando por uma das maiores transformações em sua história?

Sim. Nós temos visto que a inovação na indústria automotiva norte-americana tem sacudido o setor pelas bases, por gigantes como a Toyota. A indústria está mudando muito lentamente, mas está. Dois carros híbridos plug-in já foram lançados em Detroit, a General Motors tem um programa com milhares de engenheiros trabalhando em um projeto do gênero. Nós mesmos estamos apoiando uma empresa de veículos elétricos chamada Fisker, de luxo. Então, eu acho que teremos nos próximos anos mais novidades do que eu já vi na indústria automotiva durante a minha vida toda.

Portal Exame -As inovações virão de fora das grandes companhias, como ocorre na indústria de TI?

Sim. Nós temos visto isso há tempos na indústria. Você conhece o trabalho (da antropóloga americana) Margaret Mead? Ela diz: "Nunca subestime a habilidade de um pequeno grupo de pessoas, eles podem mudar o mundo." Essa é a única certeza. Eu digo: nunca subestime a habilidade de empreendedores de transformar ou criar uma nova indústria.

Portal Exame -O Vale do Silício será um novo pólo de desenvolvimento da indústria automobilística?

Eu diria que não. Os melhores projetos que estamos apoiando, senão todos eles, são procedentes de bases localizadas fora do Vale do Silício. São pessoas que têm experiência na indústria, empreendedores do ramo automotivo. Eu acredito que a equipe importa e essa é uma equipe vencedora nessa indústria.

Portal Exame -Seu fundo acaba de anunciar um investimento numa empresa que quer fazer um carro elétrico. Mas essa tecnologia tem um desafio importante: os locais de recarga.

Temos duas perguntas em uma. Primeiro em relação às estações de carregamento com carros elétricos e híbridos plug-in. Posso dizer que ambos, especialmente os carros híbridos - em que o motorista pode girar simplesmente a chave elétrica para carregar - não têm esse problema. Eu tenho um Prius que foi adaptado para que possa carregar numa tomada. Ele fica plugado uma tomada convencional na minha garagem, durante a noite. Portanto, não acredito que vamos ter um problema de estações de carregamento.

Portal Exame -Com quase 30 anos de experiência na área de capital de risco, como o senhor compararia o estágio atual da indústria de energia renovável com o início da indústria de tecnologia da informação?

A indústria de energia renovável, ou indústria de energia em si, é muito maior do que era a indústria de TI. É global, tanto em demanda quanto em fontes de inovação, em liderança e oportunidades. Existem muito mais políticas e regulamentações na indústria de energia do que existiam na indústria de TI. Além disso, custa muito mais dinheiro para começar ou construir um negócio em energia renovável do que na indústria de TI. Na área de energia, como o mercado é muito amplo, podem existir vários vencedores. Na indústria de TI, os mercados são menores e, graças aos efeitos de rede, podemos ver uma única empresa vencedora. A Microsoft é uma dessas vencedoras no mercado de sistemas operacionais para PCs, como o Google o é no negócio das buscas na internet. Isso não acontece na energia.

Portal Exame -Então esses são diferentes tipos de investimento para empresas de capital de risco?

São indústrias muito diferentes e, assim, constituem investimentos diferentes. Além disso, o tempo para criar uma companhia poderosa em tecnologia é menor. Eu estimo a metade do tempo que se leva para criar e cultivar uma empresa de energia limpa. Eu diria que para os investimentos em internet, esse período médio é de cinco anos. Para a indústria de energia, é provável que fique entre cinco e dez anos. Em biotecnologia o tempo varia entre 10 a 15 anos. Eu digo que (na minha área) o tempo é varia entre os tempos de TI e biotecnologia.

Portal Exame -O senhor fez algumas apostas de muito sucesso em empresas de TI no passado e esta é provavelmente uma indústria que você conhece muito. Você tem usado a mesma fórmula com energia? Quão confortável você se sente em fazer esses novos investimentos?

Nossa equipe se sente bastante confortável em fazer investimentos nessa área. Existem dois tipos de investimentos que fazemos. O primeiro é em tecnologias inovadoras, que têm riscos técnicos atrelados, mas nós fazemos porque elas funcionam e porque estão em um grande mercado. Se você pode viabilizar economicamente a transformação de cana-de-açúcar em biodiesel, certamente existirá um grande mercado para isso. Se nós podemos fazer células solares que são 50% mais eficientes e econômicas, também teremos grandes mercados, por isso, investimos. Os outros tipos de investimentos que estamos fazendo têm menos riscos técnicos e menos vantagens, mas devem atingir bom desempenho. Estamos construindo times excelentes e estamos preparados para fazer esses investimentos também. Esses últimos são em muitas formas mais arriscados. Eles não têm o risco técnico, mas também não têm vantagem tecnológica.

Portal Exame -Essas companhias podem, de alguma forma, atrapalhar a liderança que o Brasil tem hoje?

Todas elas fornecem tecnologia computacional. Eu não acredito que possa atrapalhar a liderança em tecnologia. A cana-de-açúcar é um incrível recurso que o Brasil tem. Eles não vão atender as necessidades mundiais ou dos Estados Unidos, mas é uma vantagem estratégica poderosa para a economia brasileira. Eu estou ansioso para aquilo que considero medidas não inteligentes para os Estados Unidos aplicarem ao açúcar brasileiro e admiro que o Brasil tenha criado empregos e fortalecido a economia.

Portal Exame -O senhor visitou o Brasil?

Sim.

Portal Exame -O que viu? O que causou maior impressão na indústria do etanol? Daquilo que você aprendeu, o que aplicou às companhias investidas?

Tinha lido muitas coisas, mas só me dei conta da liderança do Brasil nesse campo quanto voltei. Eu passei vários dias, participei de dez reuniões em três cidades. Fiz 11 viagens de helicóptero. Sobrevoei diversas plantações e vi cana-de-açúcar até onde conseguia enxergar. As plantações acompanhavam a curvatura da Terra. Isso me trouxe a grande noção das oportunidades que o Brasil tem e ainda pode atingir. Me reuni com praticamente todo mundo, desde (os ex-ministros) José Goldenberg e Roberto Rodrigues, a pesquisadores, funcionários dos CTCs  (Centro de Tecnologia Canavieira), além de investidores. Eu aprendi que essa é uma indústria poderosa e que o Brasil tem vantagens únicas por causa do clima. As políticas do Brasil foram fundamentais para incentivar esse setor, e acredito que existam várias oportunidades para aproveitar os recursos locais e torná-los ainda mais eficientes. Imagine poder criar biodiesel diretamente do açúcar, sem precisar cultivar e processar óleo de palma. Isso pode ser uma inovação poderosa.

Portal Exame -O fundo anunciou recentemente Al Gore como sócio. Que tipo de experiência ele traz?

Ele traz uma experiência incrível. Primeiro de tudo, é muito técnico. Ele recebeu o Prêmio Nobel da Paz, junto com a equipe do IPCC (órgão da ONU que acompanha as questões climáticas). Ele conhece as ciências climáticas muito bem, e é um executivo muito estudado. Ele conhece e ama tecnologia, conhece bem o negócio e é o maior defensor mundial das energias alternativas. Eu acredito que a melhor forma para atingir os líderes políticos e de negócio está em ajudá-los a transformar suas empresas e economias.

Portal Exame -  E em relação aos subsídios, algumas pessoas alegam que as energias renováveis não vão se tornar economicamente viáveis sem eles. Você acredita nisso?

Hoje nos já temos alguns subsídios, tanto para energias renováveis quanto para não-renováveis, como o petróleo. O açúcar no Brasil tem subsídios incríveis assim como o etanol à base de milho tem nos Estados Unidos. Os governos estão de olho na indústria de energia. Eu sou um capitalista agressivo. Você deve entregar o melhor produto ao melhor custo. Eu sou a favor de mais incentivos, só não acho que eles sejam permanentes. Os investimentos que fizemos nos combustíveis são bons negócios com o petróleo a 40 dólares o barril ou mais. Ele pode subir ou descer, mas eu não acho que estará perto dos 40 dólares por toda a minha vida.

Portal Exame -Mesmo com uma eventual queda abrupta no preço do petróleo? Quais as alternativas para isso?

Se o barril permanecer em torno dos 40 dólares, os investimentos não serão rentáveis. Com 60 dólares por barril, já temos um bom investimento.

Portal Exame -Num discurso recente o senhor afirmou que tudo o que estamos fazendo pode não ser suficiente para conter o aquecimento global. Por quê?

Por causa da escala que as coisas estão ganhando. Tudo o que estamos fazendo agora pode não ser suficientes para parar as tendências irreversíveis e catastróficas, como o derretimento das geleiras ou escassez das tundras na Rússia. Ninguém sabe ao certo, mas a ciência mostra que nós precisamos cortar as emissões de gases em pelo menos a metade. Algumas pessoas dizem até que precisávamos chegar a 10% das nossas emissões atuais para estabilizar as emissões de CO2 em cerca de 500 partes por milhão. Mas as pessoas não gostam de medidas. Temos que ser mais inteligentes do que isso. É uma combinação de inovação, tecnologia e políticas. Estou esperançoso e trabalhando muito com os empresários. Estou esperançoso, mas não otimista.

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