Steve Jobs e John Sculley nos anos 80: relação complicada (Wikimedia Commons)
Maurício Grego
Publicado em 21 de junho de 2012 às 18h58.
São Paulo — “Você quer passar o resto da vida vendendo água com açúcar ou quer ter uma chance de mudar o mundo?” Com essa frase famosa e genial, Steve Jobs convenceu John Sculley a abandonar seu posto de CEO da Pepsi, em 1983, para dirigir a Apple. Como se sabe, a relação entre os dois se deterioraria com o tempo, culminando, dois anos depois, na saída de Jobs da empresa que fundou. O próprio Sculley foi forçado a deixar a Apple em 1993. Depois disso, montou uma companhia de investimentos e se envolveu na criação de uma dúzia de startups.
Sculley, agora com 73 anos, veio ao Brasil nesta semana para dar uma palestra no evento Info@trends, da revista Info (publicada pela Abril, também dona de EXAME.com). Em entrevista a EXAME.com, ele falou sobre a fórmula que fez da Apple uma das empresas mais inovadoras do planeta. Também relembrou o tempo em que morou em São Paulo, na década de 70. Veja 15 coisas que ele disse.
1 Nunca demiti Steve Jobs
Nunca li o livro de Walter Isaacson. Ler esse livro seria uma experiência dolorosa, mesmo 27 anos depois. Pelo que me disseram, é um livro fantástico, fiel aos fatos. Acho que ele esclarece alguns equívocos, como aquele de que eu teria demitido Steve Jobs. Eu nunca demiti Steve Jobs. Ele foi destituído pelo conselho de administração e acabou se desligando da Apple. Olhando para trás, acho que eu deveria ter tentado trazê-lo de volta depois. A empresa era dele, não minha.
2 A Apple ia bem comigo no comando
Culpam-me por supostos resultados ruins da Apple. Mas os resultados eram bons. A Apple cresceu 1.000% quando eu estava lá. Quando saí, era a maior fabricante de computadores pessoais do mundo e a mais lucrativa. Tínhamos ótimas campanhas publicitárias. Criamos produtos grandiosos, como o PowerBook, e desenvolvemos a área de editoração eletrônica.
3 Criei um novo marketing para o Macintosh
Quando cheguei ao Vale do Silício, em 1982, fui o primeiro CEO vindo da área de marketing lá. Muita gente achou que era uma loucura trazer alguém que não entendia de computadores. Mas Steve Jobs tinha uma visão. Ele achava que a indústria de computadores cresceria e eles teriam de ser vendidos da maneira que a Pepsi e a Coca Cola vendiam refrigerantes. Ele ficou impressionado quando descobriu que a Pepsi havia ultrapassado a Coca em vendas nos Estados Unidos. Minha missão era trazer para a Apple o que chamávamos de marketing de experiências. Quando lançamos o Macintosh, fizemos aquele comercial exibido durante o Super Bowl, em 1984. Nele, não vendíamos o produto. Não falávamos de tecnologia. O que fazíamos era divulgar uma experiência. Criamos uma grande expectativa em relação ao produto.
4 Adeus, maçã
Fui forçado a sair da Apple da mesma forma que Steve foi levado a deixar a empresa. Houve uma controvérsia por eu ter decidido não licenciar a tecnologia da Apple a outras companhias. Então, fui forçado a sair e decidi seguir um novo rumo. Foi nessa época que a Apple começou a ter problemas financeiros.
5 A inovação no Vale do Silício
O que encontrei no Vale do Silício foi uma cultura totalmente diferente. A cultura de onde eu vinha era a de uma grande empresa da Costa Leste dos Estados Unidos, com estrutura hierárquica rígida. O Vale do Silício era o oposto daquilo. Lá, as organizações eram planas e os cargos não tinham muito significado. O objetivo era recrutar pessoas brilhantes e colocá-las para trabalhar juntas na solução de grandes problemas.
6 Fracassar é preciso
A cultura do Vale do Silício encoraja o risco. Em corporações tradicionais, um fracasso pode significar o fim da carreira. No Vale do Silício, o fracasso é considerado parte do processo de aprendizagem. Essa permissão para o fracasso é importante. É uma das razões porque empresas como Apple, Facebook, Google e Twitter nascem no Vale do Silício. Elas fazem coisas que geralmente não dão certo na primeira vez. Então, é preciso que haja permissão para fracassar sem ser punido.
7 Como montei a Elma Chips no Brasil
Quando vim para o Brasil, em 1973, passei a liderar a primeira iniciativa da Pepsi para vender salgadinhos fora dos Estados Unidos. Começamos comprando uma pequena fábrica de batatas fritas em São Paulo, a Chips, e outra no Paraná, a Elma. Assim, nasceu a Elma Chips. Seu faturamento anual era de apenas 1 milhão de dólares.
Desenvolvemos produtos adequados ao gosto brasileiro, montamos uma frota de caminhões para as entregas e estruturamos a companhia. Hoje, o negócio de alimentos da PepsiCo no Brasil é um dos maiores do mundo. Quando cheguei a São Paulo, hoje, vi um caminhão da Elma Chips. Lembrei que uma das primeiras coisas que fizemos, em 1973, foi desenhar aquela carinha sorridente que se tornou o logotipo da empresa.
8 O Instagram venceu a Kodak
Nas corporações tradicionais, os gerentes de nível médio são numerosos e têm poder para dizer não, mas não para dizer sim. As pessoas ficam tentando proteger os negócios que já possuem em vez de tentar provocar ruptura por meio de algo novo. Um bom exemplo é a Kodak. Vinte anos atrás, a Kodak valia 20 bilhões de dólares. Neste ano, o Instagram, com apenas um ano de vida, foi comprado pelo Facebook por 1 bilhão de dólares. Isso aconteceu no mesmo ano em que a Kodak faliu. Quando o mercado avança mais rapidamente que a cultura da empresa, ela fracassa, mesmo que tenha profissionais de alto nível.
9 O líder ideal entende de produtos
Para que uma empresa seja inovadora em seus produtos é necessário que ela seja liderada por profissionais da área de desenvolvimento de produtos. Steve Jobs era um líder de produtos. Eu não. Sou da área de marketing. Mesmo depois que Jobs saiu da Apple, não fiz grandes mudanças nos produtos. Mantive os princípios de design que ele havia instituído. Busquei profissionais talentosos que pudessem implementar as ideias dele.
10 Microsoft e Sony são maus exemplos
A Microsoft está tentando se adaptar à era pós-PC. Ela pode até ser bem sucedida, mas quase todas as ideias que ela está implementando vêm da Apple ou do Android. Steve Ballmer é um executivo muito inteligente, mas ele não entende de produtos mais do que eu entendia.
Outro exemplo é a Sony. Quando Jobs e eu conhecemos a Sony, ela era chefiada pelo Akio Morita. Ele era um herói para Jobs. Criou coisas como o Walkman e o televisor Trinitron. Mas, desde o PlayStation, que já tem quase 20 anos, é difícil apontar um produto inovador da Sony (Morita deixou a Sony em 1994, mesmo ano em que o PlayStation foi lançado).
11 O futuro da Apple é brilhante
Acho que a Apple ainda tem anos maravilhosos pela frente. Jonathan Ive é um líder fantástico em desenvolvimento de produtos. E Tim Cook é um grande administrador de equipes.
12 Os concorrentes do iPad vêm aí
Acho que os tablets ainda estão numa fase muito inicial. Quando cheguei à indústria de PCs, os competidores eram Apple, IBM, Commodore e Atari. A única dessas empresas que continua viva vendendo computadores pessoais é a Apple. Isso foi antes de Dell, Compaq e HP entrarem no mercado. No longo prazo, é razoável prever que haverá alguma empresa bem sucedida na área de tablets além da Apple.
13 O tablet da Microsoft tem chances
Acho que a Microsoft tem chances no mercado de tablets, mais na área corporativa que na de produtos de consumo. À medida que as empresas migram dos PCs para os tablets ou equipamentos híbridos como os que eles acabam de apresentar, eles terão oportunidades. Os tablets são principalmente terminais para acesso à nuvem. E a Microsoft já é bem sucedida em computação em nuvem.
14 BlackBerry com Windows é boa ideia
Eu não me surpreenderia se a Microsoft comprasse a RIM. A RIM tem 75 milhões de usuários. Eu mesmo uso um BlackBerry. A Microsoft poderia tentar convencer essas pessoas a mudar para o Windows Phone. Acho que a Microsoft agora vê que precisa controlar tanto o hardware como o software. Muitas coisas ainda vão acontecer nessa área. Eu não descartaria a Microsoft como competidor.
15 Meu conselho aos empreendedores
A coisa mais importante para uma startup é encontrar um mentor, alguém que já tenha feito isso antes e possa aconselhar os empreendedores. É o que eu tenho feito com meia dúzia de empresas. Se você quer escalar o monte Everest, você contrata um guia. Até montanhistas experientes fazem isso. Os riscos e desafios são tantos que vale a pena contar com alguém que tenha estado lá antes. Para grandes empresas, acho que um bom caminho para a inovação é investir em startups. Se uma delas tiver sucesso, poderá ser comprada depois.