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Há bactérias e fungos em 62,5% de passarinhos traficados

Microrganismos encontrados em 158 passarinhos silvestres apreendidos podem causar doenças em humanos e animais e disseminar resistência a antimicrobianos

Passarinho: aves são o principal alvo do comércio ilegal de animais (Getty Images)

Passarinho: aves são o principal alvo do comércio ilegal de animais (Getty Images)

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Da Redação

Publicado em 7 de agosto de 2014 às 10h10.

São Paulo – As campanhas educativas para desestimular a compra de animais silvestres comercializados ilegalmente ganharam um reforço em seus argumentos com um estudo concluído recentemente na Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia (FMVZ) da Universidade de São Paulo (USP).

A pesquisa “Caracterização da microbiota intestinal bacteriana e fúngica em passeriformes silvestres confiscados do tráfico que serão submetidos a programas de relocação”, desenvolvida com Auxílio à Pesquisa da FAPESP, encontrou microrganismos com potencial patogênico – que podem apresentar risco à saúde humana e animal – em 62,5% de 253 amostras de material coletado na cloaca (órgão por onde as aves eliminam as fezes e a urina e põem os ovos) de 34 espécies de passarinhos silvestres resgatadas do tráfico de animais e encaminhadas ao Departamento de Parques e Áreas Verdes de São Paulo (Depave) para avaliação, reabilitação e relocação no ambiente.

Segundo dados da Rede Nacional de Combate ao Tráfico de Animais Silvestres (Renctas), as aves são o principal alvo do comércio ilegal de animais. Os passeriformes silvestres (pássaros nativos com pequenas dimensões como sabiás, canários, curiós, entre outros) são os mais traficados, seguidos por papagaios, araras e demais gêneros.

Estima-se que 90% das aves capturadas para tráfico morram antes de chegar ao destino final. Quando resgatadas por órgãos fiscalizadores, muitas já se encontram com a saúde debilitada por causa de condições sanitárias inadequadas na captura, no transporte e na manutenção em cativeiro.

“A pesquisa de alguns microrganismos como Salmonella spp., Cryptococcus spp. e Candida spp. é prevista na lista de exames sanitários recomendados pela Instrução Normativa 179 do Ibama [Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis]”, disse Priscilla Anne Melville, do Departamento de Medicina Veterinária Preventiva e Saúde Animal da FMVZ, responsável pelo estudo. “No entanto, quisemos fazer um estudo mais abrangente para descobrir quais outros patógenos podem ser carreados por esses animais.”

O trabalho contou com a participação dos pesquisadores da FMVZ/USP Nilson Roberti Benites, Paulo Eduardo Brandão, André Becker Simões Saidenberg, Patrícia Braconaro e Eveline Zuniga e das veterinárias do Depave Adriana Joppert da Silva, Thaís Sanches e Ticiana Zwarg.

De acordo com os pesquisadores, o material coletado na cloaca das aves é mais preciso como indicador da microbiota intestinal do que as fezes, já que, em condições normais, os microrganismos presentes ali são oriundos somente do trato intestinal. Já a análise das fezes pode levar a falsos resultados pela contaminação do material por bactérias presentes no ambiente.

Segundo Melville, exames de verificação de ocorrência e frequência de fungos e bactérias mostraram que em 158 (62,5%) das 253 amostras havia presença de microrganismos. Em 123 delas (77,84%) havia somente bactérias; em outras quatro somente fungos; e em 31 fungos e bactérias.

“Foram isolados ao menos 15 gêneros de bactérias, três gêneros de leveduras e quatro gêneros de fungos filamentosos. Alguns deles apresentam potencial zoonótico, ou seja, podem causar doenças em humanos e em animais e alguns desses apresentaram resistência a determinados antimicrobianos”, disse Melville à Agência FAPESP.

Microrganismos mais encontrados

Foram encontradas 13 espécies de Staphylococcus spp. em 38 amostras. O gênero Micrococcus spp. foi localizado em 29 amostras, enquanto Klebsiella spp. e Escherichia coli estavam em 27 amostras, cada.

Em testes de suscetibilidade a diferentes antibióticos e quimioterápicos, essas bactérias apresentaram multirresistência a determinados antimicrobianos. Foram encontradas ainda as bactérias Enterococcus spp. (em 11 amostras); Enterobacter spp. (10); Streptococcus spp. (8) e Citrobacter spp. (7).

“Cada microrganismo tem suas peculiaridades e causa doenças específicas. As bactérias Escherichia coli, por exemplo, podem estar associadas a distúrbios gastrointestinais. Espécies de Staphylococcus podem estar associadas a infecções cutâneas, sinusites, artrites e pneumonias. A transmissão se dá principalmente por meio do contato com as fezes do animal, com posterior ingestão acidental ou mesmo inalação de material contaminado”, afirmou a pesquisadora.

Alguns microrganismos encontrados no estudo ainda não haviam sido mencionados em trabalhos semelhantes. Entre eles, há a Rhodotorula spp. (levedura oportunista que pode causar doença em paciente imunossuprimido), Edwardsiella (bactéria associada a meningites e gastroenterites, entre outras) e Pasteurella multocida (agente associado à cólera aviária).

O estudo confirmou a presença de fungos filamentosos e leveduras encontrados em estudos anteriores, de outros autores, tais como Candida spp. (fungo associado a distúrbios gastrointestinais e respiratórios), Penicillium spp. (fungo associado a doenças como ceratites, endocardites, entre outras), Mucor spp. (fungo que pode acometer pacientes imunossuprimidos, causando infecções no trato respiratório e gastrointestinal, no sistema nervoso ou na pele), Aspergillus spp. (fungo que acomete principalmente o trato respiratório de aves), e Trichosporon spp. (patógenos oportunistas que podem acometer pacientes imunossuprimidos).

A pesquisa revelou ainda que é baixo o risco de transmissão de microrganismos sugeridos para investigação pela Instrução Normativa do Ibama como Salmonella spp., Cryptococcus spp. (ausentes nas amostras) e Candida spp. (baixa ocorrência).

Também é baixo o risco de transmissão para humanos, pelas aves avaliadas, de bactérias E.coli como a Escherichia coli enteropatogênica (EPEC), Escherichia coli patogênica aviária (APEC) e Escherichia coli uropatogênica (UPEC). Por outro lado, há risco de transmissão intra ou interespécies ou introdução no ambiente de E.coli multirresistentes a antimicrobianos.

Bactérias resistentes

A investigação da microbiota intestinal das aves antes do processo de soltura é importante, pois pode esclarecer sobre possíveis riscos relativos à presença de resistência bacteriana aos antimicrobianos. “Ao serem eliminadas no ambiente, as bactérias multirresistentes a antimicrobianos podem se multiplicar e infectar diferentes hospedeiros, disseminando a resistência antimicrobiana entre as bactérias”, explicou Melville.

“Isso pode levar ao desencadeamento de doenças de difícil tratamento, já que a resistência antimicrobiana reduz as possibilidades terapêuticas. Por outro lado, muitas bactérias podem se tornar resistentes a um antimicrobiano, mesmo sem nunca terem tido contato com o mesmo”, disse a pesquisadora.

O alerta deve ser considerado principalmente quando se leva em conta que grande parte dos indivíduos que adquirem animais traficados mantém as aves como animais de estimação em suas residências.

“As pessoas devem ter ciência que podem ser contaminadas por determinados agentes bacterianos, virais e fúngicos transportados pelos animais traficados, especialmente os grupos de risco – idosos, crianças e pessoas imunossuprimidas ou que são submetidas a algum tratamento imunossupressor”, disse Melville.

Saidenberg esclareceu que, mesmo em liberdade, aves podem hospedar microrganismos com potencial para causar doenças na própria espécie, em outros animais e em humanos. No entanto, em geral, observa-se um equilíbrio entre o microrganismo e o hospedeiro como parte de um processo de coevolução e que também atua sobre o controle populacional.

A presença de determinado microrganismo não representa obrigatoriamente que a doença se manifeste. “No entanto, quando são traficadas, esse equilíbrio pode ser alterado em razão dos elevados níveis de estresse, das péssimas condições de higiene e alimentação inadequada a que são submetidos os animais, o que pode acarretar o desencadeamento de doenças infecciosas causadas por microrganismos com os quais estavam anteriormente em equilíbrio”, disse Saidenberg.

Legislação

Embora a legislação brasileira determine que animais silvestres só possam ser criados se adquiridos de criadores autorizados e que possuam documentação de comprovação de origem, somente em São Paulo, a Polícia Militar Ambiental apreendeu ou resgatou mais de 187 mil animais silvestres do tráfico de animais nos últimos 10 anos.

De 2006 a 2012, 82% dos animais confiscados do tráfico eram aves. Segundo dados do Ibama, a maioria dos pássaros silvestres comercializados ilegalmente vem das regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste e os estados com o maior mercado consumidor estão na região Sudeste: São Paulo, Minas Gerais e Rio de Janeiro.

As espécies apreendidas em maior quantidade no período do estudo foram pixarro (Saltator simillis), canário-da-terra (Sicalis flaveola), galo-de-campina (Paroaria dominicana), coleirinho-paulista (Sporophila caerulescens), azulão (Cyanoloxia brissoni) e pássaro-preto (Gnorimopsar chopi), segundo os pesquisadores.

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