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"Brasil não é líder em todos os aspectos"

Emissão de poluentes, tratamento de resíduos e pesquisa com celulose são pontos deficientes do país na corrida pelo etanol do futuro

EXAME.com (EXAME.com)

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Da Redação

Publicado em 9 de outubro de 2008 às 12h24.

Em entrevista à EXAME, James McMillan, responsável pela área de pesquisa e desenvolvimento em biorefino do Centro Nacional de Bioenergia e do Laboratório Nacional de Energias Renováveis dos Estados Unidos, diz que a América do Norte e Europa estão na frente na corrida para extrair etanol de celulose.

EXAME - Há uma percepção geral de que o Brasil está à frente dos demais países em pesquisas com etanol. Isso é verdade?

James McMillan - Certamente essa percepção é verdadeira e justificável em muitos aspectos, mas não em todos. É verdade que o Brasil tem sido um líder mundial em desenvolver usinas que utilizam a cana-de-açúcar para fabricar tanto etanol como açúcar. O Brasil lidera no desenvolvimento de variedades de cana, criando variedades cada vez mais produtivas. Também domina a construção de biorefinarias. Entre outras conquistas, o Brasil tem tecnologia avançada para transformar o caldo da cana em álcool e compreende os benefícios do ciclo de produção da cana em comparação com o ciclo do milho, por exemplo. Também é líder em fazer do etanol uma parte significativa de toda a infra-estrutura de abastecimento de combustíveis do país, sendo pioneiro na abordagem de bicombustíveis -- no caso, uma mistura de 20% a 25% de etanol na gasolina. E, mais recentemente, avançou com os carros com tecnologia flex, que podem ser abastecidos tanto com álcool como com gasolina. São tremendas conquistas que abriram os olhos do resto do mundo para o potencial dos biocombustíveis, particularmente o etanol. Também é preciso dizer que o Brasil tem uma geografia única, com excelente recursos em termos de terra cultivável, água e sol, o que significa que o modelo brasileiro não pode ser replicado em muitos lugares. Além disso, o Brasil tem uma demanda por combustíveis que é modesta se comparada com a dos Estados Unidos, já que o mercado brasileiro tem cerca de um décimo do número de carros que rodam nos Estados Unidos. Por isso a quantidade de etanol produzida atualmente no Brasil pode abastecer uma porcentagem importante dos carros do país. Mas o mercado americano produz quase a mesma quantidade de álcool e isso responde por menos de 5% de nossa demanda por combustíveis.

EXAME - Em quais aspectos a idéia de que o Brasil é líder em etanol não é correta?

McMillan - Pelo menos algumas pessoas sustentam que o Brasil não é líder na contenção da emissão de poluentes, já que muitas plantações de cana ainda são queimadas e muitas usinas têm pouco controle de poluentes. No entanto, a cana-de-açúcar demanda menos energia para ser cultivada do que o milho, portanto não sabemos quem polui mais. O Brasil está apenas começando a abordar a questão do que fazer com os resíduos da produção de cana. Acho que esse material não pode ser deixado nos campos. Nesse sentido ocorre algo similar com os resíduos de culturas como o milho e trigo aqui nos Estados Unidos. Para aproveitar esses resíduos para fazer álcool, seria necessário usar a tecnologia de extração de etanol de celulose, que ainda não está na etapa comercial, embora muitos estejam trabalhando para isso. O Brasil certamente não é o líder na área de etanol extraído de celulose, ou pelo menos não emergiu ainda como líder. Embora algumas inovações tenham surgido no Brasil, a inovação também vem da Europa e América do Norte - e a um ritmo bem mais veloz do que no Brasil. Nas pesquisas com hidrólise, a área mais promissora é a abordagem com enzimas e a maior parte do desenvolvimento está acontecendo nos Estados Unidos e na União Européia. Os esforços de etanol comercial produzido de celulose no Brasil estão significativamente atrás dos da Europa, Ásia e Estados Unidos - pelo menos no que é discutido publicamente. E o Brasil provavelmente está no segundo escalão de países que empregam biotecnologia moderna para desenvolver biocatalisadores melhorados - enzimas e microorganismos - para quebrar a celulose de biomassa. Por exemplo, os mais proeminentes fabricantes de enzimas industriais, a Novozymes e a Genencor, estão sediados na Europa e nos Estados Unidos. E os avanços no desenvolvimento de micróbios capazes de fermentar eficazmente diferentes açúcares de biomassa (pentoses e hexoses) em etanol vieram inicialmente dos Estados Unidos e mais recentemente da Europa. Os Estados Unidos são provavelmente mais fortes no uso de ferramentas biotecnológicas, no entendimento e desenvolvimento de biocatalisadores mais eficientes.

EXAME - Como o senhor poderia comparar as pesquisas científicas com etanol no Brasil e nos Estados Unidos?

McMillan - Acredito que o Brasil é particularmente forte no desenvolvimento de variedades de cana, na transformação do caldo de cana em etanol e na compreensão da infra-estrutura necessária para transportar a biomassa da cana para as usinas. O Brasil também lidera na infra-estrutura para mover o etanol produzido nas biorefinarias para abastecer o país e na compreensão dos problemas envolvidos em ter uma frota de veículos capaz de usar grandes quantidades de etanol. Os Estados Unidos são mais fortes no desenvolvimento de variedades de plantas de clima temperado, como o capim-elefante, bem como no desenvolvimento de tecnologia de extração de etanol de celulose. Os Estados Unidos também são mais fortes no desenvolvimento e uso de um pacote completo de ferramentas de biotecnologia, no desenvolvimento de biocatalisadores mais eficientes (enzimas e micróbios) e na aplicação de biotecnologia em determinadas variedades de plantas.

EXAME - O etanol ganhou enorme atenção internacional com a recente onda de preocupação ecológica e o alto custo do petróleo. O senhor acredita que outros países, com muito mais recursos para investir em pesquisa e desenvolvimento do que o Brasil, podem assumir a liderança nas pesquisas com biocombustíveis?

McMillan - O preço da matéria-prima é o fato mais crítico para o aspecto econômico, e nesse ponto o Brasil continua bem posicionado para permanecer um líder, ao menos em produção de etanol de cana-de-açúcar. No futuro, pode ser desenvolvida no Brasil uma significativa indústria de etanol proveniente do bagaço da cana - e quando isso ocorrer, o Brasil provavelmente será líder nisso também. Mas no curto prazo vemos nos Estados Unidos um nível mais alto de investimentos na expansão da capacidade. Os Estados Unidos vão superar o Brasil como o líder em produção mundial de etanol. Se é que isso já não aconteceu, provavelmente deve ocorrer este ano. Apesar disso, o Brasil continuará a ser o outro grande produtor depois dos Estados Unidos. A China está se movendo rapidamente e ainda não está claro se poderá alterar o domínio do ocidente. Os níveis mais altos de investimento significam que provavelmente os primeiros grandes projetos de extração de etanol de celulose serão na Europa e nos Estados Unidos.

EXAME - Quais os principais objetivos do trabalho que o senhor coordena?

McMillan - Trabalhamos fundamentalmente na conversão de biomassa em etanol, produzindo álcool de celulose usando métodos bioquímicos e termoquímicos. O método bioquímico consiste em fermentação de açúcares derivados da celulose. O termoquímico é baseado na gaseificação para produzir um gás rico em energia - rico em monóxido de carbono e hidrogênio - e então converter este gás em um álcool misto, no qual o etanol é dominante.

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