Tecnologia

Bactérias intestinais podem ser gatilho para diabetes tipo 1

Estudos recentes têm mostrado que portadores de diabetes frequentemente apresentam um desequilíbrio entre as bactérias benéficas e as patogênicas no intestino


	Diabetes: o próximo passo será testar algumas intervenções preventivas ou terapêuticas
 (Getty Images)

Diabetes: o próximo passo será testar algumas intervenções preventivas ou terapêuticas (Getty Images)

DR

Da Redação

Publicado em 20 de julho de 2016 às 10h05.

Estudos recentes têm mostrado que portadores de diabetes frequentemente apresentam um desequilíbrio entre as bactérias benéficas e as patogênicas que compõem a microbiota intestinal – condição conhecida como disbiose, potencialmente maléfica ao organismo.

Não está claro, contudo, se isso é uma das causas ou uma consequência dessa doença metabólica.

Novas evidências publicadas por pesquisadores brasileiros no Journal of Experimental Medicine sugerem que, quando bactérias intestinais conseguem escapar para os gânglios linfáticos localizados próximos ao pâncreas – devido a alterações de permeabilidade da parede do intestino causadas pelo processo de disbiose –, elas podem ativar certos receptores existentes em células do sistema imune inato (primeira linha de defesa do organismo), particularmente nos macrófagos e nas células dendríticas.

Segundo os autores, essa ativação induziria uma condição pró-inflamatória no organismo e favoreceria o desenvolvimento de uma resposta imunológica direcionada (adaptativa) às células beta produtoras de insulina no pâncreas – processo que resulta no chamado diabetes tipo 1 ou autoimune.

“A fase final de desenvolvimento do diabetes tipo 1 já é bem compreendida. Sabe-se que o sistema imune, em um dado momento, passa a considerar as células beta do pâncreas como algo estranho ao organismo. Consequentemente, células específicas conhecidas como linfócitos T são ativadas e anticorpos são produzidos para destruir as produtoras de insulina. Porém, ainda não está claro quais são os gatilhos acionados no sistema imune inato para induzir a resposta imune adaptativa. Neste estudo, mostramos que há envolvimento de um receptor intracelular chamado NOD2”, contou Daniela Carlos, pesquisadora da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto, da Universidade de São Paulo (FMRP-USP), e coordenadora da pesquisa apoiada pela FAPESP.

As conclusões apresentadas no artigo são baseadas em experimentos com camundongos realizados durante o mestrado de Frederico R. C. Costa, sob orientação de Daniela e com a colaboração do professor da FMRP-USP João Santana Silva.

Nos ensaios, o grupo observou que camundongos modificados geneticamente para não expressar a proteína NOD2 eram resistentes ao desenvolvimento do diabetes tipo 1 mesmo quando desafiados com um estímulo químico.

“Para induzir diabetes em roedores sadios no laboratório é administrada uma droga chamada estreptozotocina, que é tóxica para as células beta do pâncreas. A morte dessas células funciona como um sinal inflamatório e outras células de defesa são ativadas e recrutadas para o local, reconhecem e atacam as células beta produtoras de insulina. Os animais recebem a substância durante cinco dias consecutivos e, após 15 dias, já estão diabéticos”, explicou Daniela.

A confirmação da doença é realizada por meio de testes como glicemia de jejum, tolerância à glicose e à insulina. Todos esses parâmetros clínicos, porém, se mantiveram inalterados nos animais que receberam estreptozotocina, mas não expressavam NOD2.

O perfil do suspeito

Conforme explicou Daniela, o papel desse receptor já está bem descrito na literatura científica. NOD2 está presente nas células de defesa e do epitélio intestinal, com a função de reconhecer um dos componentes bacterianos, o MDP (dipeptídeo muramil).

Quando ativado, o receptor induz uma sinalização intracelular que resulta na expressão de peptídeos antimicrobianos e citocinas inflamatórias, como a interleucina 1 beta (IL-1β), a interleucina 6 (IL-6) e a interleucina 23 (IL-23) – substâncias envolvidas na ativação e migração de células de defesa para o intestino.

Dessa maneira, NOD2 desempenha um papel essencial na imunidade local e sistêmica, mantendo a integridade da barreira intestinal e controlando a translocação bacteriana do lúmen (cavidade interna do intestino) para a mucosa.

“Decidimos investigar a participação da proteína NOD2 na patogênese do diabetes tipo 1 porque estudos anteriores descreveram a associação entre uma microbiota alterada e o desenvolvimento do diabetes autoimune em humanos e em modelos experimentais. No entanto, os mecanismos pelos quais as bactérias intestinais levam à patologia continuavam obscuros. Nesse contexto, o receptor NOD2, importante por auxiliar na manutenção da homeostase intestinal, apareceu como um alvo-chave a ser estudado”, explicou Daniela.

De acordo com a pesquisadora, todos os autoantígenos (próprios do organismo) estão constantemente sendo apresentados aos linfócitos T por células do sistema imune inato.

Normalmente, isso acontece em um contexto “tolerogênico”, ou seja, o sistema imune inato sinaliza, por meio da interleucina10 (IL-10), para que os linfócitos T assumam um perfil regulador (imunossupressor).

No entanto, segundo a teoria do grupo de Ribeirão Preto, quando componentes bacterianos ativam o receptor NOD2 em células dendríticas e macrófagos, as citocinas inflamatórias liberadas induzem um ambiente inflamatório, ou seja, os linfócitos T passam a receber um sinal diferente e se convertem em células patogênicas, capazes de reconhecer e atacar as células beta produtoras de insulina.

Conforme já mencionado, é preciso haver também a morte celular das células beta pancreáticas e a subsequente liberação de autoantígenos para criar o contexto inflamatório.

No animal de laboratório, a morte celular é induzida pela estreptozotocina. Em humanos, segundo Daniela, a causa pode ser um fator ambiental, como, por exemplo, uma infecção viral.

Validação

Para validar a importância dos receptores NOD2 na patogênese do diabetes tipo 1 e confirmar a participação das bactérias intestinais em sua ativação, um segundo experimento foi feito com camundongos.

Desta vez, um grupo de roedores teve a microbiota intestinal reduzida com o uso de um potente coquetel de antibióticos.

Ao ser desafiado com a administração de estreptozotocina, o grupo mostrou-se resistente ao desenvolvimento da doença, mesmo sendo capaz de expressar NOD2. Para os pesquisadores, isso está relacionado com a eliminação de bactérias nos linfonodos pancreáticos.

Já um outro conjunto de animais também teve a microbiota intestinal reduzida, mas recebeu, além de estreptozotocina, injeções de MDP – molécula encontrada em várias bactérias e capaz de ativar NOD2. Nesse caso, os animais tornaram-se diabéticos.

“Esses resultados confirmam, portanto, que existe alguma bactéria reconhecida via NOD2 nos linfonodos pancreáticos que está envolvida no desenvolvimento do diabetes tipo 1. Não conseguimos descobrir qual exatamente é a espécie bacteriana, mas agora pretendemos realizar uma análise metagenômica mais abrangente para tentar identificá-la”, disse Daniela.

Segundo a pesquisadora, com base nessas evidências, o próximo passo será testar algumas intervenções preventivas ou terapêuticas, como a modulação da microbiota intestinal por meio de compostos probióticos e prebióticos, ou a inibição do receptor NOD2 com drogas farmacológicas.

Os resultados publicados no Journal of Experimental Medicine também foram apresentados por Daniela durante o FAPESP/EU-LIFE Symposium on Cancer Genomics, Inflammation & Immunity.

O evento realizado entre os dias 7 e 9 de junho, na sede da FAPESP, teve como objetivo fomentar a colaboração entre cientistas do Estado de São Paulo e da Europa.

Acompanhe tudo sobre:DiabetesDoençasSaúde

Mais de Tecnologia

Influencers mirins: crianças vendem cursos em ambiente de pouca vigilância nas redes sociais

10 frases de Steve Jobs para inspirar sua carreira e negócios

Adeus, iPhone de botão? WhatsApp vai parar de funcionar em alguns smartphones; veja lista

Galaxy S23 FE: quanto vale a pena na Black Friday?