Amazon: Guia vazado chama funcionários do estoque de 'atletas industriais'
Texto de 'bem-estar' supostamente diz que trabalhadores devem monitorar cor da urina e comprar calçados com mais espaço para pés inchados
Laura Pancini
Publicado em 2 de junho de 2021 às 11h50.
A Amazon distribuiu um "guia de saúde e bem-estar" para trabalhadores de um depósito em Oklahoma, nos Estados Unidos, instruindo os funcionários a treinarem como "atletas industriais" para melhorar seu desempenho no trabalho, informou a Vice News nesta terça-feira, 1.
O guia supostamente diz aos funcionários dos estoques da gigante de e-commerce para "preparar seus corpos" para caminhar "até 21 quilômetros por dia" e levantar um total de aproximadamente 9.000 quilos durante um único turno. Durante um turno de 10 horas, isso seria aproximadamente 13 quilos por minuto.
Todas as informações sobre o guia são da Vice News, que afirma que obteu o conteúdo através de Bobby Gosvenor, ex-funcionário da Amazon. Gosvenor alega que a empresa o orientou a continuar trabalhando mesmo após lesão de hérnia de disco, que ocorreu por conta de uma esteira rolante quebrada no depósito.
A Amazon não respondeu a perguntas do site de notícias Insider sobre as acusações do ex-funcionário.
O guia de 'bem-estar' da Amazon
O guia vazado aborda tópicos como nutrição, hidratação, sono, calçados, ergonomia e prevenção de lesões. Nele, há sugestões como comer cinco a nove porções de vegetais por dia, " monitorar a cor da urina " e comprar sapatos "no final do dia, quando os pés estão inchados "—a ideia aqui é ter calçados com mais espaço para quando os pés incharem durante o trabalho, de acordo com a Vice.
O texto também orienta trabalhadores a buscarem ajuda de "especialistas em prevenções de lesões" para "desconfortos corporais que você pode ter como um atleta industrial".
Ao Insider, a Amazon afirma que o guia foi criado por engano e que o mesmo já foi removido, mas não revelou quem seria o responsável. Não está claro se as orientações foram distribuídas para outros depósitos.
Recentemente, uma análise do The Washington Post relatou que a Amazon está fazendo um trabalho significativamente pior cuidando de seus trabalhadores em comparação com concorrentes.
Em 2020, cerca de 5,9 em cada 100 funcionários da Amazon ficaram feridos durante o trabalho, em comparação com 2,5 no Walmart, multinacional de lojas de departamento.
De acordo com análise do Post, isso fortalece relatórios anteriores de outros meios de comunicação que alegam que a Amazon "enganou o público e reguladores" sobre taxas de acidentes ao subnotificar lesões, atrasar os trabalhadores de procurar tratamento médico—acusação que Gosvenor fez ao Vice também—e designar funcionários para trabalhos "leves" para minizar horas de trabalho perdidas por conta de ferimentos graves.
Em resposta à história do Post, a Amazon disse ao Insider que a empresa está investindo mais na segurança do trabalho e tomando várias medidas para reduzir os acidentes. A empresa, inclusive, ressaltou o programa WorkingWell, que visa fornecer aos funcionários cansados “atividades físicas e mentais, exercícios de bem-estar e alimentação saudável ”com o objetivo de “ajudá-los a recarregar e reenergizar”, de acordo com comunicado da empresa.
Uma das ações da WorkingWell foi a “ZenBooth” ou “Mindful Practice Room” (algo como sala de concentração, em tradução para o português), disponível para funcionários dos estoques.Trata-se de um cubículo que deve ser usado individualmente para relaxar, com vídeos de "meditações guiadas, afirmações positivas, cenas calmantes com sons e muito mais".
Porém, os índices altos de lesões no trabalho, causados por ações como produtividade exigente e inflexível, indicam que o problema seja muito maior do que programas de bem-estar podem resolver.
Monitoramento de produtividade na Amazon
Nos depósitos, existe uma política chamada "tarefa de folga", na qual a empresa analisa por quanto tempo o funcionário ficou conectado nas ferramentas de software. "O principal objetivo da métrica é entender se há problemas com as ferramentas que as pessoas usam para serem produtivas e, apenas secundariamente, identificar funcionários com baixo desempenho", afirmou a empresa.
Funcionários da Amazon contaram ao Insider que restrições sobre folgas durante tarefas e medo de retaliação os levaram a não ir ao banheiro e urinar em garrafas.
Após publicação da Vice, a Amazon fez uma postagem no blog da empresa dizendo que mediria a tarefa de folga durante um período mais longo, mas não se comprometeu a diminuir a produtividade exigida.
"A impressionante análise divulgada hoje é a prova de que os impossíveis requisitos de produtividade da Amazon são insustentáveis e devem ser eliminados rapidamente. O ritmo de trabalho extenuante coloca os trabalhadores em maior risco de lesões graves e tem sido usado para punir qualquer trabalhador que recuar", disse Debbie Berkowitz, diretora do programa de segurança e saúde do trabalhador do National Employment Law Project.
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