Tecnologia

A grande aposta da Nintendo

David Cohen Três dias depois do tão aguardado anúncio de um novo console para games da Nintendo, a resposta dos investidores parece ser um sólido “não entendo”. E, por não entender, não estão apostando no lançamento que tem a missão de tirar a empresa do marasmo em que se encontra há quatro anos. Na quinta-feira, […]

NINTENDO SWITCH: novo aparelho da empresa japonesa é um híbrido de console com game portátil / Divulgação (foto/Divulgação)

NINTENDO SWITCH: novo aparelho da empresa japonesa é um híbrido de console com game portátil / Divulgação (foto/Divulgação)

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Da Redação

Publicado em 25 de outubro de 2016 às 11h47.

Última atualização em 22 de junho de 2017 às 18h00.

David Cohen

Três dias depois do tão aguardado anúncio de um novo console para games da Nintendo, a resposta dos investidores parece ser um sólido “não entendo”. E, por não entender, não estão apostando no lançamento que tem a missão de tirar a empresa do marasmo em que se encontra há quatro anos.

Na quinta-feira, em antecipação ao anúncio do Switch (que até então vinha sendo chamado de NX), as ações da Nintendo subiram 3,3%. Mas um dia depois, com a profusão de dúvidas sobre o aparelho, elas recuaram 6,6%. E na segunda-feira, dia 24, caíram mais 3,7%.

Definitivamente, depois de uma espera de 19 meses entre a informação de que a empresa trabalhava num novo console e o seu anúncio de lançamento (para março de 2017), esperava-se que a Nintendo dissipasse mais dúvidas. A expectativa era tanta que o vídeo de três minutos de apresentação do Switch fez o site da Nintendo sair do ar por algum tempo.

O problema não é que o Switch tenha decepcionado. É que a empresa ainda deixou muitas perguntas no ar – e já avisou que não divulgará informações extras antes do ano que vem. O que se sabe permite dizer que a Nintendo está buscando retomar a dianteira da inovação em games. O que não se sabe é se sua proposta tem boas chances de cativar o público. O diabo, como sempre, mora nos detalhes, e é sobre eles que a empresa está guardando segredo.

É console – e é portátil

Confirmando os rumores, o sistema é um híbrido de console com game portátil. Ele vem com controles destacáveis para jogar em qualquer lugar e uma estação para ser acoplada à TV quando o usuário estiver em casa.

“Além de prover emoção para quem joga sozinho ou em grupo em casa, o sistema Switch permite que se jogue o mesmo título onde, quando e com quem quiser”, disse a empresa. “A mobilidade de um portátil é agora acrescentada ao poder de um sistema de jogar em casa para permitir estilos de jogo sem precedentes.”

É uma aposta e tanto. O novo console não deverá ter o poder dos principais concorrentes fixos (o PS4, da Sony, e o X-Box, da Microsoft) e tampouco será um aparelho portátil puro (pequeno e leve). Esse terreno do meio é arriscado: haverá público para ele?

Por outro lado, a ousadia tem a ver com o histórico da Nintendo e também com sua situação atual – ela precisa acertar a mão, depois do fracasso do WiiU, lançado em 2012, e das vendas decepcionantes do 3DS, de sua linha portátil.

Por causa desses dois baques, as ações da companhia valem hoje cerca de 60% do que valiam em 2007, no auge do sucesso do Wii e do DS.

O Wii foi um golpe de mestre de uma empresa acostumada a surpreender o mundo dos games. Foi ela que lançou, nos anos 1980, o típico controle para videogames, que se tornou padrão. Foi ela que abriu o mercado de jogos portáteis, com o Game Boy. Foi ela que modernizou os controles, no início da década de 1990, e introduziu os gráficos em três dimensões, em 1996, com o Nintendo 64.

Com o Wii, ela introduziu o controle que “sente” os movimentos da mão, abrindo as possibilidades para games em que as pessoas se movimentam. A inovação ganhou milhões de adeptos para os games, e o Wii se tornou o maior sucesso da empresa, com 101 milhões de unidades vendidas até hoje.

Seu sucessor, o WiiU, não disse a que veio. Tanto que suas vendas pararam em 13 milhões de aparelhos, pouco mais de 10% do antecessor. E o 3DS, embora represente um avanço considerável para um aparelho campeão de vendas, ressentiu-se de uma nova concorrência: os smartphones e tablets.

É provável que o tremendo sucesso do Wii tenha ocorrido porque na época de seu lançamento os games para tablets e smartphones ainda não tinham decolado. De lá para cá, o mercado dos games vem sendo sacudido pelos novos concorrentes.

Este ano, segundo a consultoria Newzoo, os consoles ainda representam a maior fatia do mercado, com 29% de participação num bolo de quase 100 bilhões de dólares. Mas sua previsão é que já no ano que vem os smartphones ultrapassem os consoles, com 30% a 28% de participação no mercado.

A distância tende a aumentar: em 2019, os smartphones teriam 34% de um mercado de quase 120 bilhões de dólares, enquanto os consoles cairiam para 26%. Durante todo esse tempo, os jogos no computador se manteriam em terceiro lugar, com perto de um quarto do mercado.

Quanto aos portáteis, os smartphones praticamente os destruíram: eles têm hoje apenas 2% do mercado, fatia que deve cair à metade nos próximos anos.

Não é à toa que Satoru Iwata, o ex-presidente da Nintendo responsável pelo lançamento do Wii, tenha chamado a Apple de “o inimigo do futuro”. Satoru morreu de complicações de um câncer, no ano passado, e o Switch é o primeiro produto da empresa no século 21 depois de seu mandato.

O Pokemon foi – mas voltou

A Nintendo já teve um grande sucesso este ano, com o lançamento do Pokemon Go, um jogo de realidade virtual que virou febre nas lojas de aplicativos da Apple e do Android. O sucesso fez as ações da empresa pularem 91% em julho, uma valorização de 17,6 bilhões de dólares.

Mas pouco depois o valor de mercado caiu 6,7 bilhões de dólares, quando os investidores perceberam que a Nintendo não tinha produzido o jogo (foi a americana Niantic, sob licença). O lançamento que a própria Nintendo realizou para mobile, uma rede social de avatares (os bonecos Mii, os mesmos que se cria no Wii), começou bem mas, em seis meses, tornou-se praticamente uma cidade fantasma virtual.

A empresa hoje tem valor de mercado de 27 bilhões de dólares, sustentando ainda uma alta de 46% em relação ao início do ano. A valorização que sobrou do Pokemon Go é devida aos royalties – e à percepção de que os personagens da Nintendo são poderosos.

Em dezembro, a empresa deverá fazer outra incursão nos jogos mobile, com o bombeiro Mario – um personagem tão forte que na cerimônia de encerramento das Olimpíadas do Rio de Janeiro, o primeiro-ministro japonês, Shinzo Abe, se vestiu de Super Mario para apresentar o país como sede dos próximos Jogos Olímpicos (as ações da Nintendo subiram 3% na ocasião).

Para voltar aos tempos áureos, no entanto, o mobile é insuficiente. A Nintendo precisa de um sucesso comparável ao do Wii.

A missão do Switch é árdua. No campo dos consoles, seus dois concorrentes se estabeleceram com um poder de processamento atroz (leia-se gráficos e velocidade). Além disso, eles têm uma coleção de títulos já estabelecida. Tanto o Xbox One quanto o PlayStation 4 vêm conseguindo ultrapassar seus antecessores em vendas, em períodos comparáveis.

No campo do mobile, a competição com smartphones é desleal. O 3DS não tem ido mal: vendeu 54 milhões de unidades. Mas, em período similar, o DS original já tinha vendido quase o dobro.

Daí vem a ideia do caminho do meio. Quando você quer jogar em casa, pode conectar o Switch a uma estação que  se liga à TV. Os lados do sistema podem ser destacados e combinados a uma plataforma para servir de controle – ou tornarem-se dois minicontroles, para ser usados por duas pessoas (foram chamados de Joy-Con pela empresa).

Para jogar fora de casa, você pode acoplar os controles novamente no sistema e retirá-lo da estação. Desta forma, ele fica com o tamanho de um tablet. O anúncio da Nintendo mostra uma moça jogando em casa, depois levando o jogo para uma festa no terraço da vizinha e continuando o game lá, em grupo.

“Com as características e o design do Switch, a Nintendo pode mais uma vez redefinir o modo como nós jogamos com games”, disse Yves Guillemot, presidente da produtora de games Ubisoft. “Ele é muito acessível e aproveita a crescente tendência de compartilhar experiências e jogar a qualquer hora, em qualquer lugar.”

A declaração da Ubisoft é uma mostra de que a Nintendo não pretende repetir um dos erros de sua estratégia com o WiiU, que tinha uma coleção de títulos pouco variada. Desta vez, ela anunciou uma lista de 48 desenvolvedores, publicadores e estúdios, incluindo grandes nomes como Activision (que detém os direitos da série Call of Duty). A lista do WiiU tinha apenas 21 companhias.

O jogo das sete dúvidas

As parcerias são um começo, mas a lista de dúvidas sobre o Switch é longa.

O primeiro deles é se o sistema poderá contar com uma coleção de títulos suficiente. “A Nintendo pode colocar uma imagem gigante cheia de logos dos parceiros, mas é impossível saber o que isso significa”, escreveu Paul Tassi, no site da Forbes. “A Ubisoft vai entregar apenas Just Dance, ou também seu Assassin’s Creed: Empire, daqui a um ano?”

A Nintendo tem um histórico de não cooperar com terceiros – mesmo o Wii não tinha tanto títulos, seu sucesso decorreu da forma absolutamente inovadora de lidar com os games. Mais importante: parece que o Switch não será compatível com outros consoles da Nintendo. Segundo o site Business Insider, a produtora de games Famitsu recebeu a informação de que os jogos do 3DS e do Wii U não vão funcionar no Switch.

Uma segunda preocupação é a bateria. Para uma tela que promete visualização impecável, ela sustentará bastante tempo de jogo no modo portátil? Um terceiro ponto é o preço. A Nintendo não deu nenhuma pista sobre ele, embora normalmente seus produtos tenham custo um pouco abaixo dos concorrentes.

Uma quarta dúvida é: o que vai acontecer com o 3DS? Faz sentido manter uma linha de portáteis independente, ou a empresa passará a apostar apenas no Switch, unindo suas duas divisões? Além disso: quando tirados do sistema, os minicontroles serão confortáveis de usar? A tela do Switch vai ser sensível ao toque? Vai permitir que se assistam vídeos? Terá que capacidade de armazenamento?

Por todas essas dúvidas, os investidores e analistas se retraíram. “O Switch, embora novo em sua combinação de console e aparelho portátil, traz muitas questões não respondidas, como o preço, conectividade, o desafio de convencer as pessoas a carregar mais um eletrônico e cartuchos para jogar”, disse Jay Defibaugh, do banco de investimentos CLSA. Sua recomendação era de venda das ações até o preço de 24.325 ienes – cerca de 10% abaixo do que estavam no dia.

Mas a Nintendo ainda pode surpreender. Segundo o site de games Polygon, as patentes associadas ao Switch permitem supor que o sistema vá incluir um giroscópio, GPS, tela sensível ao toque, bússola, sistema de percepção de movimentos, reconhecimento de imagens e a habilidade de projetar imagens em uma superfície plana (ou na mão). Com tudo ou parte disso, as possibilidades do Switch se expandem: ele poderia reconhecer o movimento da sua mão jogando uma bola para ele, pode se engajar numa partida de pedra-papel-tesoura, pode funcionar como o controle do Wii…

A Nintendo, sobre tudo isso, está jogando o jogo do silêncio. O máximo que uma porta-voz da empresa disse a um jornal foi: “Nós ainda não mostramos tudo.”

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