Revista Exame

Vida longa à “doutrina Gim” , de malversação do dinheiro público

Eis a proposição do senador Gim Argello — se um projeto de autoria de um parlamentar virar um assalto ao Erário, a culpa é dos órgãos fiscalizadores, não do congressista

Gim, o enrolado senador sem voto: importante contribuição intelectual para entender o Brasil hoje (Geraldo Magela/Divulgação)

Gim, o enrolado senador sem voto: importante contribuição intelectual para entender o Brasil hoje (Geraldo Magela/Divulgação)

DR

Da Redação

Publicado em 18 de fevereiro de 2011 às 11h40.

O senador Gim Argello, um dos gigantes da base de apoio ao atual Governo e político com uma incômoda frequência no baixo noticiário de Brasília, acaba de fazer uma importante contribuição teórica ao ramo das ciências sociais que se dedica à malversação do dinheiro público em geral. Segundo o que talvez se possa chamar de “doutrina Gim”, senadores ou deputados não têm responsabilidade nenhuma quando, por força das emendas que votam, mandam entregar dinheiro do Erário a qualquer arapuca montada para extrair recursos do Tesouro Nacional — por mais toscos que sejam seus disfarces como “ONGs”, “prestadoras de serviço” ou “organizações sociais” e mais evidentes os sinais de que sua atividade real é a prática continuada da vigarice.

Na visão do senador, a culpa, nesses casos, é dos serviços do governo que deveriam fiscalizar a boa utilização do dinheiro público. A única preocupação dos parlamentares, sustenta ele, é o “mérito dos projetos” para os quais se destina a verba; se o projeto é virtuoso, e depois se revela uma fraude completa, os autores das emendas não têm nada a ver com isso. Quem manda os vigilantes não vigiarem? Problema deles.

Como acontece com tantas grandes ideias já surgidas na experiência humana, a “doutrina Gim” não foi muito bem compreendida em seu nascedouro — nem mesmo no Senado Federal da nossa República, sempre tão aberto a receber com entusiasmo novidades desse tipo. Apanhado em flagrante com a mão em emendas que beneficiavam entidades de fachada e utilizavam nomes de “laranjas”, Argello teve de desistir dos presentes que havia feito, apesar de toda a sua argumentação sobre o valor dos projetos e a correta atribuição das responsabilidades fiscalizatórias em torno do tema. Mais do que isso, viu-se levado a renunciar à excelsa posição de relator da Comissão Mista do Orçamento da União, que, de forma algo surpreendente para um político com o seu currículo, ocupava até o momento. Argello, de fato, é senador da República pelo Distrito Federal sem ter tido um único voto; é um “suplente”, aberração típica da política brasileira que permite a pessoas bem relacionadas ocuparem cargos eletivos sem o incômodo de passar por eleições.


O senador, como diria o falecido Leonel Brizola, é homem que “vem de longe”. Herdou sua cadeira de Joaquim Roriz, cacique político de vida judicial notoriamente tumultuada, quando este teve de renunciar ao mandato, três anos atrás, por seu envolvimento num obscuro episódio em torno de um cheque de 2,2 milhões de reais recebido do fundador da empresa aérea Gol. Na ocasião, já causou espanto que o Senado lhe permitisse assumir o posto — entre outros problemas, Argello era suspeito de participar da mesma transação que envolveu Roriz. Sua mulher é sócia, em Brasília, de uma agência franqueada dos Correios. Além disso, Argello é alvo de dois inquéritos em curso no Supremo Tribunal Federal, nos quais se apura sua participação nos crimes de fraude em licitação, apropriação indébita, peculato, corrupção passiva e lavagem de dinheiro.

Deveria um cidadão com esse histórico acabar como relator do orçamento federal, posição-chave nas decisões sobre o documento fiscal teoricamente mais importante da nação? Parece que não, mas é melhor mudar de assunto: o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, cujo governo o senador Argello serviu com a mais plena dedicação, poderia achar que é “preconceito”. Seja como for, houve consenso de que ele deveria renunciar ao cargo, o que de fato ocorreu. Mas com resultado nulo: a senadora Serys Slhessarenko, do PT, que o sucedeu no cargo, tem exatamente os mesmos problemas. Uma de suas funcionárias dirige uma ONG que recebia dinheiro público fornecido por emendas etc. etc. Se o primeiro saiu não haveria por que a segunda ficar, mas o Senado, aparentemente, concluiu que, se continuasse à procura de um justo para relatar o orçamento, iria passar o resto da vida trocando de relator. Serys ficou.

A “doutrina Gim” promete.

Acompanhe tudo sobre:CongressoCorrupçãoEdição 0983EscândalosFiscalizaçãoFraudesGoverno

Mais de Revista Exame

Linho, leve e solto: confira itens essenciais para preparar a mala para o verão

Trump de volta: o que o mundo e o Brasil podem esperar do 2º mandato dele?

Ano novo, ciclo novo. Mesmo

Uma meta para 2025