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Para vencer a crise, Triunfo terá de vender o que conseguir

A concessionária Triunfo foi um símbolo do modelo de concessões da era PT. Foi ousada, arrematou tudo que pôde e acabou com uma dívida impagável.

Aeroporto de Viracopos, em Campinas: modelo de concessão em xeque (Germano Luders/Exame)

Aeroporto de Viracopos, em Campinas: modelo de concessão em xeque (Germano Luders/Exame)

ML

Maria Luíza Filgueiras

Publicado em 19 de janeiro de 2017 às 05h55.

Última atualização em 19 de janeiro de 2017 às 05h55.

São Paulo — O engenheiro Carlo Alberto Bottarelli cumpriu uma extensa agenda de reuniões nos meses de outubro e novembro — reuniões daquele tipo em que ninguém sai ganhando. Presidente da Triunfo Participações, uma das maiores operadoras de concessões de infraestrutura do país, Bottarelli tinha a difícil missão de convencer bancos e investidores a colocar um pouco mais de dinheiro numa empresa que vive uma situação difícil. Além das dívidas de suas operações, o grupo tinha meio bilhão em dívidas vencendo em novembro e  o caixa estava quase zerado.

Dois financiamentos do banco de fomento BNDES para as concessões da Triunfo Participações, de 900 milhões de reais, também venceriam em dezembro. Em suma, a coisa estava muito complicada. O executivo tentou negociar uma extensão de prazo das debêntures e se reuniu com pelo menos cinco bancos, numa sequência de negativas. No fim de novembro, já com as notas de rating rebaixadas e diante do colapso iminente, Bottarelli aceitou uma proposta do fundo americano Farallon. A oferta era salgada: a Triunfo pagaria 14% ao ano em juros, e a dívida seria em dólares. É o dobro do que grupos saudáveis pagam no mercado externo. Mas foi o jeito de fazer a Triunfo chegar inteira ao Natal de 2016.

O grupo Triunfo teve origem nos anos 70. Nasceu como uma construtora fundada por um grupo de engenheiros no Paraná. Para aproveitar a onda de privatizações de estradas duas décadas depois, criou uma subsidiária de concessões, a TPI, que acabou sendo segregada da empreiteira e listada em bolsa. Eram três rodovias, que passaram para cinco, aí vieram as concessões de energia elétrica, a promessa de que o setor portuário deslancharia e os barulhentos leilões de aeroportos. Até dois anos atrás, a rotina da Triunfo era analisar as oportunidades, preparar-se para novos leilões de concessões e planejar investimentos para crescer. O tom mudou.

Nas contas de credores, investidores e analistas ouvidos por EXAME, a Triunfo entra em 2017 com uma necessidade de caixa de 1,9 bilhão de reais. Em 2017, vencem 700 milhões em dívidas, além do pagamento de juros dos empréstimos em andamento e dos milhões expirados com o BNDES no fim de 2016 e rolados para janeiro (no início do mês, a companhia foi notificada pelo banco de sua intenção de executar 200 milhões de reais dados em garantia desses empréstimos).

A empresa investe cerca de 1 bilhão de reais ao ano e sua geração de caixa está em 1,1 bilhão de reais. Os investidores e os analistas esperam que a Triunfo consiga chegar ao fim do ano com fôlego para pagar antecipadamente a caríssima dívida feita com os americanos da Farallon — além dos juros altos e da proteção cambial, a Farallon toma ações da holding em caso de calote. “Nesse ritmo, o resultado da Triunfo fica insuficiente para pagar juros e empréstimos”, diz Eduardo Jotha, analista de crédito da gestora Órama.

A situação da Triunfo é reflexo do modelo de negócios que se replicou na infraestrutura brasileira nos últimos anos e resulta, hoje, em mais de uma dezena de empresas em dificuldades financeiras. O governo espremeu as empresas nos leilões de concessões, mais preocupado em oferecer tarifas baratas do que em ter os projetos de pé, e elas deram lances absurdos contando com “aditivos” futuros e crédito de pai para filho do BNDES. Mas, como se sabe, o dinheiro do governo acabou, e a conta já não fecha mais. As companhias que se endividaram para arrematar concessões e iniciar os projetos passaram a tentar se desfazer deles.

Nos leilões de aeroportos, em que vale o maior preço, os lances alcançaram ágios de 600%. Nos leilões de energia, em que a menor tarifa leva, as propostas eram quase metade do preço mínimo pedido pelo governo. Além disso, boa parte das empresas que operam concessões no Brasil está atolada em acusações criminais, que afetaram suas finanças — no caso da Triunfo, houve busca e apreensão na sede da construtora, mas não na empresa de participações. O grupo não está implicado na Lava-Jato nem em seus filhotes.

O principal problema da Triunfo, para executivos do grupo e dos bancos, foi entrar no oneroso setor de aeroportos. A concessionária pagou 160% de ágio no leilão de Viracopos, em 2012, e contava com repasses do BNDES que demoraram a sair. Além disso, sua sócia, a empreiteira UTC, teve executivos presos e contratos rescindidos, ficando sem dinheiro para fazer os aportes. A obra atrasou e a agência de aviação Anac cobra multa de 100 milhões. Segundo a concessionária, o investimento já feito é de 3,5 bilhões de reais, faltam outros 2,1 bilhões e há um vencimento de 900 milhões em dívida em 2017.

Apesar de contribuir com apenas 9% da receita da Triunfo, o aeroporto representa cerca de 20% de sua dívida e tem peso equivalente às concessões rodoviárias no resultado final — o prejuízo do aeroporto para a Triunfo no ano passado foi de 35 milhões de reais, enquanto o prejuízo das rodovias, que representam 75% do negócio do grupo, foi de 36 milhões. Além disso, o aeroporto ainda demanda alto volume de investimentos — quase 30% de todo o investimento anual do grupo. Há cinco meses a Triunfo tenta vender sua participação — o preço estimado, em torno de 500 milhões de reais, já caiu para 350 milhões, segundo os bancos.

Para vencer a crise, a Triunfo terá mesmo de vender o que conseguir. Em 2015, a empresa vendeu a maior parte do negócio de energia à chinesa Three Gorges por 1,8 bilhão de reais, o que reduziu sua dívida em 2016. Como se vê hoje, esses recursos não foram suficientes. A companhia deve conseguir alongar o empréstimo do BNDES, mas ainda assim faltaria cerca de 1 bilhão de reais para um alívio financeiro.

“A Triunfo precisa de uma nova estrutura de capital ao final de 2017, menor e mais saudável”, diz Adeodato Volpi Netto, diretor da empresa de análise Eleven Financial Research. Nesse caso, a nova Triunfo voltaria a ser uma empresa de concessões rodoviárias, como nos anos 90. Como vem acontecendo com muitas empresas nestes tempos de crise — e certamente com o Brasil também —, a Triunfo vai ter de voltar muitos anos no tempo para reencontrar uma fórmula que a permita crescer de novo.

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