Revista Exame

Verde, sim, mas longe daqui

Moradores de Nova Jersey apoiam a energia solar — desde que ela só prejudique a vista do vizinho

Paineis de energia solar: os moradores de Nova Jersey estão divididos em relação à chegadada nova tecnologia à porta de suas casas (Vasileios Filis/AFP)

Paineis de energia solar: os moradores de Nova Jersey estão divididos em relação à chegadada nova tecnologia à porta de suas casas (Vasileios Filis/AFP)

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Da Redação

Publicado em 7 de julho de 2011 às 17h44.

Newark - Nos últimos meses, os moradores de Nova Jersey começaram a notar um novo tipo de in­ter­ven­ção urbana nas ruas do estado: painéis solares instalados nos postes de eletricidade. Os painéis não são muito grandes. Cada um tem cerca de 1,5 metro de largura por  80 centí­me­tros de comprimento.

Mas eles são muitos. A empresa responsável pelo pro­jeto, a Public Service Electric and Gas Company, atua em quase todo o es­ta­do e tem planos de colocar os coletores em 180 000 dos 800 000 postes em sua área de concessão.

Nova Jer­sey tem o segundo maior parque solar dos Estados Unidos, atrás apenas da Califórnia, estado que lidera o desenvolvimento e a adoção de tecnologias verdes. Mas muitos moradores do estado, que também tem a maior con­centração de lixões dos Estados Unidos, não gostaram nada da ideia. Para eles, a natureza fica em segundo plano — o problema é de poluição visual.

Alguns reclamam da feiura dos painéis. Outros dizem que a novidade pode desvalorizar suas casas. Thomas Riche, vice-prefeito da pequena cidade de Ridgewood, no oeste do estado, conseguiu paralisar a instalação alegando que os painéis poderiam interferir em sistemas de comunicação nos postes.

“Não somos contra a instalação dos postes, mas há maneiras mais eficientes de gerar essa energia”, diz Riche. Al Matos, vice-presidente de renováveis e soluções energéticas da PSE&G, afirma que esse argumento é inválido. “Nós já temos os postes. Essa é a maneira mais rápida de implementar um projeto desse tamanho. E todos os postes já estão ligados à nossa rede.”

Além dos 180 000 painéis em postes, a empresa terá 13 instalações de maior porte em terrenos condenados, como antigos lixões. Somente parte dos postes da empresa tem as condições necessárias para coletar a luz do sol, como exposição ao sudoeste e uma área livre de árvores ou de prédios que possam causar sombra.

O valor total do investimento é de 515 milhões de dólares, e o objetivo é ter todos os coletores no lugar até o ano que vem. Apesar do volume de dinheiro, o resultado previsto é modesto. Na entrada da sala de Matos, uma TV de tela plana exibe em tempo real a coleta de algumas das instalações de grande porte, mostrando o benefício da tecnologia em comparação com carros, por exemplo.

Num dia nublado em maio, em tese o melhor mês para aproveitar a luz solar, os painéis trabalhavam a menos de 20% da capacidade. Com o sistema solar em pleno funcionamento, o total de energia gerada será de 60 MW, uma pequena parte dos 10 000 MW consumidos na área de concessão da companhia.


Em termos práticos, isso significa abastecer de 13 000 a 14 000 casas durante um ano. A PSE&G tem 2,1 milhões de clientes, entre empresas e residências.

No quintal alheio

A polêmica em Nova Jersey é o mais recente exemplo de um novo tipo de oposição aos projetos ligados às energias renováveis, que não tem nada contra os planos de combater a mudança climática — desde que estejam bem longe. Existe até mesmo uma sigla para se referir a esse grupo: nimby, de not in my backyard (“não no meu quintal”).

No deserto do Mojave, há mais de uma dezena de projetos de instalação de usinas solares. Mas todos enfrentam a oposição de ONGs que afirmam que os painéis estragariam a beleza intocada do deserto, uma das paisagens mais famosas do sudoeste americano, além de colocar em risco os ecossistemas da região.

Em Cape Cod, região costeira no nordeste do país famosa pelas casas de luxo da elite americana, ambientalistas comemoraram em maio a decisão do governo federal de recusar garantias financeiras pa­ra a instalação de 130 turbinas eólicas no mar.

Embora a decisão seja ligada à viabilidade econômica do empreendimento, orçado em 2 bilhões de dólares, um grupo chamado Nantucket Sound comemorou a decisão, que, na prática, vai dificultar a obtenção do finan­ciamento para a obra — e vai manter aquele pedaço do litoral livre dos indesejados cata-ventos.

Em Nova Jersey, apesar das críticas, as instalações seguem no ritmo programado. O estado definiu como meta que, até 2021, 23% da eletricidade seja gerada por fontes renováveis (hoje, as maiores são usinas nucleares e térmicas). Além dos investimentos da PSE&G, foi criado um sistema de créditos para que empresas e residências sejam remuneradas caso decidam instalar coletores solares.

Os donos dessas pequenas geradoras recebem papéis de acordo com sua produção, e eles podem ser vendidos para empresas obrigadas a investir em tecnologias verdes, como as geradoras de energia. Em abril de 2010, houve 29 pedidos de registro no programa; neste ano, o número chegou a 611.

Se há quem seja contra a instalação dos painéis, também há apoio à iniciativa. O brasileiro Mateus Polato, que vive em Princeton, diz não ver problema algum na novidade da paisagem suburbana. “Os painéis não incomodam”, afirma Polato. “Se existe algo feio são os postes de energia. Mas qual é a alternativa? Ficar sem luz?”

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