Mariângela, do RH e estudantes na Universidade Petrobras: “Não escolhemos nossos funcionários, somos escolhidos” (Jorge Bispo/EXAME.com)
Da Redação
Publicado em 13 de junho de 2012 às 11h53.
Rio de Janeiro - Poucos episódios mudaram tanto a trajetória de quase seis décadas da Petrobras, a maior empresa brasileira, com faturamento de 213 bilhões de reais no ano passado, quanto a descoberta de petróleo no pré-sal em 2007.
Se conseguir de fato extrair petróleo de rochas enterradas a mais de 7 000 metros de profundidade no meio do Atlântico, a Petrobras dobrará sua produção diária, de 2,5 milhões para 5 milhões de barris de petróleo até 2020.
As perspectivas de tamanho crescimento possibilitaram que a companhia levantasse 120 bilhões de reais no ano passado, na maior capitalização da história.
Também colocaram a estatal brasileira como a oitava maior empresa do planeta, segundo a revista Forbes, que avalia receita, lucro, valor de mercado e ativos de mais de 2 000 corporações.
Além de desenvolver tecnologias capazes de vencer a pressão, a temperatura e a dureza das rochas no caminho para os reservatórios do pré-sal, a Petrobras precisará de gente, muita gente, para alcançar essa meta.
Até o final de 2014, a companhia terá de recrutar 9 000 funcionários e oferecer treinamento a eles e às 80 000 pessoas que hoje fazem parte de seus quadros.
Trata-se de uma tarefa complexa não apenas pela quantidade de pessoas envolvidas mas também pela qualidade do treinamento necessário — boa parte desse pessoal exerce funções específicas do setor de petróleo e gás, um mercado que durante décadas foi monopólio estatal.
A Petrobras não pode “roubar” funcionários de concorrentes — é ela que perde gente para petroleiras novatas, como a OGX, de Eike Batista, que buscou vários profissionais na estatal, incluindo seu atual presidente, Paulo Mendonça. Seu processo de contratação não segue o roteiro das empresas privadas.
A Petrobras só pode admitir funcionários por concurso público — e em nível júnior. “Não escolhemos nossos funcionários. Nós é que somos escolhidos”, afirma Mariângela Mundim, gerente de planejamento de recursos humanos da companhia.
Segundo Mariângela, os concursos são como pescarias de arrastão: “Quando puxamos a rede, encontramos lagostas, camarões e peixes nobres, mas, às vezes, também vêm uma lata amassada, uma bota furada, além de chegar todo mundo cru”.
Com tantas limitações, a Petrobras teve de se transformar numa espécie de máquina de formar mão de obra para se manter competitiva. No ano passado, investiu 161 milhões de reais em educação corporativa, média de 2 000 reais por empregado por ano. Para o padrão brasileiro, o investimento é altíssimo. Comparado com o que é feito em multinacionais como a GE, nem tanto.
A empresa americana investe mais de 1 bilhão de dólares por ano na preparação de seus funcionários em todo o mundo — o equivalente a 5 300 reais por cabeça.
“A Petrobras consegue formar não apenas bons técnicos mas também bons líderes, o que é fundamental para uma organização que só contrata juniores”, diz Glaucy Bocci, sócia do Hay Group, consultoria responsável pela elaboração de um ranking anual de empresas com as melhores práticas de desenvolvimento de líderes. (Em 2010, a Petrobras ocupou a sexta posição na lista.)
Essa é uma das razões pelas quais a estatal também consegue atrair estudantes universitários e jovens profissionais. Entre 2005 e 2009, liderou o ranking A Empresa dos Sonhos dos Jovens, feito pelo grupo DMRH — no ano passado, a estatal foi desbancada pelo Google.
“Esses jovens enxergam na Petrobras uma empresa que trabalha com tecnologia de ponta, paga bem, investe na formação do empregado e dá chance de ele crescer, além, é claro, de atrair quem deseja segurança no emprego”, diz Sofia Esteves, do DMRH. (Os funcionários da estatal são contratados seguindo o regime da CLT, mas as demissões são raríssimas.)
O pontapé inicial da política de treinamento da Petrobras são os chamados “cursos de formação”, obrigatórios para todos os novos funcionários.
No ano passado, 2 215 profissionais participaram desses programas, que duram de duas semanas a um ano, dependendo do cargo do profissional, e acontecem, na maioria das vezes, na Universidade Petrobras, prédio de oito andares localizado próximo à sede da empresa, no centro do Rio de Janeiro.
Engenheiros, por exemplo, passam 13 meses em sala de aula antes de começar a trabalhar; administradores de empresas, quatro. A capixaba Tainá Cosme, de 23 anos, é exemplo típico do tratamento a que os novatos são submetidos.
Formada em engenharia química na Universidade Federal do Rio de Janeiro, Tainá foi admitida em março de 2010, mas só começou a trabalhar, de fato, na área de estudos de projetos petroquímicos, há cerca de um mês. Antes disso, passou 13 meses assistindo a 8 horas diárias de aulas em disciplinas técnicas, de segunda a sexta-feira — e ainda tinha de estudar para as provas semanais.
Detalhe: durante o curso, todos os “alunos-funcionários” recebem salário e têm direito aos benefícios. Os que não atingem a média obrigatória (6) são dispensados. No ano passado, nove pessoas foram demitidas. Em 2007, 79 — um recorde para a corporação. Tainá passou com folga — sua média foi 8,4.
Os treinamentos não acabam depois desse “teste” na entrada. Ao longo da carreira, os funcionários da Petrobras são submetidos a diversos cursos de educação continuada. No ano passado, mais de 2 500 cursos diferentes foram realizados na empresa, somando 5 milhões de horas-aula.
Nem todo o conteúdo dessa programação é desenvolvido pela universidade corporativa. Em 2010, por exemplo, a UP contratou 49 instituições e professores estrangeiros para ministrar cursos, entre eles especialistas em rochas carbonáticas, comuns no pré-sal e ainda pouco conhecidas no Brasil, vindos das universidades de Parma, na Itália, e de Michigan, nos Estados Unidos.
Com tantas opções de cursos e com tanta gente envolvida é preciso ter critérios para definir quem faz o quê. A seleção dos funcionários que participam dos cursos de educação continuada é feita com base em um programa chamado Gerenciamento de Desempenho — uma avaliação de desempenho obrigatória para todos os empregados que acontece anualmente no mês de junho.
“É o momento em que subordinados e chefias avaliam o desempenho até ali, conversam sobre as metas atingidas, definem novos objetivos e discutem o tipo de treinamento que deveria ser feito”, afirma Diego Hernandes, diretor de RH da Petrobras. “Não fazemos treinamento porque é moda, mas porque queremos melhorar nossos resultados.”