Revista Exame

Uma carteira digital para a classe C

A RecargaPay, sediada em São Paulo e liderada por argentinos, mira os micropagamentos para competir com gigantes como Google, Apple e Mercado Livre

Rodrigo Teijeiro, fundador da RecargaPay: de boletos a bilhetes de transporte (Germano Lüders/Exame)

Rodrigo Teijeiro, fundador da RecargaPay: de boletos a bilhetes de transporte (Germano Lüders/Exame)

Mariana Fonseca

Mariana Fonseca

Publicado em 14 de março de 2019 às 05h48.

Última atualização em 14 de março de 2019 às 05h48.

Não se sabe se será em cinco, dez ou 20 anos, mas a data em que você trocará o dinheiro e os cartões pelos pagamentos 100% digitais está cada vez mais perto. Um dos nichos em que a mudança acontece mais rapidamente não é exatamente glamouroso: as microtransações essenciais aos brasileiros, como recarga de celular e pagamento de boletos. É um negócio que fica fora das prioridades de grandes bancos e fintechs. E é a principal aposta de uma startup criada por argentinos que escolheu o Brasil como campo de atuação: a RecargaPay.

A empresa, fundada pelo economista Gustavo Victorica e pelos administradores Alvaro Teijeiro e Rodrigo Teijeiro, primos, planeja repetir a história de outras startups argentinas por aqui, como Decolar e Mercado Livre, que hoje valem, respectivamente, 1,2 bilhão de dólares e 20 bilhões de dólares. O primeiro negócio em pagamentos do trio foi o Tarjetas Telefonicas, criado por Rodrigo Teijeiro, em 2002, para vender cartões de ligações internacionais. O experimento se transformaria no site Recarga.com, focado em créditos para celulares pré-pagos.

O negócio foi tocado em paralelo com a Sonico, rede social similar ao Facebook, mas voltada para a América Latina. A Sonico chegou a ter 55 milhões de usuários e foi adquirida pelo grupo de internet IAC, dono de sites de relacionamento, como Match.com, em 2014. Os recursos da venda foram usados para transformar o Recarga.com em RecargaPay. O nome representa melhor um “ecossistema de pagamentos móveis”, segundo o fundador, com serviços além da recarga de celular. Com a mudança, a empresa se mudou para seu mercado mais promissor: o Brasil.

O foco da RecargaPay está em microtransações de alta frequência — oito em cada dez pagamentos feitos não passam de 20 reais. Para usar o serviço, é preciso inserir dinheiro na carteira digital via pagamento de boletos, transferências, depósitos ou cartão de crédito. A recarga de celular continua sendo o principal serviço, mas a fintech aceita também recarga do Bilhete Único (cartão de transporte público de São Paulo), transferências, cartões pré-pagos, pagamentos de boletos, vales-presentes, parcelamento. “Vamos adicionar cada vez mais serviços”, afirma Rodrigo Teijeiro.

O próximo passo é usar a carteira digital para pagamentos em maquininhas no varejo físico. Para incentivar o uso, a startup costuma devolver parte do valor pago aos clientes: nas recargas de celular e Bilhete Único, 5% do valor é devolvido. Um dos projetos promissores agora é um pacote de assinaturas, o RecargaPay Prime. Com 9,99 reais por mês, a empresa oferece valores superiores à mensalidade em devoluções para os clientes assíduos. Outra fonte de receita são juros cobrados no parcelamento de compras pré-pagas. A fintech tem 1,5 milhão de contas ativas e não divulga quantos usuários aderiram à assinatura mensal. A meta é superar 1 bilhão de reais transacionados em 2019. A consultoria CB Insights estima que a RecargaPay tenha uma receita anual de 5 milhões de dólares.

Os argentinos querem repetir casos de sucesso como os vistos na China, onde mais de sete em cada dez pagamentos passam hoje pelas carteiras digitais. A maioria (55%) usa as e-wallets Alipay e WeChat Pay, dos gigantes de tecnologia Alibaba e Tencent, respectivamente. Mesmo assim, carteiras digitais menores ocupam 16% dos pagamentos chineses. É uma proporção que fintechs brasileiras buscam repetir, em um país no qual as carteiras digitais ainda não têm uma participação digna de nota.

Um estudo do banco BTG Pactual e da aceleradora ACE mostra que há 114 startups brasileiras de meios de pagamento ativas, um quarto delas no segmento de carteiras digitais. Para atingir relevância antes que o mercado se consolide, a RecargaPay captou 28,6 milhões de dólares de fundos como FJ Labs (investidora nos aplicativos Uber, Rappi e Wish), IFC (Dafiti e Loggi) e TheVentureCity (Cabify). A Adyen, empresa de infraestrutura de pagamentos que atende, inclusive, a RecargaPay como adquirente, viu um aumento de 50% nas transações por carteiras digitais no último trimestre do ano passado.

Outra leva de concorrentes são os gigantes de tecnologia que lançaram recentemente suas e-wallets por aqui: Google Pay (fevereiro de 2018), Apple Pay (abril de 2018) e Samsung Pay (julho de 2018). Talvez o maior concorrente, porém, seja o MercadoPago, braço financeiro do conterrâneo -mar-ketplace argentino Mercado Livre. O Mercado Pago oferece serviços como recarga de celular, pagamento de boletos e cartões pré-pagos e tem 2,4 milhões de pagantes ativos na América Latina.

“Várias e-wallets podem coexistir. A RecargaPay se estabeleceu como resolvedora de problemas para clientes como os desbancarizados. É um nicho que deve atrair novos concorrentes, mas que tende a continuar em segundo plano para muita gente”, diz Bruno Diniz, sócio da consultoria de inovação Spiralem e diretor do comitê de fintechs na Associação Brasileira de Startups. A RecargaPay não precisa apenas convencer os brasileiros a deixar cédulas e cartões em casa — precisa convencê-los a não embarcar na canoa da concorrência.

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