Revista Exame

Mark Mobius deixou de ser otimista sobre o Brasil

O investidor americano Mark Mobius administra 48 bilhões de dólares e sempre acreditou no potencial do mercado brasileiro. Em entrevista a EXAME, ele explica por que sua crença está abalada


	Dubai, nos Emirados Árabes: entre os mercados preferidos de Mark Mobius para fazer novos investimentos
 (Wikimedia Commons)

Dubai, nos Emirados Árabes: entre os mercados preferidos de Mark Mobius para fazer novos investimentos (Wikimedia Commons)

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Da Redação

Publicado em 27 de janeiro de 2014 às 05h00.

São Paulo - O investidor americano Mark Mobius, um dos maiores especialistas em mercados emer­gen­tes, sempre teve uma visão otimista do Brasil. Em 2009, enquanto o mundo se apavorava com os desdobramentos da crise do ano anterior, ele dizia que a bolsa brasileira oferecia uma das melhores pers­pec­tivas de retorno do mundo no longo prazo.

Mesmo depois da sequência de pibinhos e da queda no lucro das em­presas locais, ele seguia acreditando no potencial do mercado. No início de 2013, afirmou que, apesar do ambiente conturbado no curto prazo, havia ações baratas na Bovespa. Mobius resistiu bravamente até poucos meses atrás, quando decidiu que era hora de mudar de ideia. O que deu errado?

“O governo ficou grande demais e passou a in­ter­ferir de forma agressiva nos negócios”, diz Mobius, que é presidente da divisão de mercados emergentes da gestora americana Franklin Templeton e responsável por administrar 48 bilhões de dólares. O mau desempenho da bolsa brasileira não chegou a colocar em risco o resultado dos quase 20 fundos que administra.

Nos últimos cinco anos, seus principais fundos renderam entre 11% e 24% ao ano, enquanto as ações dos principais mercados emergentes subiram, em média, 9% ao ano (esses fundos não são vendidos no Brasil). Mas o montante investido por ele no Brasil caiu, e muito — dos 5 bilhões de dó­lares seis meses atrás para os 2,8 bilhões de dólares atuais.

Ele nega que a queda se deva à venda de grandes quantidades de ações e alega que a desvalorização dos papéis ajuda a explicar o en­co­lhi­mento da carteira. Sua equipe em São Paulo está se preparando para sa­batinas exaustivas durante a passagem de Mobius pelo Brasil.

Como mora em Singapura e passa mais da metade do ano viajando, Mobius nem sempre ajusta o fuso horário para o país em que está. “Vira e mexe, ele marca reu­niões às 2 da manhã, quando sai da academia”, afirma um executivo. Por telefone, do Vietnã, ele falou a EXAME.  

EXAME - O cenário para os mercados emergentes está complicado. Os investidores estão preferindo colocar seus recursos nas bolsas dos Estados Unidos e da Europa. Mas seus fundos aplicam somente em países como Brasil, China e Turquia. Ainda dá para ganhar dinheiro fazendo isso?

Mark Mobius - Os mercados emergentes já passaram por muitos períodos difíceis, mas, no longo prazo, é possível ganhar dinheiro com eles. As bolsas de países emergentes só tiveram um desempenho pior do que as dos desenvolvidos em três dos últimos 12 anos. Em prazos mais curtos, os resultados podem ser voláteis. Mas não invisto pensando em poucos meses. 

EXAME - É possível olhar os países emergentes como um conjunto, apesar da enorme diferença entre cada um deles? 

Mark Mobius - Desde 1987, quando comecei a criar os fundos voltados para esses mercados, vários paí­ses se alternaram no posto de mais atrativos. A Argentina já foi um sucesso, a Turquia, a África do Sul, a China e o Brasil também. As oportunidades mudam, e mudamos junto.

Continuo otimista com a China porque o crescimento econômico, apesar de ter diminuído, continua forte, e com os chamados mercados de fronteira, nos quais o risco é maior, mas a chance de retorno também, como Nigéria, Vietnã e Emirados Árabes. Não tenho dúvida de que esses países vão crescer mais do que os desenvolvidos no longo prazo. 


EXAME - O crescimento econômico é um bom indicador para pautar decisões de investimento? Alguns estudos mostram que as bolsas de países que crescem muito nem sempre vão bem. 

Mark Mobius - Depende de como se olha esse número. Alguns analistas acham que a economia e as bolsas vão ascender ao mesmo tempo. Mas a valorização das bolsas ocorre antes. Elas sobem, aí a economia acompanha. Por isso, parece que não há correlação, mas há, sim.

A chave para tentar pegar esse movimento no começo e comprar ações antes de elas subirem é analisar as empresas. Se os resultados estão melhorando, isso vai aparecer no PIB depois de alguns meses. Por isso, é preciso fazer muita pesquisa, visitar as empresas, ser próximo de seus executivos.

EXAME - O que sua análise diz sobre o Brasil? 

Mark Mobius - Há uma boa notícia: o volume de reservas internacionais, que é alto e pode ajudar a absorver algum choque externo. E só. Fora isso, estamos vendo uma série de indicadores negativos. O crescimento econômico é baixo demais para um país com uma população tão jovem.

O déficit nas transações com o exterior é preocupante, e uma desvalorização do real ajudaria a resolver isso. Mas, nesse caso, haveria mais pressão sobre os preços, num momento em que a inflação já está elevada. É bem difícil que o Banco Central deixe isso ocorrer num ano eleitoral. Por último, o emprego já não está crescendo como antes. 

EXAME - Isso era esperado? 

Mark Mobius - Não. A piora do Brasil é uma surpresa. Considerando as perspectivas que o país tinha — geradas pela descoberta de petróleo na camada do pré-sal, pelos investimentos em infraestrutura —, a economia deveria estar muito melhor. 

EXAME - O que deu errado? 

Mark Mobius - O governo ficou grande demais e passou a interferir de forma agressiva nos negócios. Os impostos são altos, e o ambiente para o setor privado é, em muitos casos, imprevisível. Se as empresas não entendem as regras, elas só investem se a perspectiva de ganho for altíssima, o que não é o caso do Brasil.

O governo está pedindo bilhões de dólares a mais da Vale (em razão de uma disputa fiscal), e isso é uma loucura. Ou os contadores da Vale são muito burros, porque deixaram de recolher impostos que a empresa devia por anos, ou há algo muito errado. Além disso, muita burocracia estimula a corrupção, e isso é um problema na maioria dos países emergentes. 


EXAME - Algum país se salva? 

Mark Mobius - Hoje, os Emirados Árabes. O governo é eficiente, paga salários elevados, é duro com corruptos e os impostos são baixos, porque as receitas do petróleo são relevantes. Além disso, o ambiente de negócios é bom. Estamos investindo numa empresa do setor imobiliá­rio, a Emaar. Também estamos otimistas com as propostas de mudança do governo do México, mas as reformas devem levar tempo. 

EXAME - O senhor está deixando de investir no Brasil? 

Mark Mobius - Não pretendemos aplicar mais na Bovespa por enquanto.  Reduzimos os investimentos na Petrobras, por exemplo. O governo está exigindo demais da empresa: ela tem de ex­plorar o pré-sal, não pode reajustar os com­bustíveis livremente, a conta não fecha.

Não estamos fazendo grandes sa­ques de recursos do país, só pe­quenos ajustes. Apesar de tudo, ainda há ne­gócios promissores. Entre as principais ações de nossa carteira  estão os bancos Bradesco e Itaú, a empresa de energia elétrica AES Tietê e companhias mais voltadas para o consumo interno, como Duratex e Natura. Aplicamos nelas há anos. 

EXAME - A maioria dos analistas espera que as agências de classificação de risco reduzam a nota do Brasil neste ano. Isso pode piorar a situação do país? 

Mark Mobius - Acho que já ficou claro que as agências de rating nem sempre acertam, então não acompanhamos suas decisões muito de perto.

É possível que haja algum impacto de curto prazo no custo de captação de recursos do governo e das empresas, mas não acredito em consequências maiores para a economia. Uma redução da nota pode gerar pessimismo entre os investidores, as ações podem cair e aí surgem oportunidades de compra.

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