Cristiane Mano (à esq.), editora executiva de EXAME; Heiko Spitzeck, gerente executivo do núcleo de sustentabilidade da Fundação Dom Cabral; e Regina Magalhães, executiva sênior de sustentabilidade da Schneider Electric: os executivos de sustentabilidade precisam se aproximar da área financeira da companhia (Alexandre Battibugli/Exame)
Da Redação
Publicado em 14 de dezembro de 2017 às 05h51.
Última atualização em 14 de dezembro de 2017 às 05h51.
Cerca de 2.600 mulheres de baixa renda se dedicam hoje a vender kits de iogurtes da multinacional francesa Danone, de porta em porta, nos bairros pobres de cinco capitais do Brasil. O lucro dessas vendedoras, chamadas de “kiteiras”, corresponde a 30% do valor total vendido por elas. Em Salvador, onde o programa começou em 2011, 15% do total das vendas da empresa já vem desse canal. Para tornar viável esse modelo de entrega, a empresa desenvolveu distribuidores locais e, desde 2014, contrata mulheres do bairro, chamadas de “madrinhas”, para auxiliar nos treinamentos e estimular as vendas. “Nessa iniciativa, conseguimos produzir um negócio de inclusão social mas também um importante canal de vendas”, diz Ligia Camargo, gerente de sustentabilidade da Danone. Apesar da complexidade do projeto, os resultados na capital baiana mostram a possibilidade de fazer mais. Em 2016, o programa foi expandido para São Paulo e Fortaleza e, neste ano, para Rio de Janeiro e Recife.
O modelo desenvolvido pela Danone foi um dos casos apresentados no EXAME Fórum Sustentabilidade, evento que reuniu empresários, executivos e especialistas do setor no dia 29 de novembro em São Paulo, para discutir estratégias de valor compartilhado para a sustentabilidade dos negócios. O conceito foi criado em 2011 pelo guru de estratégia Michael Porter e pelo pesquisador Mark Kramer, ambos da Universidade Harvard. A ideia é que empresas articulem seus negócios de modo que cresçam e tragam benefício à sociedade ao mesmo tempo. “Com a ideia de valor compartilhado, as empresas podem achar oportunidades rentáveis ao resolver problemas sociais e ambientais”, afirma o americano Dane Smith, diretor-geral da consultoria FGS Social Impact Advisors, fundada por Porter e Kramer.
Pensar na própria estratégia de sustentabilidade sob a lente dos negócios é uma tendência clara no investimento social das empresas. Segundo a pesquisa Benchmar-king do Investimento Social Corporativo, realizada pela ONG Comunitas, 75% das 268 empresas participantes afirmam alinhar seus investimentos sociais com o foco do negócio. Em 2013, apenas metade delas fazia isso. “Entender o princípio de que é possível vender mais e, assim, ter um impacto social ou ambiental cada vez mais positivo garante a perenidade desses investimentos”, afirma Regina Magalhães, executiva sênior de sustentabilidade da empresa do setor elétrico Schneider Electric. “É diferente do que acontece com o dinheiro para filantropia, o primeiro a ser cortado na crise”, diz Heiko Spitzeck, gerente executivo do núcleo de sustentabilidade da Fundação Dom Cabral. Um dos casos pioneiros no país é o da fabricante de papel e celulose Fibria. A companhia ajudou a criar novas fontes de renda para as comunidades nas quais seus negócios estão presentes, conseguindo diminuir em 90% o furto de madeira, problema que causou o prejuízo de 20 milhões de dólares em 2009. “Num país em desenvolvimento, temos a necessidade de obter a licença social para operar”, diz Marcelo Castelli, presidente da Fibria. “É muito mais do que assistencialismo e responsabilidade social corporativa. É eixo de negócios.”
Fazer a transição da filantropia pura para o valor compartilhado, porém, não é fácil. Um dos desafios, segundo Spitzeck, é justamente aproximar a equipe de sustentabilidade das demais áreas da empresa. “Muitos não conseguem iniciar projetos por não convencer a área financeira de que haverá um bom retorno”, afirma. Uma das dificuldades nesse sentido é encontrar métricas para calcular esse retorno. Foi o que fez a varejista de moda C&A em 2015. A companhia decidiu rever toda a estratégia de sustentabilidade que faz em cada um dos 24 países em que atua. Agora vai se dedicar globalmente a melhorar as condições da cadeia de fornecimento da indústria no mundo, tanto no aspecto social, com relação às condições de trabalho nas fábricas, como no campo, com o uso de algodão sustentável. Em agosto de 2016, a subsidiária brasileira da C&A desenvolveu um time responsável por ajudar seus 805 fornecedores em todo o país a melhorar as necessidades apontadas em 120 itens verificados pela auditoria interna da varejista, como regularidade trabalhista e destinação de resíduos. “A nova equipe recebe o plano de ação, entra em contato com o fornecedor e ajuda, por exemplo, na capacitação dos funcionários ou a repensar o fluxo de produção”, diz Rosália Del Gaudio Soares, gerente de comunicação e sustentabilidade da C&A. Os fornecedores são classificados com notas de A a E. Hoje, 78% deles têm nota A ou B. A meta é que, até 2020, todos cheguem a esse patamar. O retorno financeiro é medido com mais qualidade nos produtos, o que, em última análise, melhora as vendas, além de diminuir o risco do negócio.
Por vezes, o resultado do impacto gerado é bastante óbvio. Mas nem sempre é assim. Segundo a pesquisa Benchmarking do Investimento Social Corporativo, mensurar os resultados dos projetos é o principal desafio para 73% das empresas. “Em alguns casos é difícil dizer se uma realidade mudou com a contribuição da companhia ou por fatores externos”, diz a especialista Anna Peliano, coordenadora da pesquisa e membro do Grupo de Pesquisa em Nutrição e Pobreza do Instituto de Estudos Avançados da Universidade de São Paulo. Ainda assim, criar métricas para cada investimento tornou-se algo corriqueiro dentro de grandes empresas. É o caso da fabricante de bebidas Coca-Cola. Em 2009, os executivos da companhia no Brasil se deram conta, durante o crescimento de consumo da classe C, que para cada jovem das classes A e B existiam nove das classes C, D e E. Pouco sabiam sobre esse público, no entanto. Para aumentar as vendas, seria fundamental conhecê-lo de perto. A solução foi desenvolver um projeto, hoje executado em parceria com ONGs em mais de 100 comunidades, para formar jovens com idade entre 16 e 25 anos em técnicas de varejo e ajudá-los a conseguir emprego em empresas como o varejista Walmart e a rede de lanchonetes McDonald’s. Entre os mais de 1 600 formados até hoje pelo programa, os executivos da Coca-Cola observaram um crescimento de 40% na renda familiar e de 20% na autoestima do jovem. A empresa conseguiu também medir que o consumo dos produtos da marca por esses jovens é 9,5% superior em relação ao público semelhante sem a presença do projeto. “Justificamos a melhoria compartilhada entre empregabilidade para o jovem e aumento do valor de marca e vendas”, diz Flávia Neves, gerente de sustentabilidade da Coca-Cola Brasil.
Um aprendizado das empresas é que não é possível prosperar de maneira isolada. Para a maioria, as parcerias mais bem-sucedidas são feitas com ONGs experientes. No programa de kiteiras da Danone, o ponto de virada aconteceu em 2014, com o início de um trabalho conjunto com a ONG Visão Mundial, que atua em dez estados do país e ajudou a melhorar a abordagem das novas vendedoras. Em vez de marcar uma reunião na escola local na manhã de um sábado, por exemplo, quando elas nunca pensavam em ir até lá, a empresa começou uma abordagem na hora de entrada ou saída das crianças. Há quem faça parceria até entre concorrentes, como é o caso das fabricantes de bebidas Coca-Cola e Ambev, dona de marcas como o refrigerante Guaraná Antarctica. Em outubro, as duas empresas lançaram oficialmente um programa, discutido há mais de um ano, para estimular a reciclagem de garrafas plásticas e, consequentemente, baratear o preço do produto para a fabricação de novas embalagens. Diferentemente do que acontece em qualquer parceria que a Coca-Cola já tenha feito até então, dessa vez foi preciso revelar à concorrente os indicadores de sustentabilidade. “Contar nossas estratégias e objetivos era necessário para construir uma rede mais sustentável”, diz Flávia.
A lógica de valor compartilhado levada às últimas consequências tem dado origem aos negócios de impacto, que já nascem com o objetivo de ganhar dinheiro ao resolver problemas sociais ou ambientais. É o caso da empresa de reformas em moradias populares Vivenda, também presente no evento de EXAME. Em abril de 2014, três sócios começaram a reformar um ou dois cômodos de casas para a população de baixa renda. Na primeira fase do projeto, dez obras foram realizadas e, em seguida, mais 104 reformas aconteceram no Jardim Ibirapuera, em São Paulo. Nessa primeira experiência, uma ONG local ajudou a estabelecer os detalhes do projeto, como a escolha dos beneficiados. Doações cobriram 70% das reformas, o restante foi financiado em até 15 vezes pelos próprios moradores. “Depois das 100 primeiras obras, percebemos que o projeto era viável, mas houve confusão por parte dos moradores, que achavam que se tratava de filantropia”, afirma Fernando Assad, cofundador da Vivenda. Para deixar claro que se tratava de um negócio, a empresa decidiu, em 2015, abrir sua primeira loja de reforma planejada depois de angariar investimentos na plataforma Broota. De lá para cá, a empresa consegue ajudar famílias de baixa renda ao mesmo tempo que estrutura seu comércio. Com mais de 700 obras realizadas desde o início das operações, a empresa espera agora fechar o ano de 2017 com faturamento de 1,2 milhão de reais.
Como qualquer modelo de negócios, os projetos de valor compartilhado geram um resultado maior à medida que adquirem escala. No caso da Vivenda, a ideia é ganhar fôlego com parcerias como a realizada neste ano com a prefeitura de Campinas para a oferta de crédito para a população de baixa renda reformar sua residência com a Vivenda. Os executivos da Vivenda calculam que a parceria viabilizará 900 obras em 2018. Cada vez mais é esperado que a medição de resultados de investimentos sociais entre no planejamento orçamentário como o que de fato é: um investimento. “Enquanto a responsabilidade social gera custo, o valor compartilhado é um incentivo para dar escala, inovar e fazer mais”, afirma Dane Smith, da FGS Social Impact Advisors. É a boa e velha lógica do ganha-ganha. “Podemos beneficiar o acionista, mas também deixar um rastro positivo na sociedade”, diz o consultor Lourenço Bustani, cofundador da consultoria de inovação Mandalah.