Scooter E, da Mini Cooper: motor elétrico e zero emissão de poluentes, além de espaço no painel para se encaixar um smartphone e controlar a scooter a partir do telefone (Divulgação)
Da Redação
Publicado em 14 de junho de 2012 às 11h18.
São Paulo - Uma palavra define bem o Brasil de 2010: consumo. Nunca os brasileiros compraram tantas geladeiras, máquinas de lavar, celulares e automóveis no país quanto neste ano, transformando o Brasil num dos mais empolgantes mercados do mundo.
A rápida ascensão da classe C, o aumento generalizado da renda, o bom momento do emprego começam a fazer do país um mercado formado basicamente por uma classe média que busca satisfazer seus desejos de “possuir” por décadas reprimidos.
Segundo dados da consultoria LCA, o consumo das famílias brasileiras deve responder por 6,4% do PIB de 2010, ou cerca de 230 bilhões de reais — em 2009, esse índice foi de 4,1%.
“A fartura de crédito e os juros relativamente baixos para o padrão nacional fizeram com que os brasileiros comprassem de maneira desenfreada”, diz João Carlos Lazzarini, diretor do instituto de pesquisa Nielsen.
O que esperar de 2011? Não há dúvidas de que o mercado doméstico continuará a mostrar sua força, mas mudanças comportamentais, com impacto direto sobre o ímpeto comprador, parecem estar à espreita.
Os especialistas já enxergam o surgimento de um consumidor um pouco mais comedido — um padrão forjado com base no amadurecimento natural do mercado e nas medidas de restrição ao crédito recentemente anunciadas pelo Banco Central.
Pode ser o início de um processo natural de sofisticação do mercado consumidor, algo já visto décadas atrás em países desenvolvidos. “Os brasileiros devem ficar mais exigentes com relação à qualidade dos produtos e serviços que estão adquirindo”, diz Lazzarini.
Passaremos, segundo os analistas, de uma fase em que a quantidade cede lugar à qualidade. Na prática, isso significa uma predileção por materiais mais resistentes, ecologicamente corretos, com tecnologia que promete interatividade e design que não envelhece com o passar dos anos (ou pelo menos até que o impulso de voltar às compras se torne incontrolável).
A febre do iPhone
Não existe uma fórmula mágica capaz de identificar quais itens cairão no gosto do consumidor em 2011 — mas algumas tendências já começam a apontar caminhos. A mais evidente delas diz respeito ao uso da tecnologia touchscreen, popularizada pelo iPhone e que se tornou febre em 2010 com a chegada do tablet iPad, ambos fabricados pela Apple.
Ao que tudo indica, a partir do ano que vem os displays passarão a equipar qualquer equipamento que possa ser conectado a uma tomada — de geladeiras a lavadoras de louças. Essa é a aposta de empresas como a Kenmore, tradicional fabricante de eletrodomésticos dos Estados Unidos.
A empresa recebeu o troféu Inovação no prestigiado Congresso Internacional de Eletrônicos realizado em Las Vegas, no início de novembro, com a Elite, uma lava-louças cujo painel se assemelha ao iPhone.
Em outubro, a BMW lançou no mercado europeu uma motocicleta com a marca Mini em cujo painel é possível encaixar o smartphone da Apple — ele funciona inclusive como chave para ligar a moto.
“A Apple criou entre os consumidores uma paixão pela simplicidade, tanto na linguagem quanto na forma como as informações são fornecidas”, diz Marcos Roismann, presidente da LED Project, consultoria especializada em construção de marca e design.
“O cliente nem imagina o quanto de tecnologia embarcada existe nesse tipo de artefato, mas para os fabricantes passou a ser fundamental contar com esse tipo de recurso.”
Tanto a lavadora da Kenmore quanto a moto da BMW são produtos de luxo, que cobram alto pelo conforto que oferecem. É exatamente dessa forma que as tendências costumam nascer, para depois se espraiar pelo mercado de massa, no qual os ganhos de escala encantam as maiores companhias do mundo.
Trata-se de um consumidor cada vez mais fascinado por inovações — preferencialmente aquelas que estejam ao alcance de seu orçamento ou de sua capacidade de obtenção de crédito. Segundo estimativas da corretora Ativa, 3 milhões de brasileiros passarão a fazer parte da nova classe média em 2011.
Mais impressionante que isso — outros 6 milhões de pessoas deverão migrar da classe C para a B, com renda familiar entre 5 000 e 10 000 reais. Um estudo inédito realizado pela consultoria britânica The Future Laboratory, especializada em inovação, com 1 200 brasileiros ao longo de 2010 dá pistas sobre o que esse novo consumidor deseja.
Para 51% dos entrevistados, estética é fundamental, mas não suficiente. “Com tanto estímulo vindo de todos os lados, o consumidor deve passar a dar mais atenção a quesitos como serviço agregado ou qualidade do material, exatamente como fazem os ingleses e os americanos”, diz Paulo Roberto Al-Assal, presidente da consultoria Voltage, parceira do The Future Laboratory no Brasil.
A evolução por que tem passado o carro elétrico oferece um dos exemplos mais contundentes desse novo patamar de exigência do consumidor global.
Apesar de essa tecnologia vir sendo pesquisada há pelo menos duas décadas, os modelos lançados até agora — ou mesmo os protótipos apresentados — jamais atingiram velocidade superior à de um carrinho de golfe. (A bem da verdade, jamais ultrapassaram o tamanho de um carrinho de golfe.)
Não espanta, portanto, que esses carros não tenham empolgado nem mesmo os defensores mais aguerridos de produtos considerados “verdes”.
Segundo a consultoria Pike Research, se tudo correr conforme o previsto pelas montadoras, as vendas de carros elétricos deverão atingir um patamar relevante, em torno de 3 milhões de unidades (ou 0,3% da frota mundial) somente em 2015.
Tal cenário, no entanto, deve começar a mudar já a partir de 2011, com a chegada ao mercado de uma nova leva de carros elétricos com motores mais potentes — entre eles o tão aguardado Volt, da GM, o Leaf, da Nissan, e o LiFe, da americana Wheego Electric Cars. Os três têm capacidade para atingir até 110 quilômetros por hora e rodar 160 quilômetros com uma única recarga de bateria.
Além disso, contam com acessórios como ar-condicionado, travas e vidros elétricos e airbags. “Os fabricantes finalmente se deram conta de que, para o consumidor, não basta que o veículo seja não poluente”, diz Luiz Góes, diretor da consultoria GS&MD, especializada em varejo. “Era preciso oferecer algo a mais — no caso dos carros, um bom desempenho. E isso tem acontecido com a maioria dos produtos ‘verdes’.”
Embora deva se tornar mais criterioso na hora de ir às compras, os brasileiros devem continuar gastando — e muito — ao longo de 2011. Essa tendência pode ser verificada em estudos como o Índice de Expectativa do Consumidor, elaborado anualmente pela Confederação Nacional da Indústria desde 2001.
Na última pesquisa, divulgada em dezembro, o índice atingiu 117 pontos — abaixo do recorde histórico registrado em outubro, de 120,7 pontos, mas bem acima das taxas auferidas nos anos pré-crise. Boa parte desse otimismo deve-se a uma combinação de empregabilidade e aumento da renda.
Em outubro, segundo dados do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Econômicos (Dieese), o índice de desemprego no Brasil chegou a 10,8%, o menor patamar da história. Ao mesmo tempo, segundo projeções da consultoria econômica LCA, a renda per capita nacional chegaria ao final de 2010 na faixa dos 10 000 dólares, colocando o Brasil num novo patamar de riqueza.
“A confiança de que a economia vai continuar crescendo é tão importante para o consumidor quanto dinheiro no bolso”, diz Góes, da GS&MD. Ao que tudo indica, o brasileiro contará com as duas coisas em 2011 — melhor para as empresas que estiverem preparadas para surfar essa onda.