Revista Exame

Com a crise mundial, sobrou para todo mundo

Como escapar de um efeito perverso da crise - a desconfiança generalizada de investidores, fornecedores e clientes, que respinga até em empresas menos atingidas pela turbulência

Rodrigo Campos (ao centro), Roberta Ehlers e Sergio Pedreiro, da ALL: 6 horas por dia ao telefone com analistas e investidores (Joel Rocha/EXAME.com)

Rodrigo Campos (ao centro), Roberta Ehlers e Sergio Pedreiro, da ALL: 6 horas por dia ao telefone com analistas e investidores (Joel Rocha/EXAME.com)

DR

Da Redação

Publicado em 29 de março de 2011 às 13h37.

Um telefonema surpreendeu o paulistano Rodrigo Campos, diretor de relações com investidores da ALL, no final de setembro. Do outro lado da linha um analista o questionava sobre os rumores de que a companhia, dona da maior malha ferroviária da América Latina, anunciaria perdas milionárias com derivativos cambiais. Era só a primeira ligação de uma série. Logo as ações da empresa ingressaram na lista das campeãs de volatilidade, com variações semanais de até 39%. Para evitar mais estragos, Campos formou uma espécie de time de gestão de crise de última hora com Roberta Ehlers, gerente de relação com investidores, e o diretor financeiro Sergio Pedreiro. Até então, eles não reservavam mais de 2 horas por dia para conversar com analistas e investidores. Agora, passam até 6 horas pendurados ao telefone - com investidores, fornecedores e até clientes. Para demonstrar que não havia contratos de derivativos nem mesmo dívida atrelada ao dólar, a ALL decidiu também pela primeira vez em sua história antecipar em mais de um mês os resultados do terceiro trimestre, que inicialmente só se tornariam públicos no dia 12 de novembro. (O faturamento de 770 milhões de reais é 10% maior do que o do mesmo período do ano anterior.) Campos também viajou para Nova York em novembro para encontrar cerca de 60 investidores. As medidas não conseguiram evitar completamente a oscilação do valor das ações, mas contiveram sua desvalorização contínua. "Nossa principal tarefa, neste momento, é tranqüilizar o mercado e também clientes e fornecedores", diz ele.

Um dos efeitos mais perversos da turbulência que assolou o mundo nas últimas semanas é a crise de confiança. Com os desdobramentos do terremoto financeiro, os temores se espraiaram para além dos bancos, os alvos mais óbvios da crise. Para afastar dúvidas, uma série de companhias brasileiras preferiu antecipar seus resultados do terceiro trimestre, mesmo que não auditados. Foi o caso de CSU, Santos Brasil, Rodobens, Unibanco, Itaú e Usiminas - que conseguiram interromper (pelo menos temporariamente) a queda de suas ações. As empresas que saíram menos chamuscadas em meio à crise seguiram uma mescla de transparência e rapidez e mantiveram informações consistentes. "A falta de transparência no primeiro momento traz desconfiança não apenas sobre a gestão mas também sobre a própria liderança da companhia", diz Alexandre Fialho, professor da Fundação Dom Cabral.

Na Marcopolo, maior fabricante de ônibus do Brasil, a rapidez foi fundamental para cortar a possibilidade de especulações. Carlos Zignani, diretor de relações com investidores da empresa, deixava a quadra de tênis, na noite do dia 25 de setembro, quando foi informado por um colega que a Sadia tivera prejuízos em operações de câmbio. Logo imaginou que investidores colocariam em xeque a saúde financeira de todas as empresas exportadoras, como a sua, que tem 45% das receitas de 2,1 bilhões de reais por ano em dólar. Sem sair da quadra, disparou de seu BlackBerry e-mails a outros diretores da companhia e agendou reunião para a primeira hora do dia seguinte. Perto do meio-dia, a Marcopolo divulgou um comunicado explicando que a exposição cambial da empresa estava dentro das normas e seria compensada pelas exportações. Quando a empresa divulgou os resultados do terceiro trimestre, no dia 31 de outubro, com perdas de 28,8 milhões de reais com derivativos, os investidores estavam preparados e as ações chegaram a subir 7% no dia - de 3,50 para 3,77 reais. "Antes que a crise nos afetasse, achamos melhor tomar uma ação preventiva", diz Zignani.


Nem todas as empresas, porém, tiveram a opção de descolar sua marca de prejuízos financeiros. Desse time fazem parte companhias que registraram perdas bilionárias em operações no mercado futuro de dólar. Em situações como essa, afirmam consultores, a transparência é ainda mais crucial. Foi o caso da Votorantim. O grupo da família Ermírio de Moraes possui oito indústrias, das quais apenas a Votorantim Celulose e Papel é listada em bolsa. Na teoria, não existe nenhuma obrigação de tornar suas informações financeiras públicas. Mesmo assim, no dia 10 de outubro, o grupo anunciou que gastara 2,2 bilhões de reais para eliminar por completo sua exposição a derivativos cambiais semelhantes aos que levaram a Aracruz e a Sadia ao prejuízo. Dias antes, o mercado especulava que as perdas do grupo - que conquistou o grau de investimento pela agência Standard & Poor’s no ano passado - chegavam a cerca de três vezes esse valor. "Ao escancarar as perdas e informar que tinha caixa de 10 bilhões de reais, o grupo transformou um fato negativo em prova de credibilidade", diz um consultor.

O mercado penalizou duramente as companhias que demoraram a prestar contas. O caso da fabricante de celulose Aracruz, segundo especialistas, é o mais crítico. A companhia admitiu, no dia 26 de setembro, perdas com operações cambiais, mas não informou o montante do prejuízo - que chegou a 2,1 bilhões de reais. O mercado chegou a projetar que, se o dólar chegasse ao patamar de 2,70, a empresa poderia simplesmente quebrar. Entre o anúncio de perdas e a liquidação dos contratos futuros de câmbio se passou pouco mais de um mês, período em que as ações da Aracruz caíram 58%. O caso da Sadia, por sua vez, foi marcado por erros e acertos. A empresa foi a primeira a revelar perdas com derivativos, da ordem de 760 milhões de reais, no dia 25 de setembro, e foi elogiada por analistas por sua transparência. Poucas semanas depois, porém, foi criticada por sua incoerência. No fim de outubro, a Sadia revelou que poderia perder mais 2,4 bilhões de dólares - depois de garantir que o pior já havia passado. Seus papéis se desvalorizaram 54% entre 25 de setembro e 5 de novembro. "Essas informações deveriam ter sido repassadas desde o início para trazer segurança aos investidores", afirma Mariana Peringer, analista do Banco do Brasil. Procuradas, Aracruz e Sadia não concederam entrevista.

Os problemas enfrentados por empresas como a Sadia expõem falhas no planejamento para momentos de turbulência. Antes da crise, a diretoria financeira da fabricante de alimentos estava vinculada à presidência do conselho de administração - numa estrutura pouco recomendada pelos manuais da boa governança. Agora, responde diretamente à presidência. Segundo especialistas, uma das lições que a crise atual deixa às companhias brasileiras é justamente a importância do planejamento. A atitude mais importante a ser tomada é o fortalecimento da gestão de risco dentro das empresas. "A maior parte dos comitês funciona apenas no papel", afirma o consultor André Pimentel, da Galeazzi e Associados. De acordo com Heloisa Bedicks, diretora executiva do Instituto Brasileiro de Governança Corporativa, a tendência é que as empresas aprofundem reformas que começaram com os escândalos contábeis de companhias americanas - como a Enron, em 2001 - e logo chegaram ao Brasil. Naquela época, as empresas nacionais já possuíam comitês de auditoria e conselhos fiscais, mas boa parte deles existia apenas no papel. Agora, a situação se repete com conselhos de administração e comitês de gestão de risco. "Com os exemplos que essa crise trouxe, todas as companhias precisam entender o tamanho do risco a que estão expostas se não se prepararem", diz Heloisa.

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