Revista Exame

Sobras que ajudam a erguer prédios

Ao usar blocos feitos com resíduos do material de construção, a Newinc praticamente elimina a necessidade de caçambas nos canteiros de obras

Wenio Pimenta, sócio-diretor, e Cláudio Carvalho, presidente da Newinc: 15 casas doadas aos trabalhadores (Germano Lüders/Exame)

Wenio Pimenta, sócio-diretor, e Cláudio Carvalho, presidente da Newinc: 15 casas doadas aos trabalhadores (Germano Lüders/Exame)

DR

Da Redação

Publicado em 16 de novembro de 2017 às 05h01.

Última atualização em 16 de novembro de 2017 às 05h01.

Quando começa um novo empreendimento, a construtora goiana Newinc monta uma pequena fábrica dentro do canteiro de obras. Ali, os resíduos do material de construção são moídos, prensados, transformados em blocos e depois reutilizados nos próprios prédios. Especializada em grandes condomínios, a empresa praticamente eliminou o uso de caçambas de coleta de entulho. Ganha o meio ambiente e também o caixa da companhia. A gestão dos recursos nas obras — que, além do material, abrange a água e a energia — é um assunto tão sério que rende prêmios para os funcionários.

Cada vez que um canteiro atinge uma economia equivalente a 30 000 reais, o que normalmente acontece a cada cinco meses, a Newinc sorteia entre os funcionários a construção de uma casa no valor de 60 000 reais. Podem participar os trabalhadores que fizerem os cursos de aperfeiçoamento oferecidos pela empresa, tiverem família, morarem de aluguel e já possuírem um terreno. “Não é assistencialismo nem meritocracia. É uma iniciativa de caráter pedagógico”, diz Cláudio Carvalho, presidente da Newinc e que comanda a empresa ao lado do sócio-diretor, Wenio Pimenta. Até hoje, 15 casas — construídas também com os blocos de resíduos — foram doadas aos trabalhadores.

Ações de educação para a sustentabilidade também são desenvolvidas com os clientes. A Newinc mantém equipes em contato com os moradores durante, pelo menos, um ano depois de a obra ser entregue. Nessa fase, a empresa ensina, por exemplo, como é possível vender o lixo reciclável recolhido nos pontos de coleta seletiva ou reutilizar a água dos chuveiros na limpeza das áreas externas. Segundo Carvalho, esse trabalho nos primeiros tempos do condomínio aumenta em até 70% a eficiência dos itens ambientais.

Para formalizar a sustentabilidade como um fio condutor dos negócios, a Newinc optou por se certificar como uma empresa do Sistema B, que reúne cerca de 2 300 companhias no mundo. A certificação foi criada em 2006, nos Estados Unidos, pela organização sem fins lucrativos B-Lab. No Brasil, a Natura, do setor de cosméticos, e a Mãe Terra, de alimentos naturais, são empresas do Sistema B. Para ingressar no grupo, as companhias precisam incluir cláusulas no estatuto ou no contrato social reconhecendo os impactos de suas atividades e firmando o compromisso de gerar valor não apenas para os acionistas mas também para a comunidade e para o meio ambiente. A Newinc é certificada desde 2014. “Redefinimos, para nós mesmos, o conceito de sucesso nos negócios”, diz Carvalho.


Depois de adotar um novo método para construir apartamentos populares, em 2011, a incorporadora Precon Engenharia, de Minas Gerais, rapidamente conseguiu diminuir em 70% a geração de resíduos nas obras. Quatro anos depois, o índice tinha chegado a 85%. Agora, a meta é ainda mais ousada: colocar prédios de pé produzindo 90% menos refugos do que em uma construção tradicional. “Num apartamento de dois quartos, deixamos de gerar 6 toneladas de resíduos. Isso é sinônimo de menos caçambas transportando lixo pela rua, menos emissão de gás carbônico e menos desgaste de pneus”, diz Marcelo Miranda, presidente da empresa. O segredo? Uma fábrica de estruturas pré-moldadas, de onde saem prontas praticamente todas as peças necessárias para montar um imóvel — de vigas a paredes inteiras.

Algumas das soluções usadas pela Precon para diminuir as sobras nos canteiros de obra são relativamente simples de implantar. É o caso do piso dos apartamentos. Durante anos, os imóveis eram entregues com o acabamento em cerâmica. Era o material que mais gerava resíduos, pois é comum as peças quebrarem quando são cortadas para acertar o encaixe uma na outra. A saída foi trocá-las por piso laminado de madeira. Embora sejam um pouco mais caras, as lâminas têm instalação simples e poucas são perdidas durante o trabalho.

Já outras melhorias no sistema construtivo podem exigir um investimento maior. A Precon está trabalhando num projeto de pesquisa de 20 milhões de reais financiado pela Finep — empresa do governo federal que fomenta o desenvolvimento de tecnologia e inovação — com o objetivo de melhorar a produção de lajes. Atualmente, as peças são fabricadas uma a uma, em formas. A ideia é passar a produzi-las em pistas de protensão, nome técnico de esteiras que ajudam a dar escala ao processo. “A expectativa é que isso aumente nossa produtividade e também reduza o desperdício de concreto”, explica Miranda.

A fabricação das peças numa fábrica, onde parte dos processos é mecanizada e não exige força física, possibilitou à Precon contratar mulheres, público que tradicionalmente é excluído da construção civil. Cerca de um terço da mão de obra da Precon é feminina — a linha de produção, aliás, é chefiada por uma mulher. Como não se exige experiência no setor, muitas das trabalhadoras eram faxineiras ou varredoras de rua antes de ser contratadas. “Elas costumam ser mais pontuais, assíduas e caprichosas no trabalho”, afirma Miranda.


mineira MRV, maior construtora da América Latina, se impôs uma meta desafiadora: daqui a cinco anos, todos os seus novos empreendimentos deverão ser equipados com sistemas de geração de energia solar. Não é pouca coisa. A empresa ergue cerca de 40 000 apartamentos por ano. Com células fotovoltaicas, os prédios deverão produzir, juntos, 316 gigawatts-hora de energia por ano — o consumo de uma cidade de 121 000 habitantes.
Em alguns condomínios, como o Spazio Parthenon, em construção em Contagem, na região metropolitana de Belo Horizonte, todos os apartamentos serão abastecidos pelo sistema. Em outros, como o Spazio Solar do Parque, em Salvador, na Bahia, as áreas- comuns é que contarão com a energia do sol. “Pensamos nisso como um benefício para nossos clientes, que deixarão de ter o custo da conta de luz, e será bom também para a empresa e para o meio ambiente”, diz Eduardo Fischer, presidente da MRV. “Ninguém faz isso na escala que faremos. Estamos na vanguarda.”

Escala — ou melhor, a falta dela — é um dos desafios para colocar o projeto de pé. Para viabilizar os apartamentos populares que produz, a MRV costuma trabalhar com poucos fornecedores, que lhe garantem preços competitivos no material de construção. As tintas, por exemplo, são compradas de uma marca só, a Suvinil. Os tubos e as conexões vêm todos da Tigre. Mas qual é o grande fabricante de painéis fotovoltaicos no Brasil? “Ainda não existe”, diz Fischer. A MRV tem encomendado os equipamentos de pelo menos uma dezena de empresas, mas o executivo espera que isso mude futuramente — o ideal é ter apenas um ou dois fornecedores de cada produto.

O projeto exige um investimento de 800 milhões de reais, que serão absorvidos pela MRV. “O valor médio de nossos apartamentos é de 150 000 reais, e a instalação da energia solar custa 4 000 reais. Não há margem para repassar no preço”, diz Fischer. O apelo comercial, no entanto, deve compensar o custo. A MRV criou um selo que classifica os empreendimentos conforme o número de ações de -sustentabilidade envolvidas. Todos os prédios devem cumprir uma série de exigências, como ter um local para coleta seletiva de lixo ou medição de água individual nos apartamentos. Os que, além disso, tiverem medição de gás também individualizada recebem o selo MRV +Verde 1. A geração de energia fotovoltaica garante o selo de nível 2; e sistemas de reaproveitamento de água da chuva, o selo de nível 3. Ao apresentar um imóvel para um cliente, os selos ajudam a explicar os diferenciais — e a acelerar a venda.

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